Banquete dos séculos — Milena Martins Moura
1.
guarde meus olhos nos seus bolsos
com esmero
como coisa frágil e agitada
como um cão à janela
comendo o v e n t o
para ser feliz direito
guarde os meus olhos num escuro
que por bem seja fundo e calmo
e próximo do peito
e as bulhas ocas possam embalar
um sono que não teme
senão
o que se mostra
[é preciso haver luz para ver]
2.
os meus sentidos guarde todos em silêncio
talvez entre
os seus dentes
talvez entre
os seus dedos
mas não permita que eu desfaça
entre
os seus dentes
entre
os seus dedos
apenas segure firme essa tormenta enquanto existe
e se mostra nas paredes
em vermelho-sangue
vivo
de mim
desse mistério todo meu
que me redime
que me define e me faz pária em descontrole
não fuja agora
enquanto eu quebro
na frente dos seus olhos talvez férteis
guarde os meus sentidos em braços firmes
e aperte bem tudo que é meu
até que eu sufoque
as onDas
os barcos afogados
os peixes todos mortos de sede
nesse quarto escuro onde vim dar
de cara
nos tacos
para sobreviver
3.
era preciso apenas cantar
como um pássaro preso
mas pássaros têm o mistério da partida revelado
todos os dias
entre as asas
e as minhas asas foram servidas no jantar
4.
eu vim aqui de corpo inteiro
saltar
no
fundo
do
perigo
e de lá
assistir
a sua fuga alucinada
num medo insano
de não saber
como falar todas essas frases sem os meus olhos como guia
5.
guarde o meu amor num lugar menos óbvio
talvez
na fresta da porta
talvez
no forro do teto
no fundo dos livros que nunca são lidos
nos papéis em branco para nunca
guarde o meu amor porque é estranho
aos mais sensíveis
que querem da vida uma novela das seis
inacurada
de época
com falas difíceis de gravar
[o meu amor não tem vestido longo nem sacerdotes]
ele tem as minhas mãos nos seus cabelos
depois de três milênios de iniciação
e um corpo todo
arremessado no fogo
de carne em carne
talvez ele não seja o maior amor do mundo
porque todo amor é apenas um
e tudo o mais
é o segredo das paredes
mas o ofereço todo cru e novo
para o prato principal