Janta

Daniel Pasini
EuLírico
Published in
3 min readJan 18, 2020

Receita que faz bem pra memória

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Voltei pra casa depois de trinta dias, passei algum tempo sem precisar sobreviver dos meus próprios dotes gastronômicos e resolvi cozinhar, matar a saudade da minha comida. Não há uma receita para o que eu faço, é uma grande mistura de elementos que resulta numa gororoba suculenta. Abri a geladeira e procurei o que poderia ser usado para frigir o meu maná.

Lembrei de você me perguntando: “vai fazer o que pra gente hoje?”

Sabia que eu cozinharia macarrão, era apenas uma espécie de mensagem subliminar para dizer que estava com fome e estava sempre com fome. Não sou diferente, como quantidades que até eu duvidaria, mas como tenho preguiça de fazer comida me alimento menos do que deveria. Usava meu altruísmo e a vontade de fazê-la feliz para equilibrar minha alimentação, na verdade cozinhar para duas pessoas é muito mais fácil do que cozinhar só pra mim. Fico à vontade de fazer a quantidade que me vem a mente, com você não sobraria.

“Aquele macarrãozão safado”
“Hmmm, muita cebola?” fazia um movimento balançando um pouco a cabeça, apertando-a entre os ombros e encaminhava um beijinho pra me motivar.

Não conseguia fingir que não achava fofo e ria levantando pra cortar as cebolas. Ficava na porta da cozinha com o copinho americano com a cerveja sempre pela metade me observando. Eu não aceitava ajuda, principalmente por minha cozinha ser muito estreita e sua bunda grande demais, uma combinação que infelizmente atrapalharia qualquer trânsito.

“ai, bota mais pimenta do reino, vai botar alho não?”

Fingia que lembrava e iria colocar, mas que ainda não era o momento, rapidamente descascava quatro dentes de alho e jogava mais pimenta. Me contava uma história enquanto eu batalhava para lembrar dos ingredientes. Meio que aprendo minha própria receita toda vez que cozinho, ainda mais quando concentrado no que você tava dizendo, era o seu papel me lembrar e o meu de fingir que já sabia.

“Tem certeza que não quer ajuda?”
“precisa não, alguém tem que ficar com a mão livre pra pegar cerveja”

Retornando da lembrança, decidido sobre o que faria, comecei a fritar as cebolas e o alho. Algo me motivou como me motivava a cozinhar pra você, animado cortei tomates e pimentão, até usei um pouco do frango desfiado. O molho de tomate entrou enquanto a cebola e o alho exalavam seu perfume quase sexual, o macarrão cozido foi misturado junto com o requeijão e uma quantidade preocupante de queijo, o pimentão e o tomate foram adicionados, assim como um sachê inteiro de orégano.

Pra fazer meu macarrão lembrei de tudo que você gostava e não tinha ninguém pra pegar a cerveja que ameniza as contrações oculares. Fiz muito mais macarrão do que deveria, ao perceber que fiz pra nós dois fiquei com vontade de te ligar.

Não tive coragem nem de te ligar, nem de comer, mas te escrevi isso.

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