A trilogia Uncharted

Uma jornada pela jornada de Nathan Drake

Ives Aguiar
Telejogo
13 min readJan 5, 2018

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Foi um pouco assustador digerir a informação que o primeiro Uncharted completou dez anos desde que foi lançado para PlayStation 3. Uma realização repentina que a gente tá ficando velho demais, meu deus.

Dez anos.

Parece que foi ontem né?

Essa celebração foi uma boa desculpa para tentar entender como a série entrou no patamar de títulos sagrados dos jogos eletrônicos, onde todo mundo ama, ninguém fala mal e agora vive no consciente coletivo da galerinha gamer como uma importante franquia da indústria.

Jogar três experiências de aventura em mais ou menos duas semanas foi uma montanha russa de emoções, descobertas, frustrações e um pouco de surpresa.

Entrar de cabeça na jornada do destruidor de civilizações históricas Nathan Drake, é acompanhar uma equipe criativa que foi entendendo ao longo do caminho qual a melhor maneira de construir uma experiência onde exploração e ação desenfreada funcionem em harmonia.

Drake’s Fortune — 2007

Em cinco minutos, Mad Max: Fury Road (George Miller) nos apresenta um cenário desolado onde pessoas matam por gasolina, carros são máquinas de combate, veículos são o maior trunfo dessa nova humanidade. Somos introduzidos ao protagonista, Max, como um guerreiro das estradas em uma sequência que me cansa só de lembrar.

É perseguido, capturado, ao tenta fugir desse cativeiro bizarro enquanto tem visões tenebrosas sobre seu passado, se vê sem saída, sendo imobilizado por seus captores.

Com poucos minutos, temos um exemplo primoroso de como introduzir uma boa aventura. Apesar de utilizar alguns elementos reconhecíveis ao público, é uma história nova que consegue empolgar, surpreender e manter nossa atenção.

O início da jornada de Nathan Drake segue a direção oposta, por pouco que não entra no panteão dos piores jogos já feitos. Como se a missão principal seja surpreender o jogador com decisões terríveis, da direção de arte a jogabilidade, que levanta a questão do que aconteceu para o resultado ser esse pot-pourri de desastres.

Drake’s Fortune surgiu durante experimentações no desenvolvimento do próximo Jak and Dexter, com uma abordagem mais realista baseado nos títulos de aventura que a Naughty Dog já fazia. Decidiram seguir com a ideia de um jovem explorador, um Indiana Jones (Steven Spielberg) com a estrutura de Tomb Raider.

Embora tenha deixado a mecânica de escalar das aventuras da Lara Croft mais fluída, não temos nada de novo aqui. É uma aventura comum, daquelas que você assiste na sessão da tarde por que deixou a TV ligada e é tarde demais pra desistir, você já se importa com o protagonista, quer saber se vai pegar o tesouro mesmo sabendo que ele vai.

O mais deslize que comete é permanecer no senso comum. Segue o mesmo ritmo desde o começo, parece estar com medo de surpreender o jogador com o algo novo. Quando tenta algo, não sabe aproveitar e deixa morrer na praia, isso vale até para a motivação principal.

Seguir as anotações de Sir Francis Drake que supostamente fingiu sua morte para cobrir a descoberta de El Dorado é uma ideia interessante no começo que vai pros ares quando chegamos na conclusão.

Quando de fato encontramos a cidade ela não possui impacto algum, nem consegue aproveitar das habilidades do protagonista enquanto explorador histórico. Os puzzles são simples demais, como se fossem construídos para serem resolvidos por crianças quase sem nenhum tipo de desafio. E aquele elemento que poderia ser interessante, o diário de Drake, é transformado num sistema de dicas bem fraco.

Depois que os “mistérios” são resolvidos, somos apresentados a grandes sequências envolvendo florestas e ruínas. Não existe um problema em permanecer em uma mesma localidade, mas a falta de esforço em injetar criatividade nas fases, arquitetura é visível já que é visualmente cansativo. É planta, pedra, ambientes genéricos de um filme do Indiana Jones durante a aventura inteira.

O ato de escalar também é fraco, a resolução encontrada aqui é interessante mas existem muitos momentos que a câmera não ajuda, colocando um ângulo no qual fica difícil entender para onde devemos ir. Quando sabemos o caminho, caímos no abismo por que o jogo não recebeu os comandos corretamente, é muito fácil morrer na escalada por esse motivo.

