Arritmia

Tandra
EuLírico
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5 min readSep 14, 2016
Amizade é tudo. Cuide!

“Você está terminando comigo?” foi a primeira coisa que lhe ocorreu falar depois do meu pedido. Não precisei dar muitas explicações, ele sempre foi compreensivo, aceitou com muita tranquilidade, minha decisão. Nem sequer lutou. Melhor assim. Depois do almoço e após colocarmos uma pedra no que um dia foi o “nós”, fomos embora. Nos despedimos, com a promessa que ele só me procuraria se realmente precisasse. Se fosse urgente.

O resto da tarde passou por mim com tanta pressa que nem a notei. A noite, em contrapartida, fazia pirraça, insistia em desobedecer o tempo e arrastava as horas. Preparava-me para dormir quando o telefone tocou. Mensagem dele

“desculpe, mas, queria te mostrar algo, olha os comentários que recebemos, nosso projeto vai bombar”

A mensagem não era urgente. Pareceu-me uma desculpa para puxar assunto. Não iria responder, mas, também não podia fingir que ele não existia. Respondi com palavras de entusiasmo em relação ao projeto e dei boa noite. No entanto, não se contentou, no dia seguinte outra mensagem com um pedido de perdão seguido de outra desculpa para conversarmos. Dessa vez dei mais assunto, até que voltamos ao ponto que mais importava

— porque você tem que fazer isso? — perguntou

— porque é necessário. Preciso me afastar de você

— e se eu sentir saudade? E se eu quiser falar com você? Para com isso vai, gostava de como era antes

— não complica as coisas. Você sabe o porquê estou fazendo, gostar de você me machuca, dói sabia?

— então desgoste, goste menos. Goste apenas o suficiente para ficar

— se você está com sono eu posso simplesmente pedir para não dormir? Ou se está com fome, pedir para não comer?

— é diferente

— Não, não é — rebati, tentando lhe mostrar a importância da minha decisão — eu só quero um tempo para parar de me afogar enquanto as águas ainda estão rasas

Silêncio!

— e os assuntos profissionais que nos ligam?

— bem, quando precisar, passa-me um e-mail

— e-mail? Talvez você prefira uma carta, manuscrito, pergaminho? Talvez algo ainda mais impessoal, posso comprar um pombo-correio, o que acha?

— sim, seria uma boa ideia — tentei brincar, ele sorriu, como sempre faz. Depois, novamente silêncio.

— e ele? — disse impaciente

— ele quem?

— você sabe, vai continuar com ele?

— ele é meu amigo, não tem porque me afastar dele

— você poderia ter amigos em que eu não fosse obrigado a conviver

— o que a minha amizade com ele tem a ver conosco?

— tem tudo a ver, desde quando passou a me substituir por ele

— você não está sendo substituído, não viaja

— mas, é assim que me sinto. Você se aproxima dele a medida que se afasta de mim. Pede ajuda dele e não a minha, vocês conversam o tempo todo, se divertem, você até canta com ele… não vou suportar ver isso. Não quero vê-lo tendo para si, pelo menos, a parte de você que eu gostaria de conservar

— não peça isso, seria injusto. E depois, você não tem esse direito, como eu também não tenho o direito de te pedir para se afastar dela

— Eu e ela somos outra situação, totalmente diferente, consegue entender isso?

— não! eu tenho que entender sobre esse seu pedido maluco, enquanto faz malabarismo para esconder o que tem com ela?

— não estou te escondendo nada, só não quero magoar você

— pois é, e você acha que é fácil para mim imaginar vocês dois juntos? Ou até pior, você poderia, no futuro, querer se afastar de mim por causa dela ou até mesmo por outra, ou você acha que quem entrar na sua vida vai aceitar nós dois numa boa? Seria demais para mim ter que passar por isso. Eu preciso sair agora, enquanto há tempo, enquanto o furacão ainda é só um vento querendo brincar de ser adulto

— eu nunca me afastaria de você, por ninguém que entrasse na minha vida

— não acredito nisso. E depois você… convenhamos, você acha outra pessoa rápido, você é rodeado de gente e é incrível como todas parecem te adorar

— mas, nenhuma delas é você. Você é singular para mim.

ouvir isso não foi fácil, doloroso até, e como se não bastasse o baque, ele prosseguiu

— ei, somos almas-gêmeas, esqueceu? o que tenho que fazer para você ficar? Diz que eu faço. O que tenho que falar? O que você quer ouvir? Eu só quero ficar bem com você. Diz, como quer pintar o mundo? Qual música deve tocar em nossa playlist? Você manda. Mande!

Tenho minhas dúvidas sobre sua capacidade em entender o que eu estava fazendo. Éramos amigos… somos amigos, mas era exatamente isso que eu tentava terminar e de um jeito meio torto, preservar. Uma amizade que em poucos meses já é mais intensa que muitos amores que tive, já rolou desejo, já rolou tesão, ciumes atrelado a vaidade, minha e dele, fora o afeto que cresce desgovernado. Isso é apenas amizade? Para mim, pelo menos, estava confuso. Parar era preciso, independente do que eu realmente queria para mim, para nós. Então continuei firme em minha decisão

— não quero ouvir nada, não quero que faça nada, só quero parar com tudo isso. Deixe-me ir que eu prometo fechar a porta quando eu sair, para você poder me esquecer mais rápido. E dali um tempo serei só uma lembrança, boa, espero.

— e se disser que o que sinto por você é só amizade? Você fica bem comigo? Você me ouviu quando precisei, me ajudou, se importou quando ninguém mais parecia se importar. O ciúmes que sinto também é de amigo. Carinho, cuidado de amigo. O desejo e tesão que senti foi só um momento, passou.

— ainda sim quero me afastar

— Você é durona mesmo, porém, se prefere assim… mas, posso te pedir uma coisa?

— sim, claro

— não converse tanto com ele, se possível não ria, não peça para ele te ajudar em seus projetos, nem ligue para ele quando tomar suas taças de vinho e o impeça de esfregar na minha cara o quanto vocês dois se divertem juntos, pode fazer isso?

— não posso mandar nele, mas posso ser mais discreta, se assim quiser… e promete que vai se cuidar?

— irônico isso, “se cuida” essa é a última coisa que se fala antes de sumir

De fato eu sumi, e não conversamos mais, exceto por um ou outro e-mail de conteúdo formal com direito a “caro/prezado”, “saudação”, “Atenciosamente” e quando muito um “abraço” no final.

Se ele vai sentir minha falta? acredito que não. O que aprendi com tudo isso? nada! No coração de todo mundo há uma linha tênue que separa o amor da amizade. Em mim, essa linha é defeituosa. Agora só resta ao meu coração em arritmia tentar consertar suas falhas.

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Tandra
EuLírico

Nem sempre escrevo tudo aquilo que sinto. Mas, sempre sinto tudo aquilo que escrevo.