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Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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6 min readFeb 5, 2021
Imagem da Internet. Fonte: Pixabay

São três visões unidas por quatro perguntas e o compromisso de fazer-ser arte!

Hoje vamos conversar com:

Gessyka Santos, poeta e produtora cultural da cidade de Natal/RN.
Autora do Livro “Autopsia” (2019) e dos Fanzines Peito aberto por m², Ponto e Virgula e Cópula. Comanda, ainda, junto com poeta Gonzaga Neto, o podcast Um Poeta em Cada Esquina.

Patrícia Pinheiro, poeta, autora de Quadripartida (Ed. Laranja Original).

Tiago Silva, escritor e estudante de Jornalismo (UFRN). Militante do Rebeldia — Juventude da Revolução Socialista, do coletivo LGBT Auroras e também do PSTU. Tem textos literários e jornalísticos publicados em sites e revistas. Autor do zine “Sangria”.

Como/quando surgiu a vocação?

GESSYKA: Não sei se gosto de chamar de vocação, sabe? Essa palavra me remete a um chamado maior, uma coisa quase que “divina” e que nos é dada tipo como um dom, e não acho que a escrita, a poesia e a arte de modo geral seja assim. Claro que pode acontecer de algumas pessoas nascerem com uma inclinação maior para alguma linguagem artística, mas acima de tudo se tem muito trabalho, dedicação, muita leitura, escrita e reescrita. Mas, acho que posso dizer que me compreendi e tive coragem de dizer “sou poeta” em 2016, depois de muito tempo escondendo textos em gavetas ou atrás de pseudônimos, eu fui na cara e coragem e disse: Bom, gente, eu escrevo e é isso aqui, olha”. (hihih não sei se fugi demais de tua pergunta, mas é isso).

PATRÍCIA: Desde a infância eu já apresentava uma relação curiosa com as palavras. Minha mãe costuma contar que, quando eu ainda nem era completamente alfabetizada, já escrevia textos enormes para os trabalhos da escola. Ainda nessa época, também considerava uma diversão escrever letras de música com minha melhor amiga. Mas, o desejo e, principalmente, a necessidade de escrever com constância e de compartilhar meus textos com as pessoas, surgiram um tempo depois de eu perder meu pai. Minha escrita — que, no começo, já era poética, mas se dava em forma de prosa — sempre ocupou um papel fundamental na sublimação e elaboração de tudo aquilo que me afeta.

TIAGO: Sempre gostei de arte, de criar. Era fascinado pelo processo criativo que estava por trás das obras. O chamado para a palavra foi ficando mais forte ao longo do tempo. Lembro que, nas primeiras séries do meu Ensino Fundamental, tínhamos um caderno de redação. A professora passava um exercício de escrita fabuloso: ela nos dava uma imagem recortada de um livro ou revista e tínhamos que criar uma história. Eu não sabia nem pontuar direito, mas fabulava. Ela colocou uma observação em vermelho no meu texto, mais ou menos como “parabéns pela criatividade, mas atente-se para a gramática”. (Risos) E então fui entendendo que a escrita era o lugar onde eu me fazia, onde eu podia ser.

Como é o seu processo criativo?

GESSYKA: Meu processo criativo é muito “desorganizado”, eu não tenho um ritual pragmático para escrever, não tenho um horário definido ou um fluxo a ser seguido. As vezes penso em frases e anoto no bloco de notas do celular e deixo ela lá, quietinha ou passo um tempo pensando nela, o que posso acrescentar em torno para transformá-la em um texto. As vezes penso em sensações e vou construindo coisas em torno. Já aconteceu de escrever um poema em algumas horas, mas já passei meses rodando com texto na cabeça ou tentando construí-lo e tudo depende muito dele mesmo. Regina Azevedo disse em nossa conversa no Podcast “ Um poeta em cada esquina” que o poema tem suas vontades e precisamos compreende-las, eu busco sempre ouvi-los.

