Os sete pecados em UX Research

Quais são os erros mais frequentes na área de pesquisa em experiência do usuário?

Paola R. Fernandes
TaqtileBR

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Uma das coisas mais legais na cultura da Taqtile é o incentivo à leitura. Isso às vezes ocorre de forma pouco formal, compartilhando um artigo rápido quando alguém pede ajuda no nosso canal de comunicação interna (a.k.a. Slack), ou mais estruturada, com a criação de grupos de leitura específicos, de temas diversos e acordados em conjunto. No meu caso em específico, o interesse é em aprimorar meus conhecimentos em UX Research, por isso pedi ajuda da minha amiga – e taqtiler — Tuanny Martins, que sugeriu alguns títulos, a começar pelo Just Enough Research, da Erika Hall.

Confesso que por mais interessante que fosse a leitura, estava sendo difícil seguir sozinha. Foi então que convidei outra amiga — também taqtiler — , Juliana Sorzan, para ler comigo e terminamos rapidinho. A troca foi tão construtiva e enriquecedora que resolvemos emendar para uma segunda leitura, dessa vez sugerida pela própria Ju: o Think Like a UX Researcher, do David Travis e Philip Hodgson.

Como já deu para perceber, muito da literatura está em inglês¹, por isso resolvi começar a compartilhar com a comunidade o que venho aprendendo com essas leituras, até como forma de reforçar a minha "memorização" do conteúdo e desenferrujar a escrita, a começar pelo assunto que dá nome à este singelo artigo: os sete pecados em UX Research.

Pega um caderninho (e um lencinho) pra anotar o que se deve evitar (e contabilizar quais desses "pecados" você já cometeu 😅).

1. Credulidade

Um estado de vontade de acreditar em algo sem prova adequada. Fazemos isso ao perguntar o que o usuário quer (e acreditando na resposta).

Não só esse livro como outras fontes também citam que nunca devemos confiar no que o usuário diz gostar ou querer. Posso aprofundar sobre esse assunto em outro momento², mas a ideia aqui é que não devemos perguntar isso de forma direta porque na maioria das vezes as pessoas mentem (como já dizia o Dr. House), de forma não intencional, ou não sabem exatamente o que querem e respondem a pergunta com uma resposta qualquer. A melhor forma de obter essa informação é observando os comportamentos do seu usuário e como eles resolvem um determinado problema.

#PraCegoVer: imagem em preto e branco, animada, do personagem Dr. House, com a frase "Everybody lies." escrita em letra branca. Pois é, o design pode ser encontrado nas mais diversas fontes, rs.

2. Dogmatismo

A tendência de estabelecer princípios como inegavelmente verdadeiros, sem considerar evidências ou opiniões de terceiros. A forma que isso assume na pesquisa de UX é acreditando que só existe uma maneira “certa” de se fazer pesquisa.

"Quantitative data tell us what people are doing. Qualitative data tell us why people are doing it. The best kind of research combines the two kinds of data."

Traduzindo o trecho acima, de forma livre, “Dados quantitativos nos dizem o que as pessoas estão fazendo. Dados qualitativos nos dizem o porquê das pessoas estarem fazendo. O melhor tipo de pesquisa combina os dois tipos de dados”. Em outras palavras, os autores nos convidam a não nos apegarmos a uma só técnica que atenda a todo e a qualquer tipo de situação. E isso pode ser feito variando a cada ocasião (não se apegando àquela em que nos sentimos mais confortáveis) como também combinando modalidades distintas (exemplo: formulário online com pesquisa de campo), trazendo outros olhares para compreender o todo.

3. Viés

O viés é uma influência especial que persuade o pensamento de uma pessoa, especialmente de uma maneira considerada injusta.

