À minha maneira — Nathália Fernandes

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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2 min readFeb 24, 2022
arte ilustração de Levys Friends

Meu egoísmo te machuca, eu sei. Falar sobre ele dessa forma, como fosse um poema qualquer, é inchá-lo ainda mais, eu sei. Te escrever sempre foi simples porque eu nunca precisei deixar de te enviar meus versos, você sabe. Até mesmo quando eu te deixei. Quando eu fui embora, você pediu para eu te mandar meu texto, caso eu fizesse algum. Eu achei tão bonita sua atitude de querer me ler, mesmo quando deixasse de me desejar, porque meus amores passados não me liam nem quando me queriam ao máximo — isso eu não sei se você sabe. Antes de você, minhas cartas de amor ridículas e esdrúxulas só eram encaminhadas para remetentes porque eu nunca pude admitir em voz alta e em texto escrito o que eu sentia — até você chegar e eu te contar dos teus olhos amadeirados e esperançosos ou do teu queixo que abrigava pássaros mil. Pude, também, te desejar e enviar os meus desejos enredados em catolicismos e heresias, mesmo que as nossas crenças fossem sempre tão opostas. Ao menos nós críamos em nosso amor. Ao menos nós criamos textos e desenhos, que eram as formas mais sinceras de dizermos ‘eu te amo’.

Enquanto tive você, percebi mudanças na minha forma de escrever. Não sei se por não mais precisar ornamentar em excesso meus textos, pela necessidade de esconder o que nunca poderia ser dito ou se por saber que a poesia nunca foi muito do teu agrado. De qualquer forma, juntou-se a fome com a vontade de comer: eu me despi. Abandonei lirismos irreais e ponderações inúteis, porque te tocar sempre foi mais do que imaginar nós duas namoradas, noturnas, nuas. E o meu texto, de certa forma, precisava acompanhar essa mudança de desejo, o que ocasionou perdas que eu não mais vejo com olhos enlutados. Sim, o meu texto perdeu muito do que sempre foi, mas eu pude ter a ti como nunca tive ninguém — e assim fomos felizes.

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