A normalização do assédio através de assistentes virtuais

Arilin Oliveira
TED/UNEB
Published in
3 min readApr 14, 2021

Em 5 de abril de 2021, o banco Bradesco lançou uma campanha de marketing em prol da conscientização em relação ao assédio sofrido por sua assistente com inteligência artificial, chamada de BIA (Bradesco Inteligência Artificial). A peça, publicada no canal oficial do banco no YouTube e exibida no intervalo do Jornal Nacional, trouxe exemplos de falas abusivas de clientes, como: “BIA, sua imbecil” e “BIA, eu quero uma foto sua de agora”. Em seguida, exibiu as novas respostas da assistente para tais ofensas.

Apesar de ter gerado polêmica, afinal a empresa chegou ao ponto de precisar fazer mudanças no algoritmo para dar à BIA uma capacidade de responder de forma mais incisiva em relação ao assédio, este caso não é inédito. Em 2018, a personagem virtual Lu, criada como uma espécie de mascote da rede de lojas Magazine Luiza, ‘fez’ uma publicação nas redes sociais da empresa, lamentando ter sofrido assédio de internautas nos comentários. O pronunciamento aconteceu após prints com comentários considerados misóginos na página da personagem serem divulgados pelo site Buzzfeed.

Tais iniciativas seguem a campanha “Hey update my voice” (“Ei, atualize minha voz”), da Unesco, criada a partir do estudo “I’d blush if I could” (“Eu ficaria corada, se pudesse”), que descreve o assédio sofrido por assistentes virtuais. Na campanha, a Unesco recomenda às empresas que atualizem as respostas de suas assistentes para combater a violência e o preconceito, educando a população para um problema que vai além do meio virtual.

Acredita-se que o assédio contra assistentes virtuais tenha origem nas diversões da época em que as mesmas surgiram. Quando Siri, assistente da Apple, foi lançada em 2011, era o primeiro sistema do tipo a se tornar um grande sucesso de público. De início, os usuários gostavam de desafiar tal sistema com comandos inesperados, como “Siri, eu te amo”, e recebiam respostas como “eu aposto que você diz isso a todos os produtos da Apple”. A princípio nada era considerado como assédio, não passava de uma brincadeira, mas com a popularização das assistentes e o melhoramento de suas capacidades de resposta, os “testes” evoluíram para mensagens agressivas e sexistas.

Além disso, há o fato de que quase todas as assistentes virtuais incorporam uma voz, personalidade e até mesmo aparência feminina. Siri (Apple), Google Assistente, Cortana (Microsoft) e Alexa (Amazon), são exemplo disso internacionalmente e, em nível nacional, temos BIA (Bradesco), Lu (Magazine Luiza) e Nat (Natura). A escolha por uma interface de voz feminina é fundada por um compilado de pesquisas psicológicas, realizado por Clifford Nass, professor de comunicação da Universidade de Stanford (EUA), em 2005, cuja conclusão foi de que a voz sintética feminina é percebida como capaz de ajudar a resolver problemas, enquanto a masculina representa autoridade e dá respostas. Outro estudo, em 2008, realizado por Karl MacDorman, da Universidade de Indiana (EUA), afirmou que vozes sintetizadas femininas são vistas como mais calorosas e agradáveis.

A Unesco afirma que 90% da força de trabalho envolvida na criação destes assistentes virtuais é masculina, o que reforça o imaginário sexista de que a voz da mulher é dócil, acolhedora, subserviente e sempre pronta a ajudar, o que tende a normalizar o assédio.

Para mais informações, acesse:

https://brasil.estadao.com.br/blogs/macaco-eletrico/quem-assedia-uma-assistente-virtual/

Mulher virtual da Magazine Luiza reclama de assédio em comentários — Emais — Estadão (estadao.com.br)

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