3 poemas de Milena Martins Moura

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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2 min readDec 31, 2022
Obra de Éber de Góis

ESTÁTUA DE SAL

deito marcada com a
chaga dos
abismos

minha carne a morte
oferecida à
fome primeva
de um resto
de deus

o céu está vazio o
magma está
frio só
me sobrou
a terra sob
meus peitos de
lágrima

de costas
curvas
eu deito
sob o peso de
existir cordeiro
com
dentes de
algoz

meu corpo
templo sem
rito
e sem
fiéis
se recusa a
limpar dos
sapatos a
poeira antiga
dos ídolos a
ruir

FADO DA CRIAÇÃO

apenas dois
olhos
fracos
se interpõem
entre mim e o
escuro

e eu que
nunca
fui
muito forte
existo novembro e
flores mortas
pintada do
sangue
dos
flamboyants

tenho dois olhos
cor de tempestade
e
um cansaço
ancestral
nos ossos
do não
dito

e tenho também
aquele grito

que nunca será voz
e aprisionado
não sabe senão
chover

‘ARīHĀ

há sempre um prenúncio de soluço
que não cura

os escombros da chuva
lacerando peles
destruindo os telhados
onde se aguardava com provisões o inverno

e esse silêncio de quem tem fome
gestando
soluços

há sempre um farnel
com queijo e com vinho
com dor e com soluço
para o tempo da seca

é preciso reforçar os escudos e as armaduras
com o que mais houver de belo na fortaleza

enquanto houver sussurro
não hão de deitar ao pó
minha amurada
ainda não sei se sou forte
só sei que existir é
como uma dor
e dos espasmos
e dos soluços
dessa tortura
eu tenho feito mistérios

que haja sempre a fogueira de anúncio
para o tempo do risco
e os metais
para o festejo final

e assim
vestidos de fogo e de ferro
de força e de punho
nada mais há de faltar
para o inverno do tempo
quando não cantarão nossos feitos
ao redor do fogo

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