Somada as “trepações” em vigas e pedras, temos um pouco de ação para apimentar essa bela aventura. São as piores sessões de tiros na qual os vídeo games já viram, não é uma hipérbole quando estamos tratando de fatos.

Esses momentos sempre se dão em locais onde convenientemente existem paredes para se esconder. Ele usa e abusa do sistema de cover que viria ser tendência em jogos de tiro em terceira pessoa. É um esconde-esconde com armas, ficamos de trás de uma parede, batente ou caixa, espera ele termina de atira e faz a sua mágica. E isso é usado exaustivamente, como pequenas variações de cenário, armas e inimigos mas nada que acrescente a frustração que é pressionar o gatilho virtual. A pistola é o maior exemplo do quão ruim esse momentos são, literalmente ela para de atirar mesmo pressionando o botão na hora correta. Não existe nada que eu esteja fazendo de errado, se trocar para uma metralhadora ou shotgun, funcionam como deveria, a pistola solta dois tiro, para, você leva um tiro, soltam uma granada e você morre.

Além disso, a disposição do cenário em si não faz muito sentido por que os inimigos simplesmente nascem. Não satisfeitos, eles vão em sua direção sem uma critério definido e como cada tiro tira parte da sua vida mais do que deveria, você entra em desespero pulando de cover em cover, torcendo para sair ileso.

É injusto. A dificuldade encontrada no tiroteio não provém de mecânicas que exigem um esforço do jogador, os inimigos agem por conta própria, sem critério, não é possível prever seus movimentos para criar algum tipo de estratégia e é punido por ficar muito tempo escondido. É injusto por transparecer que está lutando contra um sistema mal construído usando força bruta.

Mas existe um charme, escondido nesse emaranhado de péssimas decisões de design, encontrado nas pequenas trocas de diálogos entre os personagens. Pequenas por serem encontradas apenas nas curtas cutscenes que o jogo tem, já que são usadas para fazer nos importar um pouco com a história contada.

As interjeições que Drake solta durante tiroteio ou quando está pendurando em algum templo antigo é uma maneira bem simples de humanizar seus atos. Você recebe em tempo real a reação dele do que tá acontecendo, melhorando a cada novo jogo.

Mas é frustrante demais assistir a cena final, reunindo os três protagonistas, conversando sobre a loucura que passaram, os tesouros que conseguiram resgatar. Três colegas inusitados, batendo um papo, essa interação foi tão destoante que me pergunto por que não encontramos nada disso nas sete horas que gastamos.

Existem boas ideias aqui, mas não foram aproveitadas para atingir seu potencial, resultando em um desastre.

Among Thieves— 2009

Drake está ensanguentado, ferido, confuso e ao retomar consciência, seu assento começa a desprender do chão, em direção ao final do vagão que está caindo, pendurado em um penhasco. Por reflexo, nosso herói se segura em uma haste do trem e vai subindo em direção a salvação, enquanto a grande locomotiva vai se despedaçando.

Após se debater e quase cair diversas vezes, Drake chega a superfície enquanto o trem some na enorme queda pelas montanhas gélidas.

Não consigo pensar em um jeito melhor de começar uma nova aventura do que escalar vagões de um trem que está prestes a cair em uma enorme montanha no Tibete. Esse incidente é a criação do tom de Among Thieves, uma declaração direta para o jogador que o bagulho vai ser doido daqui para frente, mesmo com os erros passados ainda presentes.

Ir em busca dos navios perdidos de Marco Polo durante sua viagem para Pérsia — onde das quatorze embarcações e seiscentos passageiros, só sobraram um navio e dezoito passageiros — já é interessante o suficiente para nos deixar animados. O diário de Drake ajuda muito nesse aspecto, não só pelos belos desenhos de dicas para resolução dos quebra-cabeças mas também por fornecer um pouca da opinião do protagonista sobre os acontecimentos da trama através de rabiscos e colagens.

Como a viagem é um mistério, a equipe criativa pode pirar o cabeção no que der e vier, que foi exatamente o que aconteceu. Detalhes pequenos como utilizar resina encontrada num artefato no começo do jogo para iluminar uma caverna com fogo azul ou uma quebra-cabeça que é uma sala inteira envolvendo escaladas e desviar luz usando espelhos, acrescentam muito ao visual e a quebrar as cenas de ação com algo mais calmo.

