Todas as terças — Daniele Rech

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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2 min readJan 25, 2023
Fotografia e colagem de Anna Bella Geiger

Em anestesia
seres de tragédias e carne
permanecem
comprar cadeiras, cultuar cruzes
cascas, camadas
cárceres, cortinas
pedra, osso compacto
o corpo-cansaço
transita como pluma-bailarina
observada em um espetáculo
todas as terças
beber as banalidades mesmas
nos anos bissextos
dizer os ditos mesmos
pensar os pensamentos mesmos
com assíduos símbolos
fazeres metodológicos
os olhos
um microscópio ao contrário
faz o sangue quente
do coração vivo
ralo líquido, uma sopa
fria feita a muito custo
espremendo baratas na panela
da mansão de entulhos
viver os dias
na dormência desperta
não perturbam as flores secas
nem as crianças mortas
não há perda
das tampas de canetas
não são escritos
poemas sem sentido
não há luto
pelas mulheres torturadas
nem pelas couraças edificadas
um escorpião sob as cobertas da pele
de tão monótono, inofensivo
o corpo-cansaço
agita-se leve-pesado
preso ao pé da mesa
como se vivesse soterrado
em uma mina abandonada
como se estivesse fadado
a não encarar o incômodo
de estar vivo em desalinho
dor em pílulas diárias
o alívio na dormência
arapuca de bem-te-vi
cobre com cortina
o corpo em carne viva
a multidão na rua
os sonhos em ruínas
cobre tudo que fere e movimenta
a vida que é agonia alegre
uma cortina entorpecida
para não desvelar
as dunas dos dias
uma cortina entorpecida
não deixa
o sol que brilha e queima
entrar

Revisão: Caroline Lima e Itaércio Porpino

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