Não só no trabalho de UX como especificamente na área de UX Research, é muito importante que busquemos lutar contra os vieses, evitando fazer perguntas que consequentemente trarão as respostas que nós (ou outras pessoas do time) queiram ouvir. Nosso trabalho não é convencer as pessoas a usarem um produto ou serviço, mas sim de "cavar" a verdade. Atente-se sobre este ponto, analisando como você formula suas perguntas ou orienta a execução de determinadas tarefas. Um exemplo claro é fazer a pergunta (geralmente fechada), limitando ou já dando uma sugestão de resposta, como "Você usa bastante o celular para fazer compras, né?" (imaginando que eu esteja investigando a frequência de compras online do usuário). 🤦🏻‍♀️ 👎
Tente algo como "Qual foi a última compra que você fez? E como você fez essa compra?", que fará seu entrevistado resgatar lembranças da memória, aumentando a chance da resposta ser verdadeira, além de servir como gancho para outras explorações. 🙋🏻‍♀️👍

4. Obscurantismo

É a prática de impedir deliberadamente que todos os detalhes de algo se tornem conhecidos. A forma que esse pecado assume na pesquisa de UX é manter os resultados na cabeça de uma só pessoa.

#PraCegoVer: imagem animada de uma moça segurando uma lupa próxima ao olho, de forma investigativa, andando no quintal de uma casa, em um dia ensolarado.

É muito comum existirem "euquipes" (equipes de uma pessoa só) de UX Research, até porque ainda estamos conquistando espaço. Nessas situações, boa parte do conhecimento sobre o usuário fica concentrado em uma só pessoa (que não necessariamente possui todas as respostas), reforçando o distanciamento da equipe de desenvolvimento. O livro traz um dado bem interessante, de que as equipes de desenvolvimento mais eficazes dedicam ao menos 2h a cada seis semanas para observar os usuários, como em pesquisas de campo ou testes de usabilidade. Considerando que 6 semanas correspondem a 3 sprints e que cada sprint tem aproximadamente 80h/desenvolvedor, temos um total de 240h, ou seja, 2h de 240h disponíveis. Olhando para essa matemática, não parece que vai comprometer taaaaanto assim as entregas, né? 👨🏽‍💻

🗣 Você já tentou chamar algum dev para assistir a um teste ou entrevista?
Ou tem alguma dica de estratégia para aproximá-los que deu certo? Conta pra mim nos comentários :)

5. Preguiça (tá acabando, prometo!)

É o estado de não querer se esforçar. A forma adotada na pesquisa de UX é a reciclagem de dados antigos de pesquisa, como se fossem um modelo padronizado que pode ser cortado e colado em um novo projeto.

#PraCegoVer: imagem animada, extraída do desenho "Bob Esponja", em que se nota uma folha de papel com os dizeres "To-do list" com a palavra "Nothing" embaixo, sendo riscada pelo personagem Patrick.

Como nem sempre há espaço para a pesquisa, é comum tentarmos utilizar um mesmo dado para várias situações. O grande problema é quando trata-se de uma informação que perde seu sentido estando desatualizada. Ou pior: quando nos preocupamos com tarefas do tipo "construir um documento" (ex: personas) e não em, de fato, conhecer os usuários, suas necessidades e problemas enfrentados. Mais uma vez, o esforço deve ser de tornar a pesquisa parte da cultura e não um mero entregável.

6. Imprecisão

A imprecisão representa o que não é declarado ou expresso de forma clara ou explícita. Em termos de pesquisa de UX, isso ocorre quando uma equipe falha em se concentrar em uma única questão-chave de pesquisa e tenta responder várias perguntas ao mesmo tempo.

Consegue adivinhar o motivo disso acontecer? Assim como mencionado no exemplo anterior, quando se faz pouca pesquisa também queremos absorver o máximo possível de informações sobre o usuário e/ou produto em questão na primeira oportunidade que aparece. A postura não deveria ser de acumular a maior quantidade possível de informações distintas, mas sim o máximo possível de conhecimento sobre poucos assuntos, mais relevantes. Uma analogia muito legal trazida pelo livro é o da máquina de lavar louça: quanto mais itens você coloca dentro dela, maior é a chance deles não saírem tão limpos assim, rs.

