Nosso sexo e o porta-joia

Tão intenso quanto um vulcão em erupção e tão raso quanto nossas mensagens de voz

Nina Olivetto
EuLírico
3 min readDec 12, 2018

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Arte: Dimitra Milan

Eu estou em um momento de fuga e você tem o sexo que anestesia a minha dor. Sua vulgaridade apetece pedaços de renda úmidos — ou encharcados. Prosaico a me dizer alto “diz o nome do teu dono”. Ainda mais quando diz “vou te viciar no meu … não vai querer outro”. Surpreende-me um manejo do meu corpo com tamanha maestria sem amor em mim.

Nosso “felizes para sempre” dura o período mais longo da frivolidade dos quartos alugados — 12 horas — e a água é abundante e quente; menos do que isto não caberia a nós. Nunca conhecerá meu templo e respeita isto — você faz muito bem. Minha cama paquistanesa cabe apenas aos meus escolhidos. Usurpando seu corpo e suas palavras, “somos pólvora e fogo em ambiente fechado”. Nascemos para explodir e transbordar, não para durar.

Surpreende-me demasiado que durma iniciando em você e terminando em mim — sem saber onde o escorpião começa e a leoa acaba. “Simbiose”. Outra palavra sua a nós. “Química, enlace, desejo”. Palavras suas que até caem bem. Gostaria que não dormisse tão amalgamado a mim, pois eu sempre quis que meu escolhido assim o fizesse. Gostaria também que me procurasse menos, já que a procura pertence aos amores e não aos desejos rasos — mesmo que, por vezes, eu deseje também.

Por favor, não tente mostrar valor em você ou me afasto. Prometi não amar homens bons novamente e você precisa ser vulgar, insólito, bruto e inconsistente para que possamos seguir. Há quanto tempo nos conhecemos? Uns 4 anos? Por quanto tempo me neguei a você? Meses ou anos? Não guardo nada da nossa estória, pois esta não há. As fotos que me manda eu apago sempre. Não mando nenhuma por não confiar em você — sensata. Nada de provas ou rastros.

Não use o tempo de mais uma trepada espetacular para falar sobre a sua faculdade, os seus méritos, as suas lutas, o seu trabalho. Não me diga sequer seu nome, por favor. Você insiste em me lembrar dele, sem que eu o pergunte. Quando, na cama, manda que eu o diga, digo apenas “escorpião”. Eu preciso de um corpo bruto, abrupto, grande, grosso. Apenas alguém a responder — quando eu elogiar a cueca bonita em corpo de semideus — “é o meu porta-joia”. Sim, belíssima joia.

Seja apenas intenso, imenso, incansável, indecente, incandecente, fonte inesgotável do meu prazer e mais nada. Admire-nos pelo espelho do teto. Sim, envaideça-me com seus elogios vulgares sobre minhas curvas lindas e “desenhadas”, perfeitamente encaixadas nas suas, agradabilíssimas aos olhos de alguém que ama o imperfeito e apenas usa a perfeição.

Seja um contrasenso; o que não se espera ou, esperando, causa inquietação, inquietude e desconcerto. Não fale alto diante de estranhos, mas seja a inadequação da sua linhagem amoral após o fechar da porta cujas chaves acabou de alugar. Não tenha lei, não tenha doçura, não tenha valor. Apenas me coma como — pois sequer sabe o que isto significa — uma mulher selvagem que corre com lobos e ama no chão de uma mata fechada como um bicho e me faça repetir alto quem é a sua fêmea.

O arquétipo da mulher selvagem que corre com lobos fala da mulher livre e arisca, avessa a coleiras e jaulas, porém completamente devota a seu amor de entrega. Ela é arisca diante da incerteza e dos estranhos e suave — dotada de uma entrega e de uma devoção incalculáveis — a seu amado. O eu lírico diz que quer ser comida como uma mulher selvagem — sabendo que ela não será uma para ele, não sendo ele o amado. Ou seja, ela dará uma entrega momentânea, não permitirá que se aproxime demais e a domine (arisca) e apenas será devota a seu escolhido.

Imagem da sensacional e estonteante artista Dimitra Milan

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