Imagem: Henn Kim

Tecnologia, adaptação e COVID-19.

Gabriela Ozorio
Tecnologia, adaptação e COVID-19
4 min readMay 14, 2020

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Estamos em meio a revolução tecnológica, que vem acontecendo há um tempo e tem crescido em progressão geométrica.

A atenção de produtores está cada vez mais voltada ao consumidor e suas formas de consumir. A força de criação, que antes vinha do verbo “ter”, hoje vem do advérbio “como”. A função do advérbio é modificar o verbo; analogamente, vimos modificando o “ter”.

Os carros, por exemplo. Eles estão a nossa volta há um tempo já, mais precisamente desde 1886. Muito dele evoluiu, mas o conceito permanece: rodas, volante, ir do ponto A ao ponto B. O que mudou com o tempo que o fez mudar? Basicamente, eu diria que com o domínio sobre a tecnologia que o move, e o reconhecimento e subdivisão, cada vez maior, de funções e usuários que o utilizam (e por sua vez o dão forma) o produto foi atendendo a diversas demandas. O “temos” carro se tornou “como” nós temos carro.

Os produtos estão cada vez mais acerca do “como”, e dentro dessa dinâmica é preciso entender “quem” vai ter o produto, para que seja entendido “como” esse produto vai ser tido, ou seja, utilizado.

Chegamos ao conceito de persona. Para todo produto existe uma ou mais personas, que possibilitam que sua existência seja viável tanto em termos de propósito quanto financeiramente. Todos, ou pelo menos aqueles que buscam ferramentas pra manter um negócio ou ideia caminhando, têm reconhecido suas personas.

Agora, imagine que um movimento que vem andando a passos cada vez mais largos, e inserido cada vez mais profundamente nas nossas atividades diárias, como essa revolução tecnológica, de repente tropeça numa pandemia, de forma que seus passos se tornam uma rolagem em alta velocidade.

Com todos em casa a rotina e, com isso, alguns costumes mudam. Você não está mais onde normalmente estaria, nem fazendo o que normalmente faria, necessariamente, num sábado as 03:00 da tarde. Você não está mais trabalhando como antes, se exercitando como antes, ou, no mínimo, fazendo tudo como fazia antes. Muitas dinâmicas mudaram, e com essas dinâmicas pessoais, mudam também as que nos acompanham e auxiliam. Um aplicativo como o Ifood por exemplo, que lidava com um tipo de público alvo, agora está com um quadro de consumidores, eu arriscaria dizer, um pouco maior do que antes. Muita gente que passou a pedir comida por aplicativo agora de quarentena o fazia diferente antes. Pela redução dos meios, se tornaram adeptos a outros.

Enquanto alguns aplicativos, serviços e produtos têm lidado com um alto fluxo, outros, em contrapartida, tiveram o seu diminuído drasticamente. Ambos precisam se reinventar, cada um por um motivo diferente. Uma caminhada num shopping ocasionava uma relação diferente entre consumidor e produto — a comunicação entre os dois lados tinha um período de tempo X, um contexto X, uma experiência no geral, X. Ela não se parece muito, a nível de experiência neurológica, com a experiência de comprar via internet. Não sentimos o ar condicionado com aromas de diferentes lojas, que aguçam nossos sentidos de diferentes formas — o aroma doce da Victoria’s Secret, ou o amadeirado da loja de ternos e sapatos; não estamos inseridos em um ambiente 360° visualmente estimulante àquela atividade, estamos olhando para uma tela de lá suas limitações dimensionais. E como oferecemos uma experiência equivalente? Na realidade, qual é a próxima experiência que vai ser oferecida? Afinal shoppings não estiveram sempre aí, alguém teve que introduzir o conceito.

Nessa tentativa que todos nós, sem exceção, estamos engajados, de redistribuir valores, por vezes nos vemos perdidos. É como se antes tivéssemos caixas com bolinhas distribuídas de um jeito que, para nós, era organizado. Agora, com essas mudanças, uma pessoa passou a, como eu falei antes, fazer, sei lá, Yoga via Youtube, e compras via internet (tanto de roupas, quanto alimentos e um fone de ouvido que seja). Adaptação. Flexibilidade para se adaptar a novos contextos. A flexibilidade é tirar uma bolinha de uma caixa e botar em outra pra que uma ordem se restabeleça, na busca do equilíbrio. Tiro a bolinha da caixa 01 e boto na 02. Não deu tão certo, amanhã eu vou lá, tiro, e boto na 03. E assim vamos remanejando aquilo que, às vezes, nem mexíamos a algum tempo. E nesse remanejo vamos, todos, nos adaptando mentalmente, financeiramente, fisiologicamente. Uns mais rapidamente, uns mais devagar. Uns sentem a adaptação como uma grande urgência, outros não se sentem tão desadaptados ainda. Mas uma coisa é certa, a mudança sempre vem. Personalizada, mas chega.

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