#PraCegoVer: imagem animada de uma cozinha, onde um cachorro da raça pastor alemão, de forma animada, abocanha itens da pia e coloca dentro de uma máquina de lavar louça.

7. Arrogância

Por fim, mas não menos importante, o último pecado trata do orgulho ou auto-confiança ao extremo. Na pesquisa de UX, assume a forma de se orgulhar indevidamente de seus relatórios.

Não, ninguém está dizendo para você não se orgulhar do seu trabalho (principalmente se ele for uma linda página do Notion 🌸). O ponto aqui é de que ninguém será tão apaixonado por esse relatório quanto você. Na prática, significa que nem sempre, ou melhor, quase nunca as pessoas irão se aprofundar na leitura dessas informações (ainda mais se forem extensas, muito detalhadas). As informações mais críticas devem ser fáceis de serem encontradas e de forma rápida.

"People don’t read the report. They turn the page, see more data, appreciate how clever you are, get bored, move on."

Traduzindo, "As pessoas não leem os relatórios. Elas viram a página, veem mais dados, admiram o quanto você é inteligente, ficam entediadas e seguem em frente.". Para driblar essa situação, a dica é criar radiadores de informação, ou seja, suportes que permitam a compreensão sobre as informações essenciais em uma só "olhada". Alguns exemplos são dashboards, kanbans e visualizações de uma só página, como personas e mapas de empatia ou de jornada do usuário. Dessa forma, o time captará esses aprendizados e saberá planejar os próximos passos.

Ufa!

Se você chegou até aqui e está se sentindo um tremendo pecador, não fique triste. Eu me vi em diversas situações e sei que mesmo tendo ciência desses pontos, ainda poderei repetir alguns "erros" (e tudo bem). Acredito que consumir e dividir esse conhecimento diminuirá drasticamente a possibilidade disso acontecer novamente. Uma outra forma interessante de lidar com essas situações, que vem sendo discutida dentro do time de design da Taqtile, é compartilhando o planejamento de uma pesquisa e/ou chamando com antecedência um outro designer para acompanhar e dar feedbacks de uma sessão de teste de usabilidade, por exemplo, tendo essa lista de "pecados" como ponto de partida.

No livro, ao final de cada parte dos capítulos, os autores abordam perguntas em uma seção chamada "pense como um pesquisador de UX", visando a reflexão do que foi mencionado dentro dos nossos contextos. Vou citar duas delas, deixando o restante para você conhecer depois de ler o livro 😅:

  • Pensando na última pesquisa de UX realizada, como você poderia apresentar as descobertas em uma única folha de papel?
  • Identifique qual é o seu método de pesquisa favorito e o que menos te agrada e então se questione se esse “ favoritismo” afeta o seu trabalho. Identifique também dois métodos de pesquisa que você gostaria de aprender mais sobre.

Gostou do conteúdo?

Conta pra mim se ficou com alguma dúvida, se reconheceu algum desses comportamentos no seu dia a dia ou o que mais achar interessante e que possa contribuir com a discussão. Ah, aproveite também para seguir a nossa conta no Instagram 😝 e clicar nas palminhas 👏

Notas

1. Há uma iniciativa muito incrível, das designers Cecilia Henriques, Denise Pilar e Elizete Ignácio, que é o livro UX Research com Sotaque Brasileiro. O livro visa abordar o tema da pesquisa de experiência do usuário aplicada ao contexto brasileiro, sem apegos acadêmicos e erros do mercado, como a própria capa já informa. Até o momento, está em fase de pré-venda, com lançamento previsto para o 2º semestre de 2020. Já fiz minha aquisição e mal posso esperar para ler e compartilhar o que absorvi dessa leitura (bem blogueirinha, rs 💁🏻‍♀️✨).

2. Se estiver curioso, uma das pesquisas que o livro cita sobre esse assunto é esta aqui.

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