Among Thieves se aproveita do fato de Marco Polo ser um explorador nato para nos levar em uma viagem por diversos locais visualmente únicos. Com isso, é possível ver a solução que a Naughty Dog escolheu para apresentar um cenário escalável que não é uma ruína antiga ou uma floresta. Quando chegamos no Nepal isso é aparente, cada vez que subimos nos postes, criando um caminho enquanto vagamos de prédio em prédio, passando por banheiros, cozinhas, quartos e tentamos não cair no meio da rua.

Floresta, cidade, montanhas gélidas, templos antigos, civilização antiga e até um trem em movimento, isso é inserir variedade e ao mesmo mudança no ritmo já que alguns desses momentos são focados apenas em exploração. Outros unem a escalada com pequenos lampejos de ação, como a emocionante travessia em um trem em movimento que envolve até uma troca de tiros com um helicóptero.

A cada segundo é perceptível o quão anos-luz o jogo é em relação ao Drake’s Fortune. O nível de esmero, carinho, variedade, criatividade e carisma é realmente impressionante, colocando tudo que aconteceu no jogo em anterior em perspectiva.

É aqui que conseguimos sentir aquele tom de aventura bacana e divertida, apesar de não melhorar em nada tudo envolvendo a mecânica de tiro, que é responsável por deixar o terceiro ato do jogo levemente decepcionante. Atirar com uma pistola funciona agora mas acontece um CTRL + C em todo o resto, desde a impossibilidade de prever a movimentação dos inimigos, o stealth raso, as granadas que surgem para te tirar do cover e a falta de impacto que seus tiros tem em relação aos inimigos.

Quando os Yetis são introduzidos é quando tudo começa a complicar, apesar de momentos bacanas de escalada e apesar acontecerem no meio disso. Eles são bem difíceis de matar e a sua esquiva não é boa o suficiente para contra atacar, então é melhor já começar bem longe deles para descarregar tudo que temos.

Depois, é uma coleção de tiroteios que culminam no chefe final que tenta ser diferente mas não o suficiente, terminando uma ótima experiência com algumas ressalvas.

É impressionante o que fizeram aqui mas não souberam balancear as novidades inseridas envolvendo os personagens, visual, exploração e puzzles com a ação desenfreada, parecendo que estamos jogando duas coisas diferentes: um jogo genérico de tiro em terceira pessoa e um jogo de aventura divertido baseado em um mistério real que abre espaço para diversas experimentações.

Me pergunto se conseguem resolver esse impasse no próximo título.

Drake’s Deception — 2011

Minha experiência final com o terceiro Uncharted não foi verdadeira, foi adulterada para evitar maiores frustrações.

O gosto amargo do tiroteio cansativo, vazio e maçante dos títulos anteriores me fez ceder e mudar a dificuldade de normal, para fácil. Agradeço de coração pela dica que foi fornecida pelos meus amigos virtuais mas eu gostei, diria até que adorei explorar o deserto de Rub’ al-Khali atrás da cidade perdida do Iram dos Pilares.

As sessões de tiro ou foram curtas ou simples demais ou uma combinação das duas características. É possível ir em direção aos inimigos para distribuir uns sopapos sem muito esforço e mesmo quando a situação apertava, principalmente nos momentos finais do jogo, não foi tão frustrante quanto antes. Mesmo com uma leve variedade de inimigos, os problemas são fundamental os mesmos, nem a tentativa de incrementar a maneira de como usamos o cover tira esse terrível gosto da boca.

Em Drake’s Deception fica evidente que o conflito criativo entre o tirinho nos capanga e a narrativa cinematográfica. É aqui que conseguimos entender as escolhas feitas em The Last Of Us, próximo jogo que a Naughty Dog viria a produzir: O flerte com uma aventura focada na narrativa e nas maneiras em que o jogador pode interagir com a história contada é claramente visível.

A caminhada intensa pelo longo deserto, as alucinações, a perseguição a cavalo que se transforma em uma dança maluca pulando entre carros em movimento, passear pelas ruas e prédios de Cartagena ou os desenhos cheios de personalidade encontrados no diário de Drake, existem diversas quebras de ritmo que trazem um frescor muito único que acabou virando sinônimo do trabalho dos desenvolvedores.

As jogadas de câmera, seja mais próxima do protagonista enquanto passa por uma pequena fresta na parede ou como muda diversas vezes o foco em Drake durante sua caminhada no deserto, permitem que o adjetivo ‘cinematográfico’ seja colocado sem problemas.

