Casa — Tchelly Paixão
Coloquei musicas antigas; dos tempos que meus problemas eram minhas estrias ou meus peitos pequenos. Dali, fui andando sem freio, até bater de cara: o muro caiu. Sete pontos na testa, duas pernas quebradas, uma craniotomia, além de suturas pelo rosto, costas e braços.
As cicatrizes incomodavam muito. Tentei esconder, tive vergonha.
Hoje nem dá pra perceber, só se olhar bem.
Nem preciso explicar, não me importo mais.
Quando tudo assentou, passaram vinte anos. Tive que ir.
Perdi a rede de apoio. Ganhei fôlego de vida.
Minha mente fica visitando a criança que fui. Girando, girando, até ficar tonta e cair. Lembro dos cadernos do futuro, uma enorme lista das coisas que faria quando crescesse.
Desfiguro e rabisco pequenas coisas.
Creio que tudo aconteceu.
Dias tão felizes, não sei se vivi ou fantasiei.
Faz tempo descobri que se pode fazer a própria narrativa.
Talvez tenha feito, sou boa em resolver questões.
Nesse momento despertei meu cérebro e andei. Fui bem longe. Talvez, longe demais. Ainda assim, falta muito.
Essa parte vou desconstruir, fazer um checklist.
Ser minha casa. Ser grata. Ajudar. Pedir ajuda. Amar mais. Brigar menos. Rir mais. Respeitar meu choro. Perdoar minha saudade sem tristeza.
Revisão: Itaércio Porpino
