Entrevista — Letícia Torres

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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5 min readApr 14, 2021
Letícia Torres, imagem cedida pela autora.

Poeta, publicitária, produtora de conteúdo digital. Deixando de lado os rótulos, nos fale um pouco sobre como você vê a si mesma.

Não sei me ver em palavras, certamente escrevo com esse intuito. Sou incapaz de responder a esta pergunta sem nos colocar diante de uma mentira.

‘Qual a sua vontade agora?’ É com esta pergunta que você inicia o perfil do instagram @vontadenua, que registra, desde o começo da pandemia do COVID, vontades de pessoas conhecidas e desconhecidas, que entram em contato com você através do direct (a caixa de mensagens do instagram). Como surgiu essa ideia? Aliás, excelente ideia.

Em março do ano passado, ainda me adaptando ao isolamento social e sob efeito de suas esquisitices, senti vontade de comer empada — como não sou muito de empada, aquilo me chamou atenção –, então fiz um storie no instagram com a pergunta que deu origem ao @vontadenua: “qual a sua vontade agora?”. Foi totalmente acidental. A partir daí comecei a receber várias respostas e intuitivamente fui criando a identidade visual, que permanece a mesma. Dois dias depois, numa segunda-feira, fiz outro storie agradecendo a “companhia” e encerrando a brincadeira, porém as mensagens continuaram chegando e nasceu o perfil, uma coleção de vontades. Percebi que precisávamos falar, estávamos estarrecidos com uma realidade nunca experimentada e confinados, à flor da pele. De lá para cá são mais de mil vontades registradas.

O tempo é algo presente em seus poemas. Alguns escritores nos chamam a atenção, também, para a infância, chegando a afirmar que esta bastaria para fazer literatura até o fim dos dias de um escritor. De que maneira a infância influencia a sua escrita?

A minha infância não foi fácil e essa ausência de tranquilidade facilitou uma falta que permeia tudo o que escrevo, inclusive a falta de identificação com determinados modelos sociais; fui me reconstruindo como pude e a palavra veio para que eu pudesse expurgar a beleza.

Quando e como passou a escrever e mostrar sua poesia?

Dia desses publiquei algo sobre quando e como escrevo:

Corto alho, escolho cajus, falsifico amores escrevendo. Penduro roupas, refaço famílias, encho pneus escrevendo. Corto poemas, desço escadas, mudo a temperatura do chuveiro escrevendo.

É isto! Não sei como é não escrever, desde muito pequena escrevia cartas para a minha mãe num bloquinho amarelo — morávamos na mesma casa e nunca entreguei as tais cartas.

Comecei a mostrar minha poesia quando peguei um ônibus para o centro de Parnamirim em 2006 e me inscrevi num concurso de poesia sobre o qual tinha ouvido um anúncio numa rádio, para minha surpresa obtive a segunda colocação.

Nos poemas selecionados pelo 2° Concurso de Poesias Zila Mamede, há a presença frequente de versos com interrogações. Em especial, no poema “A crítica do desespero” (deixamos o poema abaixo, para o leitor), o primeiro, o terceiro e o quinto versos são interrogativos, quebrando-se o padrão a partir do sétimo, e daí, a cada novo verso, um ponto final, até o “fechamento” do poema. Entendo essa quebra como uma conscientização da vida, que inicia-se, justamente, a partir da questão provocada no verso “O que assumimos no instante em que a vida nos alcança?” Comente.

Não sei se “conscientização da vida”, talvez do momento em que a distância dela me atinge. Mas a sua interpretação foi providencial.

Letícia Torres, imagem cedida pela autora.

“Corto alho, escolho cajus, falsifico amores escrevendo. Penduro roupas, refaço famílias, encho pneus escrevendo. Corto poemas, desço escadas, mudo a temperatura do chuveiro escrevendo.

Ainda sobre o poema “A crítica do desespero”, que você declamou no sarau da Felizs (Feira Literária da Zona Sul de São Paulo) em 2019, qual motivo a guiou pela escolha deste poema para o evento?

Para a Felizs escolhi “A crítica do desespero” e no dia do encerramento li outros dois poemas que estão na coletânea “Por Cada Uma”, organizada por Marize Castro (Editora Una). Abri com ele porque além de ser um dos que mais gosto, achei que combinava com o público que assistia, inteiramente atento. Dá um frio na barriga só de lembrar.

Desde os poemas do Zila Mamede até os mais recentes, há uma importância dada a forma, sobretudo aos tercetos e quartetos. Isso nos leva ao fazer artístico. Como você escreve? (processo criativo, reescrita, revisão, etc)

Acredito que a forma da minha poesia vem de um ritmo que encontro na música, mas sei tocar nenhum instrumento. É como se fosse uma dança.

Não tenho processo criativo estabelecido, as palavras acontecem de súbito e se eu não anotar logo, perco-as (o que é comum). Para finalizar o meu livro agora, em alguns momentos precisei ficar sentada em frente ao computador esperando o poema se mostrar — trechos, uma só palavra, poesias inteiras. Foi bem difícil. Gosto de uma frase de C. Lispector que diz “é preciso sair de casa para que a carta chegue”.

Reviso várias e várias vezes um mesmo texto, preciso aprender a amar o erro (risos).

Que ideia está por trás de “Cravo”, livro de poemas que vem sendo anunciado em suas redes sociais?

Enfim um livro com todas as minhas poesias reunidas (exceto a que foi selecionada no edital do Itaú Cultural “Arte Como Respiro” por questões de direitos autorais). O nome não poderia ser outro porque foi preciso cravar os dentes na ideia para ela sair — “fazer penetrar à força”, uma das definições do verbo “cravar”. Costumava não ir além da gaveta de letras abandonadas, como se uma vez sentidas as palavras já tivessem cumprido o seu papel, contudo chegou o momento. O livro está dividido em duas partes, a segunda com elementos gráficos também feitos por mim; um movimento que se tornou possível em meio à solidão em que vivemos com a pandemia.

O que está lendo ultimamente?

“Caninana”, de Eveline Sin. Gosto de me rever num mesmo livro.

Qual a sua vontade agora?

Agora, 00:20h, minha vontade é deitar embaixo do céu, ver as luzes da noite.

Obrigadoo!

Eu que agradeço!

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