Você Não Precisa Ser Extraordinária

Ou a carta que minha criança interior não sabia que precisava escrever

Camila Narduchi
Te Escrevi uma Carta
5 min readAug 9, 2019

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Querida N.,

Estive pensando em te escrever porque seu aniversário está chegando e me convenceram que eu deveria estar preocupada com você.

A verdade é que tem muita gente preocupada com você nesse momento. Me dizem da sua falta de motivação e dos seus longos silêncios. Me contam as coisas meio dark, meio apocalípticas que você diz — que eu acho até um pouco engraçadas, honestamente — com uma inquietação profunda.

Aparentemente, todo mundo já diagnosticou que você não se sente capaz. Essa é a palavra que usam com alguma frequência. Que você se isola por medo de “encarar a vida”, que usa da autodepreciação como fuga e que isso se deve a uma baixíssima autoestima causada sei-lá-por-quê-se-ela-tem-tudo. Todos muito aptos a fazer esse tipo de afirmação, claro. Doutores em autoconhecimento.

Eu não vou nem entrar no mérito de que está realmente muito complicado não ser dark nesse momento da história do mundo, porque senão eu vou começar aqui toda uma tese sobre a miséria da existência humana — você me conhece — e eu não quero te deprimir.

Mas enfim, o ponto é que eu tirei um tempo pra analisar todas essas informações sobre você que chegaram até mim por pessoas que, bom, não eram você, e eu percebi que minha preocupação não é, de fato, uma preocupação. Eu, olhando aqui de longe, talvez tenha uma opinião menos enviesada, um olhar menos oblíquo e mais relativizado de certas situações (especialmente porque é tão fácil ter perspectiva sobre a vida dos outros, né? — afinal, não é a nossa).

Pois então fica aqui minha opinião não solicitada a partir da minha não-preocupação: eu acho que, assim como eu, você se sente uma fraude. Simples.

Não tem exatamente a ver com uma baixa autoestima, se você parar pra pensar bem. Tem mais a ver com o que te fizeram acreditar sobre quem você deveria ser.

Durante grande parte da minha ainda curta vida — e eu vou voltar a falar de mim porque sei que você vai se identificar — fui levada a acreditar que eu estava destinada a grandes coisas (um dos efeitos de nunca ter tido que me preocupar com nada além do meu próprio umbigo, imagino). Eu realmente acreditava que eu era uma pessoa especial, com dons especiais que me tinham sido confiados por um ser divino para realizar feitos grandiosos. Uau. Pois é.

Acontece que eu tenho uma notícia pra você: ninguém é especial. Ok, eu sei, abraça a Maysa porque provavelmente seu mundo caiu e você tá aí pensando que se fosse pra ser insultada você nem tinha começado a ler isso aqui.

Mas por favor, tenta não me levar a mal. Você precisa entender que isso é a coisa mais libertadora que alguém poderia te dizer. Eu não quero questionar a beleza da sua existência singular. Porque existe uma enorme diferença entre ser única e ser especial, e a diferença é apenas a maneira como você encara seus objetivos, seus sucessos e suas falhas.

Não existe outra de você, assim como não existe outra de mim. Somos sim, únicas. Mas quando você cresce acreditando que suas virtudes são inerentes, que não precisam de desenvolvimento, ou até que elas não são passíveis de falharem monumentalmente aqui e acolá, você vai estar sempre à mercê da aprovação e das expectativas de outras pessoas sobre quem você é — ou deveria ser.

Ninguém é 100% alguma coisa o tempo todo, e acho que, assim como você, eu sempre fui reconhecida e elogiada por coisas um tanto… abstratas. E um tanto grandes, em termos de expectativa. Essas coisas que nos fazem sentir pessoas especiais, mas ao mesmo tempo não-merecedoras, sabe? Essas coisas abstratas — uma inteligência ou um talento incomum, por exemplo, ou qualquer outra dessas características ditas “naturais” a alguém — que às vezes deixam a gente meio arrogante, porque não exigem esforço ou cultivo. E não podem nos falhar.

Eu já ouvi de um tio uma vez que ele não precisava me desejar nada de bom porque eu já tinha sido “abençoada” com tudo que eu precisava na vida. Bacana. Porque funciona assim: se você conseguiu algo foi graças a essa coisa inata dentro de você, caiu do céu, você-nasceu-assim-sua-sortuda.

Mas e se você falha nessa coisa substancial que te fazia ser excelente? O que te resta?

Se você é sempre reconhecida por essas características “mágicas”, algo sobre o qual você não tem tanto controle, tiram de você a compreensão do processo. Te definem por coisas que seriam meio… automáticas, até. A gente perde a noção de que tudo é crescimento, é desenvolvimento, é tentativa, e que errar faz parte desse contínuo, assim como acertar. Começamos a depender dessa máscara — um dom, um talento — para mantermos um senso de quem somos, sob uma pressão absurda de sermos sempre memoráveis. Nos frustramos, claro, e deixamos de tentar por medo da mediocridade.

Por isso, presta atenção: você não precisa ser extraordinária. Você não precisa ser grandiosa.

As pessoas não são definidas apenas pelos seus acertos ou por suas grandes realizações, e eu só queria te lembrar disso. Te deixar esse lembrete escrito, que não importa o seu projeto de vida, o seu projeto do mês, o seu projeto de agora. Não importa se é algo ambicioso ou pequeno. Importa que você se permita não ser a melhor em comparação com alguém, mas que você busque ser a melhor versão de você mesma. Esquece um pouquinho a pressão de ser incrível.

E mesmo que nesse processo você faça coisas meio merda, e mesmo que essas coisas meio merda te façam questionar todas as suas decisões até aquele momento… respira. Não é o fim do mundo.

Isso não tem nada a ver com sua capacidade. Até porque você é plenamente capaz tanto de coisas fantásticas, quanto de cagadas magnificentes, e na maioria do tempo você vai estar no meio desses dois extremos, e está tudo bem. Você não precisa ser excepcional.

Confesso que essa carta foi também um discurso motivacional pra mim mesma. Eu estava precisando me lembrar, porque a ideia de brilhantismo é sedutora. Sim, essa tal de excelência é atraente, mas o cansaço de vivê-la e de satisfazê-la o tempo todo não compensa. E, verdade seja dita, eu gostaria que alguém tivesse me dito isso quando eu tinha a sua idade.

Então, para o seu aniversário, eu te desejo cair do pedestal em que te colocaram. Desconstruir as ilusões de grandeza e ressignificar suas próprias expectativas de felicidade. Eu te desejo muitas tentativas, esplendor nos acertos e paz de espírito nos erros, porque se cobrar demais pesa a alma… e os ombros.

Com amor,

C.

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