Sinestesia — Olívia Batista de Avelar
Há algo sobre as flores e as ruas brancas e a luz das velas e as músicas que nunca mais cantamos, mas nunca mais esquecemos. Há algo sobre as palavras, sobre a cor das palavras, o gosto das palavras, as palavras que nunca entendemos. Há algo sobre o cheiro dos dias, o cheiro que roubamos dos outros e guardamos para nós, no fundo da memória — cheiros que exalam alguma certeza fugaz. Há algo de terroso no céu da boca daqueles que amaram e não amam mais. Há algo de metálico nos olhos daqueles que não querem ver a parte de si mesmos que deixaram para trás. Há algo de amargo. Há algo de doce. Há algo de cinza. Há minha parte incapaz. Em algum momento da vida nos despimos dos brios e dos ideais. Em algum momento tardio calamos a mente — os sentidos falam que o querer é voraz. Os sentidos. O sentir. O gozo, a pele, o gosto, as cerdas, os cheiros, os animais. Para o inferno com o que eu acredito! O caldeirão do inferno para o que não me satisfaz! Nos dias insossos e nas noites insones: nos mata o que temos e não queremos e o quanto não somos livres para desejar em vão e em paz.
