Ler fake news muda o comportamento das pessoas? Estudo mostra que sim…

Aristóteles Santos Souza
TED/UNEB
Published in
5 min readNov 29, 2021
Imagem retirada do site Poder360 https://www.poder360.com.br/nieman/ler-fake-news-muda-o-comportamento-das-pessoas-estudo-mostra-que-sim/

Notícias falsas não são novas. Mas o interesse por elas aumentou drasticamente nos últimos anos devido ao surgimento das mídias sociais. A atenção disparou em 2016, em meio a preocupações de que o referendo do Brexit e a eleição presidencial dos EUA possam ter sido influenciados por desinformação disseminada por outros países.

Supõe-se que notícias falsas têm um efeito negativo no comportamento das pessoas. Por exemplo, já alegou-se que notícias falsas podem afetar a vontade das pessoas de usar máscara, tomar vacina ou cumprir outras diretrizes de saúde pública. Ainda assim, surpreendentemente, praticamente nenhuma pesquisa testou essa suposição. Assim, eu e meus colegas assumimos o desafio de medir o efeito que as notícias falsas realmente têm sobre o comportamento das pessoas.

Em maio de 2020, recrutamos mais de 4.500 participantes para um estudo online por meio de um artigo no site de notícias irlandês TheJournal.ie. Os participantes foram informados de que o objetivo do estudo era “investigar as reações a uma série de mensagens de saúde pública e notícias relacionadas ao novo surto de coronavírus”.

Cada pessoa viu 4 notícias verdadeiras sobre a pandemia e duas notícias falsas (selecionadas de uma lista de 4 histórias falsas). Esses artigos falsos foram projetados para serem muito semelhantes aos que circulavam na época.

Eles afirmaram que beber café pode proteger contra o coronavírus, que comer pimenta pode reduzir os sintomas de covid-19, que as empresas farmacêuticas estão escondendo efeitos colaterais prejudiciais de uma vacina então em desenvolvimento e que o próximo aplicativo de rastreamento do vírus do serviço de saúde pública da Irlanda foi desenvolvido por pessoas ligadas à Cambridge Analytica.

Depois de ler os conteúdos, os participantes indicaram a probabilidade de agir com base naquelas informações nos próximos meses, como beber mais café ou baixar o aplicativo de rastreamento de contatos.

Minha colega Gillian Murphy e eu descobrimos que histórias falsas pareciam mudar o comportamento das pessoas, mas não drasticamente. Por exemplo, as pessoas que viram a história falsa sobre questões de privacidade com o aplicativo de rastreamento de contatos estavam 5% menos dispostas a baixar o aplicativo de rastreamento do que aqueles que não tinham lido essa história.

Alguns participantes até desenvolveram “memórias” sobre as histórias falsas que leram (o que também vimos acontecer em algumas de nossas pesquisas anteriores). “Lembrar-se” de ter ouvido anteriormente uma história falsa da covid-19 pareceu aumentar a probabilidade de algumas pessoas em nosso estudo agirem de determinada maneira.

Por exemplo, as pessoas que se lembravam erroneamente de ter ouvido sobre os problemas de privacidade do aplicativo de rastreamento de contatos tinham 7% menos probabilidade de baixar o aplicativo de rastreamento do que aquelas que leram a história, mas não “se lembraram” dela.

Gráfico mostra porcentagem de participantes que relataram memória clara (azul escuro), memória vaga (azul real) ou senso de familiaridade (azul claro) com conteúdos falsos.
Gráfico compara intenção, exposição e relatos de memórias falsas devido a conteúdos falsos.

Esses efeitos eram pequenos e não aconteciam com todas as histórias falsas. Mas mesmo pequenos efeitos podem produzir grandes mudanças. Preocupações infundadas sobre uma ligação entre a vacina MMR e o autismo levaram a uma queda relativamente pequena nas taxas de vacinação infantil no início de 2000: cerca de 10% –que, por sua vez, levou a um aumento significativo nos casos de sarampo. Portanto, é possível que os pequenos efeitos de notícias falsas que vimos em nosso estudo possam ter efeitos maiores na saúde das pessoas.

No entanto, existem alguns pontos importantes a serem considerados. Primeiro, medimos as intenções das pessoas de fazer as coisas, não o que elas realmente fizeram. As intenções nem sempre se traduzem em ações –considere, por exemplo, seus planos anteriores de comer mais saudavelmente ou fazer mais exercícios. No entanto, se as pessoas nem mesmo pretendem mudar seu comportamento, as chances de realmente fazerem isso são mínimas, então medir as intenções é um primeiro passo importante.

Em 2º lugar, nosso estudo foi baseado em participantes lendo novas histórias inventadas apenas uma vez. No mundo real, as pessoas podem encontrar notícias falsas muitas vezes nas redes sociais. Ser exposto repetidamente à mesma história pode aumentar o quão verdadeiro ela parece. Os efeitos dessa repetição, portanto, demandam mais investigação.

Um objetivo secundário de nosso estudo foi examinar os efeitos das advertências gerais sobre desinformação, como aquelas compartilhadas por governos e organizações de mídia. Esses avisos normalmente incentivam as pessoas a pensarem criticamente sobre as informações online antes de compartilhá-las.

Novamente, não houve muitas pesquisas sobre esse assunto. Tínhamos conhecimento de apenas um estudo que verificou se esses tipos de avisos genéricos afetam a aceitação de informações incorretas pelas pessoas. Crucialmente, as pessoas naquele estudo estavam cientes de que estavam participando de pesquisas sobre notícias falsas, o que pode tê-las deixado mais desconfiadas do que estavam vendo.

Avisos de alerta para desinformação em termos positivos e negativos.

Em nossa pesquisa, alguns participantes foram levados aleatoriamente a ler um aviso genérico de desinformação antes de ler as histórias verdadeiras e falsas. Surpreendentemente, descobrimos que a leitura de um aviso não afetou as respostas das pessoas às histórias falsas. Os governos devem pensar sobre isso ao considerar suas estratégias para notícias falsas: embora o efeito das notícias falsas possa ser menor do que o esperado, o efeito de qualquer aviso também pode ser baixo.

Todos os creditos por este artigo vão para o site Poder360 e pela Julia Possa que fez questão de traduzir o artigo original produzido por Ciara Greene do site NiemanLab.

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