Uma Cartinha para Deus

Aquele papo reto com o Todo-Poderoso

Camila Narduchi
Te Escrevi uma Carta
4 min readJul 31, 2019

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Querido Deus,

Precisamos conversar. Mas acho que essa carta pode ter sido uma péssima ideia. No mínimo redundante. Afinal, o que é a internet pra quem lê pensamento, tudo sabe e tudo vê, não é mesmo?

Mas, infelizmente, não me ensinaram na catequese uma maneira mais efetiva de me comunicar com o senhor. (Aliás, acredito que depois de tanto tempo de relação a gente já tenha uma certa intimidade, e eu possa te chamar de você. Me manda um sinal aí se eu tiver pecando grave, que tento usar um pronome de tratamento mais adequado… Não? Tudo certo?)

Então voltando, não sei mesmo falar com você, mano. E esses caras que insistem em mediar a conversa, pregar em seu nome, colocando palavras na sua boca, não ajudam em nada! Por isso também te larguei de mão, e até espalhei por aí que você nem existia. Foi mal. Mas talvez uma carta deixe as coisas mais oficiais outra vez entre nós, então não custa tentar.

Eu sei que eu deveria começar te agradecendo por, sei lá, meus privilégios (que com certeza foram presentes seus e não o resultado de uma lógica perversa do capitalismo e do racismo estrutural, claro). Ou pelas asas que você, abrindo uma exceção, me deu, mesmo eu sendo cobra. Eu sei.

Mas hoje acordei atrasada e depois disso meu dia foi uma sequência de acontecimentos duvidosos, então acho melhor a gente já pular pra parte do perdão pelo que eu vou te dizer: Deus, você está fazendo um trabalho meio bosta.

Eu até entendo, e fico acanhada de te cobrar uma mudança de atitude, porque não deve ser fácil, ser pastor de tanta ovelha burra. Eu entendo. Não sei onde você tava com a cabeça de começar isso tudo, inclusive. Mesmo sendo um negócio de família, e você poder dividir algumas tarefas — porém eu bem sei que família se metendo nas nossas coisas nem sempre dá bom — não deve ser moleza.

Mas é o seguinte, eu quero te ajudar. Eu queria ter feito todo um plano de ação (ascendente em Capricórnio, sabe como é), mas estou meio sem tempo, então me contentei em fazer uma listinha com três conselhos de ouro pra você administrar melhor tudo isso. Imagino que no reino dos céus as coisas sejam mais tranquilas, então o foco aqui vai ser a melhora do plano terrestre, tá bem? Vamos lá:

  1. Procure um psicólogo. Na boa, pra toda a família. Comportamental, psicanálise, disciplina positiva, constelação familiar, não importa. Sério, terapia é tudo de bom, vai ajudar nos traumas da Maria, nas questões de Jesus — que tem um TANTO de coisas mal resolvidas, viu? Certeza, também sou filha única por parte de mãe, e sei do que estou falando — e principalmente na gestão dessa sua raiva, e eu arrisco até dizer bipolaridade, né Deus? Eu não tenho cacife pra nenhum diagnóstico, mas vamos combinar, isso de ficar punindo e gratificando aleatoriamente assim, sem nenhum parâmetro… Além de muito estranho, tira toda sua credibilidade. O que me leva ao próximo item:
  2. Tenha consistência. Ninguém gosta de um ser supremo sem coerência e estabilidade nos atos e decisões. Por favor, olha a responsa! Você está administrando todo um universo, quiçá mais de um, e fica aí, com essas bênçãos e doenças super arbitrárias, deixando uma galera maravilhosa morrer e poupando um monte de velho babaca? Dando mais poder pra quem já tem, e distribuindo cruz pesada pra gente já sofrida arrastar, sem critério nenhum? Assim não tem como te defender. Mas enfim, vamos ao último e mais importante conselho:
  3. Peça dicas à Mãe Natureza. Como toda mulher, ela tá no rolê há muito tempo aguentando os caprichos e lidando com onda errada de marmanjo, então acredito que ela é a chave pra você comandar os rumos da nossa vida com mais moral. Ela tem muito a te ensinar, principalmente sobre essa necessidade de adoração — porque, convenhamos, você derrapou feio nisso com aquele seu primeiro mandamento. Com ela não tem essa de terra prometida, juízo final, nem fazer-por-merecer igual você gosta. A bicha é sábia, só exige respeito. O negócio é direto, tudo no feeling, menos meritocrático, mais pá-pum. Ela tem andado um pouco imprevisível, mas depois de séculos de abuso acho até justificável, então é minha aposta mais certeira pra te auxiliar nessa.

Bom, acho que era isso. Não quero que essa cartinha vire um remake do Sermão da Montanha, até porque eu, no caso, escrevo errado por linhas tortas e só você pode nos julgar, me disseram. Não o contrário.

Mas estou feliz de ter entrado em contato com você. Fazia tempo, né? Mesmo que tenha sido pra um puxão de orelha, espero que você não me leve a mal. Amém? E até breve.

Com carinho,

C.

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