PATRÍCIA: Percebo que meu processo criativo costuma acontecer de diferentes formas. Diante de um sentimento que está latente, o poema costuma vir mais “pronto”, e não requer tanto debruçamento sobre as palavras. Mas criar também exige silêncio, raciocínio, atenção às minúcias e desejo constante de ampliar o vocabulário. Pra mim, ler é exercitar a inspiração.

TIAGO: Meu processo criativo é caótico e intenso. Como um jorro indomável. Quando a palavra chama eu obedeço. Pois ela pode ir embora ou se perder no meio do caminho. Gosto sempre de recebê-la no papel, qualquer papel — folhas limpas ou sujas de caderno, verso de impressão, anúncios. Às vezes uso o celular ou escrevo diretamente no computador. Mas gosto muito da experiência de escrever no papel, do cheiro, da textura, da caligrafia. Sempre tem algo se escrevendo dentro de mim. Meu olhar poético sobre o mundo está sempre vivo e não me deixa morrer. A poesia não deixa morrer. Não podemos desistir dela. A experiência poética emociona. Enxergar a beleza do cotidiano é maravilhoso. De uma pétala à Lua. Acho que isso é o amor. E é muito bom. A poesia nos aproxima do amor.

Gosto do silêncio para escrever. O silêncio nos ajuda a ouvir nossa própria voz. Gosto dos ecos da madrugada. Mas nem sempre esse horário me é favorável. Muitas vezes estou desgastado do peso do dia e o sono vence, então a maioria das coisas é escrita sob o caos e a correria da vida.

Uma obra que te marcou, que dividiu águas?

GESSYKA: Vou dizer dois livros, que marcam dois momentos importantes para mim enquanto leitora e poeta.
A primeira que me marcou como leitora foi “A hora da estrela”, foi a partir desse livro que senti gosto pela leitura, que busquei mais coisas e me encantei pela palavra. Então esse livro tem um canto muito especial na minha vida e sou grata demais ao encontro com ele.
O outro livro foi “Devolva meu lado de dentro” de Eveline Sin, esse me marcou enquanto poeta, foi e é uma leitura muito impactante para mim. Esse livro me estimulou a escrever mais e ter mais coragem de ser essa pessoa que sou hoje. Vez ou outra retorno a ele e ainda faz muito sentido pra mim. Eveline é uma grande referência e uma artista completíssima!

PATRÍCIA: É tão difícil nomear apenas uma, pois as obras me atravessam de diferentes formas. Mas, pensando em algo que abarque um misto de questões com as quais me identifico e me comovo, o livro “Cartas a um Jovem Poeta”, de Rainer Maria Rilke, é minha escolha. Numa “simples” troca de correspondências, é possível encontrar reflexões ternas e profundas sobre a criação artística, o amor, a solidão e outros tantos temas essenciais.

TIAGO: O Renato Russo e a Legião Urbana foram muito importantes na minha vida. Suas belas e profundas letras me tiraram do lugar na adolescência. E ajudaram meu encontro com a palavra. A arte chegou para mim muito através da música também.

Palavras para mudar o mundo?

GESSYKA: Não sei se palavras podem, de fato, mudar o mundo, mas elas podem nos mudar individualmente (quem sabe assim a gente consiga mudar o todo, né?).
Mas, Gentileza e Coragem são duas palavras importantes para mim.
A gentileza com nós mesmos, em ver o outro e as coisas, a gentileza no agir, no ato de ouvir, gentileza, gentileza!
E a coragem para viver, para seguir em dias difíceis, para ir mesmo com medo e dúvidas, para romper barreiras internas e externas. Essas palavrinhas andam sempre comigo.

PATRÍCIA: Coletividade, acesso, afeto e arte.

TIAGO: Há um enorme cansaço sobre o mundo. Palavras duras são ditas. A pandemia de Covid-19 expôs ainda mais as contradições desta sociedade. Viver dói. A arte ajuda a suportar essa dor. É muito importante que continuemos lutando, escrevendo, mantendo vivos os sonhos e a poesia. Sem isso estamos mortos. O horizonte vibra rubro. Poetas de todo mundo, uni-vos!

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