Doutor mãos macias

Nina Olivetto
EuLírico
Published in
3 min readAug 30, 2018

Hoje deveria ser um dia comum, esquecendo que o termo comum é subjetivo. Minha normalidade não cabe a muitas. A muitos também não. Bem, hoje eu acordei tão sonada (cheia de sono) que não me dei conta de que talvez tivesse que tirar a roupa para o ortopedista. Foi engraçado.

Ele tinha um rosto tão bem desenhado que foi divertido invadi-lo olhando dentro — bem dentro — dos olhos. Sei que não deveria fazer isso, mas ele me deixou esperando e fiquei entediada. Entediada fico mais sarcástica do que de costume. O que não mata fortalece e o que não entedia diverte.

Eu estava lá às 7h50, como marcado, sendo que ele se atrasou e quase ferrou a minha agenda. O menino mau merecia um castigo. Quando me lembrei da lingerie preta, com renda bordada e completamente transparente na parte de trás, sabendo que teria que tirar as calças de costas para ele, eu ri sozinha. Na próxima consulta, tenho certeza de que chegará no horário, ansioso até.

Ao chegar, esbarrei em algo e pedi desculpas, chamando a mim mesma de estabanada. Ele disse que minha mente estava três passos à frente e eu agia agora com a visão do futuro que não havia chegado.

É o preço dos ansiosos, raça doente.

Eu sorri, abaixei o olhar, apertei os lábios carnudos como se estivesse acanhada por ser lida e o fiz acreditar que eu estaria “despida” na sua frente. Jogos são divertidos e eu estava entediada. Fico assim sem fones de ouvido.

Os dados estavam na mesa e a brincadeira começara. Levantei os olhos de jaboticaba, sorri levemente — mais do lado direito — e descrevi o problema que me levara até ele e suas consequências:

Bem, doutor, eu tenho dores muito fortes nos joelhos desde uma noite na qual os usei muito. Sabe como são homens bêbados?! Brincadeira!

Percebi que aquelas palavras tão inocentes haviam feito o doutorzinho se ajeitar na cadeira. Segui.

Eu estava andando de patins e o impacto de uma queda deixou sua marca. Para que o senhor entenda melhor, eu faço dança do ventre e me deitar sobre os joelhos no chão, dobrados, nunca foi um problema. Agora, os quadris também doem e sequer posso dominar um homem na cama. Isso é realmente deprimente. Minha vida sexual está bastante aquém da normalidade. Pode me ajudar? Uma mulher sem bons joelhos e quadris é um homem sem ereção, me entende?

O poder de dominar é tentador e ele era o brinquedo do dia. Se não posso f*der, que não me tirem a única diversão que tenho: ser a protagonista do sonho alheio, citando Roberta Sá. Ele me deu algumas possíveis causas e nomes estranhos para a minha molinha de satisfação própria e alheia. Disse também que eu deveria fazer uma ressonância do joelho esquerdo e fisioterapia. Antes, quis me examinar.

Mãos grandes e macias passando delicadamente em pernas longas, depiladas e escondidas sob uma calça social séria e cinza. Ele foi gentil. Homens sob jogos são. Domine um homem e veja o quanto ele pode ser bom; não queira observar o oposto.

Minha mãe sempre me dizia que eu tinha uma fera e deveria mantê-la sob controle. Por quê? Os outros que se protejam. Sou fiel a mim. Cada um que seja a si mesmo. Será um grande favor.

Incrível como homens se sentem satisfeitos quando acham que estão conduzindo mulheres. Eu dou isto a eles e sequer entendem de onde veio a porrada quando digo…

Bem, estou me perdendo em pensamentos. O Mr. mãos macias me deixou molhada apesar da dor. Alguém que fazia sexo duas vezes ao dia com o pé quebrado em duas partes não perderia uma oportunidade de prazer na condução. O prazer da vida está em domar leões, aqueles que acreditam dar as regras no jogo. Não há mérito ou gozo em cordeiros.

Finalizando, ganhei nove caixas de remédio e os pedidos de exame que queria. Achei tão fofo(!). Imagino que ele limpe a gaveta de amostras para todos os pacientes. Frases cínicas escritas soam tão gentis. O mundo virtual tirou a graça de cretinos sarcásticos como eu. Uma lástima.

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