O sonho (ou pesadelo) do home office

Thomás Dias
Tech at Quero
Published in
8 min readSep 19, 2019

Com tantos benefícios listados por empregadores e colaboradores sobre trabalhar remotamente, compartilho aqui pontos de vista e convicções talvez não tão favoráveis ao tema

Acostumado com a rotina do trabalho presencial e vivendo em uma geração a qual está cada vez mais habituada com o home office, senti finalmente na pele como era estar longe do time para fazer minhas tarefas do dia a dia. Não escondo e não advirto com um SPOILER ALERT o fato de que, não, trabalhar remotamente definitivamente não é para mim.

Por outro lado, compartilhando a experiência com colegas e mentores que pensam diferente de mim, decidi destrinchar o tema com opiniões, experiências (a favor e contrárias) sobre trabalhar longe do escritório e dos colegas.

Experiência pessoal

Em 2018, precisei trabalhar um pouco mais de três meses remotamente. Precisei resolver umas burocracias na Itália e combinei com a empresa de trabalhar remotamente nesse período. Na época, eu era Product Manager do squad de Estoque e havia acabado de assumir como Head de Produto, liderando um time de quatro Product Managers.

Devo dizer que no início o trabalho fluiu razoavelmente bem (a menos do fato de eu estar cinco horas à frente, começar a trabalhar às nove da manhã, antes de começar o dia no Brasil e ir parar lá para às dez da noite, quando as coisas estavam longe de parar no escritório da Quero). Consegui estabelecer uma rotina de reuniões com o squad e com os PMs, que fizeram com que eu tivesse ciência de boa parte das coisas acontecendo. Os processos pareciam andar bem, os projetos fluindo, etc.

Até a quantidade de coisas que eu desconhecia passar a crescer, eu começar a me sentir incomodado com isso, e passar a demandar mais relatórios, a fazer micro management do time. A cada reunião, eu saia com uma lista de coisas que eu precisava que fossem feitas e, na próxima reunião, eu checava tudo. Eu parei de trabalhar com objetivos, passei a trabalhar delegando tasks. Me tornei a pessoa que eu mais temia!

Eu ansiava pela próxima reunião, queria conversar com as pessoas do escritório, passei a encher minha agenda para que eu pudesse estar próximo do que acontecia no escritório.

No final, senti muita falta das microrreuniões que são feitas o tempo inteiro nas copinhas da Quero, de estar escutando o que acontece nas passagens pelos outros departamentos, de acessar as pessoas de forma fácil e estar acessível a qualquer um que venha até a minha mesa.

Nessa época, cheguei a pesquisar como que uma famosa consultoria de trabalho remoto funciona, e descobri que eles monitoram todas as atividades dos colaboradores, inclusive tirando print da tela e foto da câmera do laptop de tempos em tempos. Achei isso extremamente invasivo.

Conclui que um time local com algumas pessoas remotas é difícil de se implementar. Mas isso não significa que é impossível de se alcançar um equilíbrio entre as atividades presenciais e a flexibilidade de se trabalhar remotamente.

Após os contras, as vantagens

Conversei com Luiz Rolim, Head de Engenharia da Quero de São Paulo e ele expôs sua opinião sobre suas experiências em trabalho remoto, que se mostraram razoavelmente positivas, em relação à minha própria experiência.

Antes de vir para a Quero liderar o nosso time, Luiz teve a oportunidade de trabalhar remotamente por pouco mais de dois anos e meio para uma empresa do Arizona. Segundo ele, sua experiência pode ser separada em duas listas que compartilho a seguir:

PRÓS

  • Em média, mais tempo trabalhado.
  • Menos tempo gasto em trânsito (e consequentemente menos estresse associado).
  • Mais foco em tarefas médias/longas e de alta complexidade (desde que não haja necessidade de interação com outras pessoas do time).
  • Possibilidade de viajar e trabalhar de qualquer lugar.
  • Para os líderes, facilidade de recrutamento e retenção, visto que muitas pessoas que nunca trabalharam sob essa modalidade. A verdade é que eles nunca sentiram na pele os contras e acham que é tudo mil maravilhas.

CONTRAS

  • Ausência na separação de vida pessoal e profissional, gerando estresse com família.
  • Ausência de comemoração de pequenas conquistas (que normalmente gerariam impacto positivo na motivação).
  • Tendência a criar silos de conhecimento no codebase.
  • Dependência de motivação: ou se trabalha muito quando motivado ou muito pouco se desmotivado.
  • Dificuldade em tomar decisões mais complexas que dependam de um colegiado.
  • Dificuldade de onboarding e treinamento.
  • Tendência potencializada em gastar tempo numa solução que está apontada para a direção errada, especialmente para iniciantes.
  • Redução da possibilidade de aprender com pessoas melhores que você.

Mentoria com Ron Pragides

Recentemente fiz uma sessão de mentoria com Ron Pragides, VP de Engenharia da Carta, com mais de 27 anos de experiência e passagem por cargos estratégicos em empresas como Salesforce e Twitter. Discutimos sobre a viabilidade de implantação de trabalho remoto, e ele me trouxe os seguintes insights da experiência dele:

O trabalho remoto depende de “quão remoto” ele seria.

Pode funcionar se o time inteiro estiver distribuído.

