Ópera
Éramos o mais suado samba ou a mais fina valsa, não sei dizer ao certo. Sei que naquele embalo dos seus peitos não havia nada de artificial: a nossa música era o lençol se retorcendo, a cama que reclamava e a respiração que canta ao falhar.
Cento e vinte porcento unidos, com a meia-luz dura do sol de meio-dia invadindo a persiana meio-aberta. Vai-e-vem violinesco.
Mais que lascívia ou luxúria, éramos também um sofrer cantado. Minha cara de aflição, espelho da sua, tocando cada nota, esperando acertar nos acordes. Você mordia o lábio. Seus lábios me abraçavam. Meus dentes rangiam. Música que se faz com silêncio.
Sem perceber, me agarro mais firme à você, temendo o fim. Pois toda boa música só não é melhor que a seguinte. Afinal, sabe-se lá como o disco vai acabar. O agora me interessa e ele se esvai junto ao volume do seu suor.
Seu corpo me aperta um pouco mais. Juntos, vamos sincronizando movimento e respiração, mordida e sufoco, tudo para criar a melodia perfeita, o réquiem mais bonito do mundo, pois a pequena-morte nos aguarda e ansiamos por ela. Você anuncia o terceiro ato e se prepara para o último grito soprano da sua ópera tarada.
Ainda não.
Maestra dos corpos, você me dá o silêncio de uma oitava infinita para, logo depois, me tocar com com a fúria melancólica do último refrão. O ritmo aumenta, pedindo para que toda a orquestra se prepare para o ponto alto da sinfonia. E você me pede calma, pede que eu dance mais devagar, mas o embalo foi tão contagiante que a corda arrebentou.
Tã-dã!
Aplausos molhados.
Fim do show de meio-dia. Reprise à meia-noite (a depender da lotação de vinho em nossos corpos).