Precisamos de Uma “Data de Validade” Digital

Fazer com que as empresas apaguem nossas informações trimestralmente nos daria mais liberdade online — sem destruir as margens de lucro.

Caio de Castro
Tecs USP
4 min readJun 7, 2018

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[Este artigo foi publicado originalmente em The Guardian em 19/05/2018, por Dylan Curran e traduzido pela equipe do Tecs em 2/06/2018.]

Essa “data de validade” virtual confere as empresas os benefícios de utilizar seus dados, personalizar resultados e ainda lucrar, enquanto coloca algum controle nas mãos dos usuários — Foto : Yichuan Cao/Sipa USA/REX/Shutterstock

Levou um longo tempo, mas as pessoas finalmente descobriram quanta informação empresas como Google e Facebook possuem delas. Não podemos continuar sacrificando nossa privacidade e dignidade para continuar utilizando a internet. Entretanto, ao mesmo tempo, inovações digitais adoradas e utilizadas por milhões necessitam dos nossos dados. Então o que devemos fazer?

O maior problema com a coleta de dados realizada pela indústria de software é o período de tempo pelo qual a informação é guardada. A indústria não acredita em um botão “deletar”. Por exemplo, a Google guardas os registros de todas as minhas localizações nos últimos 6 anos, e o Facebook tem minhas mensagens deletadas de 10 anos atrás.

Esse tipo de armazenamento de informações a longo prazo pode ser indiferente para alguns. Para outros, pode até ser útil saber o que eles estavam fazendo exatamente em um dia específico a muitos anos, ou recuperar mensagens de entes queridos, ou ver como seus hábitos na internet mudaram ao longo dos tempo.

Todavia, com a vigilância governamental crescendo como uma ameaça — especialmente em países como China e Irã — esse armazenamento continuo realizado pelas empresas de tecnologia, são um sonho realizado para qualquer governo autoritário atual ou futuro.

Ainda que governos ocidentais não estejam praticando nenhuma política estilo-1984 monitorando todas as suas palavras e te executando por qualquer pensamento subversivo, a ideia de uma futura vigilância pode levar a autocensura. Você pode não ser uma ameaça e você pode não ter um agente do FBI dedicado a você, mas o simples conhecimento de que você poderia ser vigiado pode levar a sociedade a desenvolver um medo subconsciente de expressar suas verdadeiras opiniões na internet.

Um estudo feito em 2013 com escritores dos estados unidos descobriu que, depois do escândalo dos programas de vigilância em massa da NSA, um em seis evitou escrever sobre assuntos que poderiam sujeitá-los a alguma vigilância, e outro um em seis considerou evitar controvérsias.

Por isso precisamos da nossa privacidade virtual : temos o direito de sermos curiosos e conduzir ações virtuais sem rastreamento constantemente, ou medo de futuras represálias. Citando Edward Snowden :

“Pergunte a si mesmo : em todos os períodos históricos, quem sofre mais com a vigilância injustificada? Não são os privilegiados, mas os vulneráveis. Vigilância não é sobre segurança, é sobre poder, é sobre controle.”

Inexiste também uma razão econômica forte para empresas da internet armazenarem informações de décadas atrás, as quais são basicamente inúteis para anunciantes e, portanto, não trazem nenhum lucro as empresas que as armazenam. Para que a Google precisaria das sua localização de seis anos atrás, ou o Facebook das suas mensagens de uma década, para direcionar anúncios? Você pode não residir mais naquele local; você pode não ter mais os mesmos amigos, interesses, carreira, peso ou até mesmo renda daquela época. Ainda assim eles continuam acumulando.

Desta maneira, eu proponho uma legislação que permita às empresas armazenar todos os dados que elas quiserem, com um porém: elas devem eliminar a informação dos seus servidores trimestralmente. Isso permitiria a utilização dos serviços da mesma maneira que é feita atualmente.

Elas podem te oferecer uma opção para baixar todas as informações que elas tem sobre você, se você quiser manter suas mensagens, publicações, imagens e e-mails. Todavia, deve ser uma opção que deve ser ativamente escolhida pelo usuário.

O mundo está em constante mudança. Pode ser dificílimo, ou até mesmo impossível impedir que entidades como a CIA e a NSA monitorem sua atividade online, mas podemos tomar um primeiro passo e colocar uma pedra no caminho de qualquer vigilância futura em potencial. Elas não poderão acessar o diário da sua vida em um clique, ou ver aonde você esteve nos últimos dez anos, ou usar seu histórico de pesquisa de quando você era um adolescente para julgar seu caráter.

A Data de Validade Virtual oferece as empresas os benefícios de ter suas informações, enquanto coloca algum controle nas mãos dos usuários. Você não terá que se preocupar com empresas ou governos do futuro abusando de anos de dados pessoais — o que limita o dano que eles podem causar. Uma Data de Validade Virtual manteria a inovação e a lucratividade online, enquanto ajuda a prevenir futuros desastres de privacidade.

Não é uma solução perfeita, mas é um começo.

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