Dados abertos: a necessidade de alinhamentos de significados

Fernando Barbalho
tchiluanda
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3 min readMay 12, 2018
Modelo cinco estrelas de Dados Abertos

Sobre a percepção de que algumas coisas estão andando de banda no campo de dados abertos no Brasil, seguem algumas anotações.

Primeiro, não podemos ser niilistas. Temos já uma certa cumulatividade em dados abertos representada principalmente pelo dados.gov.br e por diversas iniciativas de portais de dados abertos espalhados pelos entes de governo. Isso é um ponto positivo. Pelo menos há um esforço de alguns atores em aos poucos se direcionar ao conceito de abertura de dados. Eu destaco como exemplos interessantes as experiências da STN e do BACEN.

Dito isso, vamos a uma questão fundamental: os dados abertos não existem com um fim em si mesmo. As promessas de entrega de dados abertos estão principalmente do lado da legitimação dos órgãos de governo na adesão a uma boa prática de transparência, controle social, participação social e economia digital. Para que essas promessas sejam implementadas é importante que os princípios de dados abetos sejam observados.

Aí é onde está a grande confusão. Não se pode dizer, por exemplo, que se está trabalhando com dados abertos porque disponibiliza-se tabelas em formato png. Participantes de um grupo de discussão sobre dados abertos no Telegram indicaram que em um evento recente sobre dados abertos no RJ isso foi destacado como uma prática de transparência. Veja só, não vou ser radical aqui. Se o único dado que se tem disponível é num formato pdf, por exemplo, publica-se esse dado em pdf. Às vezes estamos tratando de um dado legado, ou de um relatório com texto, e não tem muito o que ser feito. Mas, será que esse era o caso em questão? Será que quem disponibilizou o png não tinha acesso ao dado bruto, sem filtro e sem cortes para a publicação?

Outra coisa que vejo com frequência: atribui-se o conceito de dado aberto a acesso a uma consulta que gera um relatório, sem a contrapartida de uma API. De novo isso vai maculando um princípio importante de dados abertos relacionado ao acesso ao dado. Se estivermos tratando aqui por exemplo de economia digital, como alguém pode elaborar de forma barata um aplicativo que utilize esses dados se é necessário uma intervenção humana ou de um robô para simular os parâmetros da consulta? Se fosse disponibilizada uma API, como faz o BACEN, aí seria uma mão na roda. Maravilha das maravilhas. Mas, infelizmente, muitas das vezes esse não é o caso.

Uma outra grande confusão é tentar atribuir-se o rótulo de dados abertos a dados que estão protegidos por captcha. Aí eu nem vou gastar meu latim explicando porque isso não faz sentido como dado aberto.

Então, nesses casos, o que estou vendo é a tentativa de aproximação de atores ao campo de dados abertos utilizando-se de um vocabulário e práticas que não são adequados. Os novos atores são necessários e bem vindos, mas precisam entender algumas regras do jogo para não ficarem lost is translation. Inclusive, não vejo problema que isso ocorra num primeiro momento. O que não pode acontecer é deixarmos de ficar atentos. É função nossa fornecer mais material para o debate. É papel do campo esclarecer os equívocos. Eu vejo pessoas que estão fazendo isso muito bem, mas com o avanço da divulgação do termo Dados Abertos e do interesse no tema, nós não estamos conseguindo fazer com a velocidade necessária o alinhamento dos conceitos.

Por fim, precisamos evidenciar que o que já temos nos portais de dados abertos, mesmo que ainda não seja muito, já está trazendo resultados. Na medida que mostramos que temos um campo forte, ativo e produtivo, isso ajuda a trazer mais legitimidade ao pressionarmos por uma maior adequação das práticas de transparência aos fundamentos de dados abertos.

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Fernando Barbalho
tchiluanda

Doctor in Business Administration from UNB (2014). As data scientist, researches and implements products for transparency in the Brazilian public sector.