Fica bem difícil de conduzir se somente algumas pessoas estiverem remotas.

Uma opção para fugir do trânsito é deslocar as horas de trabalho presenciais.

Uma política de um ou alguns dias por semana de trabalho remoto pode funcionar.

Quanto mais sênior você é, maior a tendência de querer trabalhar no escritório (exceções aplicáveis)

Iniciantes costumam travar bastante, a presença no escritório ajuda bastante

Ele não acredita que uma política de um dia remoto parcial (parte remota e parte presencial no mesmo dia) poderia funcionar, a não ser que isso não impactasse as rotinas e cerimônias do time

A conclusão é que um time 100% remoto funciona, desde que estabelecidos todos os processos de comunicação e trabalho. Um time híbrido, com algumas pessoas no escritório e outras trabalhando remotamente, teria problemas parecidos com o que eu experimentei em 2018. E, para resolver as situações de deslocamento ou de necessidade de foco, poderiam haver políticas de home office parcial (ou alguns dias por semana, ou algumas horas por dia).

Somos seres sociais

Imagem retirada do Visual Synopsis, por Dani Saveker

Em março deste ano, li o livro Leaders Eat Last, do Simon Sinek. Ele faz um estudo bem interessante de como a evolução do ser humano nos levou a sermos seres sociais (inclusive entendendo como a química hormonal do nosso cérebro evoluiu para isso), e faz um paralelo de que o mundo virtual ajuda, mas não resolve as nossas necessidades sociais.

Selecionei dois capítulos que corroboram com meus pensamentos em relação ao trabalho remoto.

Cap 6: E.D.S.O.

Neste capítulo Simon Sinek fala sobre os quatro hormônios do ser humano que direcionam as nossas ações.

Segundo ele, nosso sistema hormonal foi evoluído e calibrado para lidar com situações que não existem mais hoje (como por exemplo, caçar e armazenar alimentos, mesmo sem fome). Esse sistema hoje estaria presente nas interações que temos nos trabalho, por exemplo, uma descarga de dopamina que nos faz sentir bem quando completamos algum objetivo ou o sentimento de completude quando fazemos parte de um time, ou avançamos juntos em direção a um objetivo comum.

Como seres sociais, nós acabaremos procurando o apoio e reconhecimento dos nossos pares em algum momento. Até agora, na minha opinião, não consigo enxergar uma forma de resolver essa necessidade de reconhecimento e de “team work” ao trabalhar remotamente.

Cap 15: Managing the Abstraction

Esse trecho extraído do livro fala justamente sobre a tentativa de virtualizar as interações sociais:

(…) But if social media is the end-all-be-all, then why do over thirty thousand bloggers and podcasters descend on Las Vegas every year for a huge conference called BlogWorld? Why they don’t meet online? Because nothing can replace face-to-face meetings for social animals like us. A live concert is better than the DVD and going to a ball game feels different from watching on TV, even though the view is better on the television. (…) Trust is not formed through a screen, is formed across a table, it takes a hand-shake to bind humans … and no technology can replace that. There is no such thing as virtual trust.

A longo prazo, acredito que as pessoas tenderiam a voltar a querer trabalhar presencialmente, ou em algum ambiente remoto na qual a gente conseguisse simular essas interações sociais. A verdade é que mesmo os mais introvertidos gostam de ser reconhecidos no meio do grupo.

Como fazemos na Quero

Acreditamos que os squads de tecnologia devem ter o máximo de envolvimento possível com as áreas de negócio. Orientamos os times a resolverem problemas reais, e temos o costume de colocar os squads fisicamente perto dos times de negócio.

Às vezes isso traz alguns problemas, como reclamações de profissionais que precisam de silêncio para focar nas soluções sobre o barulho que os times comerciais fazem a cada meta batida. Mas, no geral, os ganhos têm sido bem maiores que as perdas. Várias vezes tivemos ideias de features ou soluções baseadas nesse contato próximo.

Isso também ajuda em um dos principais pontos que enfatizo com os squads: Nós não somos uma fábrica de software. Nós somos os responsáveis por resolver os problemas do negócio e do usuário com tecnologia, e quanto mais próximos do negócio, melhores serão as soluções.

Essa nossa cultura faz com que o trabalho remoto seja bem difícil. Afastaríamos o time da realidade e dos problemas sendo resolvidos e caminharíamos para uma situação em que o time remoto seria extremamente operacional.

Porém, isso não nos impede de flexibilizar algumas rotinas para ajudar o time a ter uma qualidade de vida melhor. Por exemplo, temos uma política de um dia por sprint ou um período no dia de home office, mas isso pode e costuma ser flexibilizado com os líderes.

Ficar em casa ou partir para o escritório: o balanço final

Como anunciei no início, não escondo que, para mim, trabalhar remotamente não é para todos e definitivamente não seria minha escolha para minha vida profissional atual. Pode ser que, experimentando diferentes experiências e cargos no futuro, minha opinião mude. Porém, mesmo com as flexibilizações que devem existir, hoje acredito na cultura de engajamento dos membros dos times e que relações sociais promovem a melhoria do desenvolvimento do produto.

Um time que trabalha próximo não só desenvolve um produto, mas se desenvolve com maior qualidade.

Quer trabalhar conosco? Conheça nossas vagas aqui.

--

--