Fascinante — William Eloi

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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4 min readMay 31, 2022
Colagem de Palmiro Domingues

Era um grupo de cinco na sala fria que mais lembrava uma nave espacial. Quatro homens e uma mulher. Ela, de prancheta na mão, repassava os dados para o homem que estava sentado em frente ao computador. Todos usavam um tipo de roupa especial emborrachada. Estavam cobertos dos pés à cabeça. Apenas as mãos do homem que digitava estavam nuas, bem como as da mulher com a prancheta que anotava informações observadas por dois homens sentados no lado oposto — a luz de seus monitores refletia em suas máscaras alguns dados, como frequência, campo de atuação, áreas afetadas. Fascinante! É o que diria Spock sobre tudo aquilo. O garoto então voltaria para o portão — exatamente àquela mesma hora! — , como fazia todos os dias, já que a dobra espacial o permitiria atravessar o tempo e o espaço, de uma ponta a outra, num piscar de olhos. Ele se poria em frente ao espelho, penteando seu cabelo, e correria até o pé do portão. Ela então passaria, cadernos e livros a tiracolo, saindo da escola. Ele encheria seus pulmões para se dar um ar mais altivo, imperial, aparentar mais idade do que tinha — mal tinham saído os primeiros fios de seu bigode — , e quando ela passasse sem o notar, como tantas vezes, ele colocaria o ar dos pulmões pra fora, para amanhã começar tudo de novo.

A nave buscaria outras formas de vida, essa era sua missão. Ele, outras formas de viver. Então, já com o buço azulado por um bigode, passou a beber para espantar a timidez. Se enfiou no quarto com uma garota que pouco ou nada sabia de sua vida. Mas a ela pouco ou nada importava, a não ser que ele a possuísse, que se mantivesse duro tempo suficiente no meio de suas pernas, o que ele fez de maneira muito desajeitada, quando de repente ela o empurrou, porque ele deixou que seu gozo caísse no meio das coxas dela. Ele olhou para aquela garota e chorou. Ela também chorou quando ele lhe explicou: Não era você que queria aqui comigo deitada nesse chão imundo.

O problema é que você é um otário, e mulheres não gostam de otários!

Foi o conselho que escutou de seu amigo quando soube que a garota que queria tanto que deitasse com ele naquele chão imundo havia ficado grávida pela segunda vez e fora abandonada. Talvez esse seu amigo estivesse mesmo certo. Soube disso quando foi roubado por ele.

As informações que chegavam à Ponte de Comando ainda eram insuficientes. A tripulação se manteve em alerta ao máximo. Cada detalhe agora seria crucial. Poderia jogar anos de pesquisa fora. Deveriam estar atentos à próxima manobra. Aguardavam apenas o comando. Outra Dobra!

Quando é que vai tomar jeito na vida? E agora trazendo mulher para dentro de casa, e só chega bêbado?

Ok. Levarei mulher para minha casa. Daí chegarei bêbado, caindo aos pedaços, beijando o chão! Foda-se, seu velho safado!

Carregar estrume num supermercado… Não foi pra isso que eu te criei…

Ok, mãe. Não posso querer que caia manjar do céu. Não estudei.

Oportunidade não faltou.

Não. Só faltaram as passagens para eu ir para a escola que o pai gastava com putas.

Por que você não para de beber?

E por que você não deixa esse bosta?

Desemprego e bebidas.

Uma nova entrevista:

Bem, pelo seu perfil, vejo aqui que você daria para a biblioteca, mas só temos vaga na portaria.

Eu quero. Varro até o chão. Faço o que for preciso.

Mas não é assim.

Eu pago seu salário, filho da puta, deixe eu entrar!

Sorrisos e a vontade de encher de porrada cada burguesinho, cada aluno daquela faculdade. Mas o que termina enchendo é o pote, antes de chegar em casa, e a paciência da mulher. Ele ainda sabe como desarmá-la como ninguém, entrar no meio de suas pernas, no chão duro daquele quarto de um único colchão, fogão e geladeira.

Mas o problema é que ele não para de beber.

Por que você me maltrata tanto? Pergunta sua garota.

É que nunca mais serei um otário — teve vontade de responder, mas disse apenas: Eu não sei.

A nave está perdendo energia. Os esforços têm sido muitos. Mas a missão deve continuar.

Ele deveria estar feliz com aquela criança correndo pela casa. Mas só tem olhos e coração para uma única garota, e ela não está por perto. E de repente se vê no portão. Corre para vê-la passar por apenas alguns segundos. O que há de errado com isso?

E se nós fugíssemos?

Para onde? Eu amo você! Seu corpo estaria comigo, mas onde estaria seu coração, sua mente?

Tome!

Você… você escreve?

Sim… acho que sim.

Então ele entrou no meio de suas pernas, num colchão macio de molas, num quarto limpo e amplo.

Ela chorou lendo o que ele havia escrito.

Ele partiu.

Parou no primeiro bar e bebeu. Bebeu até tarde. Estava a caminho de casa quando foi atingido por um carro. Andava na contramão.

O grupo de roupas emborrachadas, cientistas que analisavam o cérebro de Joanilson, não teve dúvidas sobre as regiões que eram acessadas no momento em que morremos: as da memória. Talvez venha daí a ideia de que alguns que voltam da quase morte afirmem que viram a vida passar como num sonho, como se tivessem que expiar por seus pecados. Tal pesquisa seria divulgada num jornal. Estava, assim como outras, ainda em fase de coleta, mas os primeiros resultados da análise do cérebro de Joanilson levaram o chefe da equipe a dizer: Fascinante!

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