3 poemas de Milena Martins Moura
ESTÁTUA DE SAL
deito marcada com a
chaga dos
abismos
minha carne a morte
oferecida à
fome primeva
de um resto
de deus
o céu está vazio o
magma está
frio só
me sobrou
a terra sob
meus peitos de
lágrima
de costas
curvas
eu deito
sob o peso de
existir cordeiro
com
dentes de
algoz
meu corpo
templo sem
rito
e sem
fiéis
se recusa a
limpar dos
sapatos a
poeira antiga
dos ídolos a
ruir
FADO DA CRIAÇÃO
apenas dois
olhos
fracos
se interpõem
entre mim e o
escuro
e eu que
nunca
fui
muito forte
existo novembro e
flores mortas
pintada do
sangue
dos
flamboyants
tenho dois olhos
cor de tempestade
e
um cansaço
ancestral
nos ossos
do não
dito
e tenho também
aquele grito
que nunca será voz
e aprisionado
não sabe senão
chover
‘ARīHĀ
há sempre um prenúncio de soluço
que não cura
os escombros da chuva
lacerando peles
destruindo os telhados
onde se aguardava com provisões o inverno
e esse silêncio de quem tem fome
gestando
soluços
há sempre um farnel
com queijo e com vinho
com dor e com soluço
para o tempo da seca
é preciso reforçar os escudos e as armaduras
com o que mais houver de belo na fortaleza
enquanto houver sussurro
não hão de deitar ao pó
minha amurada
ainda não sei se sou forte
só sei que existir é
como uma dor
e dos espasmos
e dos soluços
dessa tortura
eu tenho feito mistérios
que haja sempre a fogueira de anúncio
para o tempo do risco
e os metais
para o festejo final
e assim
vestidos de fogo e de ferro
de força e de punho
nada mais há de faltar
para o inverno do tempo
quando não cantarão nossos feitos
ao redor do fogo