Lennon e Eu

Tanira Lebedeff
Tchê, Jude!
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5 min readOct 10, 2017

(Ou a profe tenta explicar o que é ser fã dos Beatles.)

Entre as coisas que eu salvaria de um incêndio em casa estão:

  • meu Yellow Submarine de Lego;
  • meu Yellow Submarine na versão Hot Wheels;
Ganhei no Dia dos Namorados!
  • meu Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, edição comemorativa dos 50 anos de lançamento do álbum;
  • um ingresso para o show de Paul McCartney em Los Angeles, em 2002.

Eu tinha uns nove anos quando meu primo Sergio Luis me disse: “Quer aprender inglês, Tanira? Ouça Beatles”. E disse isso enquanto tocava alguma dos Beatles ao piano. Tocava “de ouvido”. Nunca soube a justificativa pedagógica para o método — só sei que aquela sugestão marcou minha vida. Ouvi Beatles. Virei fã. Aprendi inglês. E com o inglês afiado na bagagem, boa ferramenta para uma jornalista, viajei pelo mundo.

Many thanks, Paul, John, Ringo e George (o meu Beatle favorito)!

Por que nos apaixonamos por determinada obra ou artista? Por que um tipo de música me fala mais ao coração que outras?Décadas depois daquele meu primeiro encontro com The Beatles, Ticket to Ride ou The Long and Winding Road não envelheceram ou perderam sentido. Ao contrário. A obra deles se reinventa. Na minha cabeceira tem uma “bíblia” contando como cada letra foi composta. Gosto de ouvir Beatles assim, conhecendo os bastidores das músicas.

E não estou sozinha nesse submarine.

Como mostra o (fabuloso) documentário “Eight Days a Week — The Touring Years, de Ron Howard, os Beatles pararam de fazer shows quando perceberam que já não conseguiam mais se escutar no palco — parte por causa da pobre estrutura nos estádios, parte por causa dos gritos histéricos das fãs.

Chegada dos Beatles aos Estados Unidos em 1964 — imagem do The New York Times

Que troço é esse?

O fã e pesquisador Rodrigo Corrêa arrisca um palpite: a música dos Beatles não tem territorialidade, e o que faz com que ela se perpetue são as pessoas. Foi um “estalo” que Rodrigo teve em 2009 durante o International Beatles Week no Cavern Club, na cidade inglesa de Liverpool (onde a banda surgiu). A “Band on the Run”, que Rodrigo integrava na época, tocou o repertório beatle junto a 40 bandas de diferentes países. Daí veio a ideia de promover eventos em Porto Alegre para reunir esse tipo de público. O Beatles Festival realizado em 2014 na Cidade Baixa reuniu 40 mil pessoas.

Público para lotar um Beira-Rio em dia de show.

Rafaella pronta para encontrar Macca em Montevideo, 2014: “Ver um show dele é uma forma de recriar os Beatles no palco; é um momento único”.

A jornalista Rafaella Fraga é outra prova dessa teoria, de que somos nós que perpetuamos a música dos Beatles: “Meu pai tocava Yesterday no violão para mim e eu cantava tudo errado, mas amava!”. É fã desde que se conhece por gente: “Lembro da capa do Help, o fundo branco e eles vestidos de azul com os bracinhos pra cima”. Das quatro tatuagens que decoram seu corpo, três são frases de letras dos Beatles. “Acho que o meu encanto são elas mesmo, as canções. Mais do que as melodias, que são ótimas também, obviamente.”

Rafaella explica seu fascínio poeticamente, como merecem os guris de Liverpool:

“ É impressionante como elas me cantam, como traduzem vários momentos da minha vida. São canções que dizem muito sobre os tempos, sobre as pessoas, sobre a vida, sobre o amor” .

O aposentado Carlos Augusto, 70 anos, pertence a uma geração de fãs que podemos chamar de pioneira. Era adolescente quando The Beatles estouraram nas paradas de sucesso mundo afora. Naquela época “todo mundo era Beatle Futebol Clube”, ele lembra. Curiosamente, Carlos Augusto conheceu a música dos Fab Four num programa humorístico da TV. Ele e o irmão Marco Antônio se renderam!

Deram um jeito de comprar os compactos simples, que eram lançados antes do LP com duas músicas de trabalho. A primeira aquisição trazia If I fell, uma balada, e o rock I Feel Fine.

Só que para curtir a novidade tinham que se esconder do pai, que era militar e não gostava nada daqueles “cabeludos” roqueiros.

Em 2010 Carlos Augusto foi ao show de Paul McCartney com o filho Rodrigo. Na próxima sexta vai com a irmã, Nelma — que por causa dos irmãos ouvia Beatles ainda no berço.

Para essa turma, a sexta-feira 13 de outubro será um dia de sorte e felicidade.

Agora uma nota do caderninho de memórias da repórter. Aconteceu quando eu morava nos Estados Unidos e cobria a indústria do cinema em Los Angeles.

Pré-estreia de filme em Hollywood é assim: em frente a um cinema instalam o muito disputado red carpet por onde passam elenco, equipe técnica e convidados; os fãs e curiosos se aglomeram do outro lado da rua e ao longo do tapete vermelho ficam os jornalistas. É uma espera que compensa: se não conseguirmos entrevistar todas as estrelas diretamente ligadas ao filme, sempre tem algum convidado com alguma novidade ou um papo interessante.

Pois numa dessas premières avistei Sean Lennon, filho de John e Yoko Ono. Ele me atendeu gentilmente quando gritei “Ei, Sean! Venha conversar com imprensa brasileira!”.

Ele veio para contar que estava trabalhando em um novo álbum e que sua música tem muita influência da nossa. Falou dos Mutantes e Rita Lee, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

“Você entende português?”, eu perguntei. “Eu entendi em alguns momentos, depois de alguns drinques eu acho que entendo, mas depois esqueço…”, disse Sean, rindo de si mesmo. E cantarolou: “É pau, é Pedro (sic), é o fim do caminho, é um pouco sozinho…”.

E eu não me contive: “Isso é um intercâmbio cultural: eu aprendi inglês ouvindo a música do teu pai”.

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