O excesso de si: sobre o fazer artístico — Daniel César

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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2 min readMay 5, 2023
Foto cedida pelo autor

Parcela considerável das pessoas que se deparam com minha arte fazem uma pergunta: “é uma terapia?”. Eu tento, com minhas devidas limitações, explicar para elas que assim como qualquer outro tipo de trabalho, o fazer artístico possui seus prazeres e dores.

Contudo, em minha interpretação, existe uma especificidade do trabalho artístico. Para produzir arte o artista terá, irremediavelmente, que se entregar ao excesso, ao transbordamento de si mesmo frente a tudo que é estranho e questionável no simples fato de existir.

Adentrar em situações de excesso requer coragem, entrega, dedicação, é por vezes se sentir no limite do consumo efusivo de si, metaforicamente mergulhar como quem busca se afogar, mas volta à superfície.

Entretanto, não será no excesso, na situação-limite (e aqui não posso deixar de mencionar Bataille e Blanchot, os quais devo tantos suspiros de vida) que nós de fato nos deparamos com qualquer coisa de honestidade conosco?

De modo singelo, o abstrato foi e é a única maneira que encontrei de poder expressar e encarar de forma honesta o existir. Me ensinou o questionamento: é possível mensurar o quão vasta e tão fora da medida das nossas expectativas é a experiência de viver? Sinto que a melhor coisa da vida é que ela não espera por nós, e o amanhã é sempre o anúncio de um novo ciclo porvir.

A arte não acontece gratuitamente — existe um preço, o qual cada artista será, no percurso de sua história, um reiterado insolvente. No entanto, esta dívida ilíquida vai sendo solvida, parceladamente, com o sorriso de olhos embargados.

Arte é dispêndio, e os artistas acontecem pela emergência de uma incumbência — independente de tudo — eles criaram.

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