Direito e Software: Implicações da tecnologia para o direito concorrencial

Tecs: grupo de comput{ação social} da USP
Tecs USP
Published in
3 min readApr 18, 2019

Este texto foi produzido pela estudante Maria Beatriz Oliveira Rosa, a partir da palestra de Anna Binotto, na Disciplina de Direito e Software, em 02/04/2019.

A concorrência é a noção de que vários agentes do mercado competem entre si, por clientes, por preços mais atrativos, por lucro maior. A livre concorrência no Brasil é protegida pela Constituição e, portanto, deve nortear as leis subsequentes, como a Lei n. 12.529, sancionada em 2011, que estrutura o sistema brasileiro de defesa da concorrência, dispondo sobre as condutas que podem feri-la e como os órgãos públicos podem protegê-la. Assim, a área do direito que se debruça sobre tais temas recebe o nome de direito concorrencial, cujo órgão de atuação nacional mais relevante é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Este é responsável pela política de defesa da concorrência no país, sendo formado por um corpo técnico e um tribunal administrativo que julga os casos sob a lei de 2011. O CADE integra o poder Judiciário e atualmente é vinculado ao Ministério da Justiça.

Para assegurar a livre concorrência, o CADE baseia sua atuação em três frentes:

● a advocacia da concorrência (competition advocacy), que trata de práticas de caráter educacional, como fomento de discussões na esfera pública e divulgação científica, como a publicação da Revista de Defesa da Concorrência (https://bit.ly/2OU4wzc);

● o controle preventivo (também chamado de controle de estruturas), composto pelas ações que o conselho toma em resposta ao intento de concentração de grandes empresas por meio de fusões, incorporações, participação societária etc. O CADE deve autorizar tais operações ou proibi-las, caso possam resultar em dominação econômica;

● e o controle repressivo, forma mais ativa de atuação, com a punição de empresas que apresentam condutas anticompetitivas;

Essas condutas são classificadas em coordenadas (vulgo cartéis), casos em que há acordo entre concorrentes objetivando limitar a concorrência, e em unilaterais, quando uma única empresa abusa de sua posição dominante no mercado, ao impor preço exorbitante para licenciamento de patentes, por exemplo.

Nas ações de controle preventivo, caso o CADE vete alguma operação, podem ser aplicados os chamados remédios antitruste, medidas definidas em negociação entre empresas e autoridades que corrijam ou reduzam os riscos à livre concorrência que a operação possa causar. Vale ressaltar que para todas as ações preventivas e repressivas o parâmetro principal usado para notificar o conselho é o tamanho da empresa — quanto do mercado ela ocupa (market share) — e sua arrecadação. Além disso, o dinheiro das multas aplicadas é acrescentado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que financia projetos públicos e participativos em áreas como preservação do meio ambiente e de patrimônio cultural.

No entanto, nos últimos anos o direito concorrencial vêm enfrentando dificuldades para atuar frente às empresas que trabalham com as chamadas “novas tecnologias”, como blockchain, big data, inteligência artificial, plataformas (aplicações que atuam no mercado em dois lados, como o Facebook, com usuários e anunciantes, e o Uber, com motoristas e passageiros).

Nesses casos, autoridades não têm as ferramentas ou a instrução necessária para determinar o poder de mercado das empresas hoje e suas possibilidades no futuro; ainda não há consenso sobre a nocividade à concorrência de conglomerados digitais, como a Amazon, ou de empresas com efeito de rede, como o Facebook — uma vez que quanto mais usuários estão numa rede, mais difícil emergir concorrência sem usuários iniciais.

Também há dificuldade em identificar a eliminação de concorrência potencial (prática de empresas estabelecidas comprarem empresas menores antes de estas tornarem-se competitivas, como o caso da aquisição do Instagram pelo Facebook), dada à sutileza dessas movimentações. Ainda, estão em jogo os problemas éticos sobre a responsabilidade e a punição por erros em softwares que se desenvolvem com inteligência artificial; bem como problemas quanto a proteção de dados em serviços aparentemente gratuitos aos usuários que, no entanto, encontram outras formas de lucro como veicular anúncios ou uso e venda de dados pessoais. Dessa forma, o direito concorrencial passa por discussões que procuram resolver essa série de situações ainda obscuras advindas da inovação tecnológica, momento em que será necessário um trabalho interdisciplinar para a compreensão dessas novas realidades.

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