Video games não precisam e não devem se focar no cinema como inspiração maior, como se existisse uma necessidade de validação de uma mídia consolidada, que nem um filho vai atrás de um pai em busca de aprovação. Jogos podem ser o que quiserem, todo ao nosso redor pode servir de inspiração, filmes são apenas mais uma fonte como qualquer outro meio artístico.

As experimentações narrativas em Drake’s Deception sempre incluem o jogador, algo que pode parecer estranho apontar mas a obsessão generalizada dos games pela sétima arte retira momentos que podem ser importantes de nossas mãos e os coloca em cutscenes. É a síndrome Devil May Cry, onde o protagonista realiza acrobacias incríveis, mata uns demônio enquanto come pizza e você apenas assiste, o que torna Bayonetta, sua sequência espiritual, uma experiência incrível por nos colocar no olho do furacão.

Por experimentar mais em como deve abordar uma história de aventura que percorre o mundo usando a interatividade como peça relevante, somos presentados com momentos mais calmos, contemplativos. Ficamos resolvendo puzzles, aproveitando o cenário envolta que exala criatividade. Cada uma dessas salas aproveita muito bem a estética do local que está, como é visto quando vamos para o Iêmen, por exemplo, quando reencontramos Helena.

Desde utilizar um desenho para saber a verdadeira entrada de uma tumba subterrânea, até tentar construir uma sombra na parede usando perspectiva em membros separados de uma estátua, é visível o que os desenvolvedores podem fazer essa série mas por algum motivo, ainda insistem o colocar uma arma na mão do jogador e não fazem nada criativo com isso.

Minha experiência poderia ter sido terrível, mas a falta de balanceamento nos conflitos envolvendo tiroteio é visível mesmo que seja mais evidente nos momentos finais. Senti que estava mais fácil mas não o suficiente para evitar as mesmas frustrações dos jogos anteriores. A injustiça presente nas mecânicas é algo intrínseco ao design de Uncharted, independente de qual dificuldade seja escolhida, o que diz muito sobre ter essa opção em jogos.

O que deve ser entregue ao jogador é algo desafiador e interessante que vai mudando de acordo com a dificuldade escolhida. É um conceito antigo, criado nos consoles depois de perceber que ninguém tava curtindo os jogos de fliperama que eram desenhados para serem difíceis.

Hoje, existem títulos que subvertem essa ideia de diferente níveis de dificuldade, inserindo certos elementos dentro do jogo para balancear a experiência como um todo.

Em Dark Souls, as almas que coleta dos inimigos é utilizada nos atributos do personagem quando sobe de nível, para melhorar armas e comprar itens. Shadow Of The Colossus não deixa claro aonde o inimigos que deve enfrentar estão, colocando apenas um feixe de luz que sai da sua espada que serve como bússola e deixa que você descubra como deve. Portal demonstra o conceito base de como seus portais funcionam, modificando a cada nova fase de um jeito que faça sentido, traga frescor e novos desafios.

Escolher a dificuldade que terá de enfrentar em sua experiência não é ruim ou deve acabar por ser um conceito antigo, mas pode trazer diversos problemas se não for implementado com cuidado respeitado as regras que foram estabelecidos pelo próprio jogo.

Uncharted é um belo exemplo de como os diferentes modos de dificuldade deixam a mostra as falhas de design de um jogo. O que é triste, já que Drake’s Deception leva a série para lugares interessantes e aposta mais no lado narrativo da aventura e sua falta de balanceamento, custa o aproveitamento da experiência como um todo.

Não consigo entender como a Naughty Dog vê essa franquia, enquanto claramente experimenta como inserir narrativa na exploração, não aplica esse mesmo esforço na ação. Talvez nem precisasse demonstrar esse conflito, realmente penso se não seria mais benéfico para o jogo se tivéssemos uma luta comum sem armas ou se fosse realmente necessário atirar nos inimigos, que fosse feito diferente.

O terceiro jogo, apesar de eu ter trapaceado colocando no modo mais fácil, se auto-sabota quando não apresenta inovações em sessões que compõem a maior parte da jornada. Mas sabendo que existe um último jogo, aquele que coloca um fim na narrativa de Nathan Drake, cria-se uma expectativa que os momentos únicos e cinematográficos de Drake’s Deception e Among Thieves sejam levados para um outro patamar.

Uncharted enquanto uma trilogia, não reinventa a roda e parece ter medo em sair do senso comum. Quando resolve fazer algo diferente, se auto-sabota tirando o brilho das boas ideias que teve.

É uma confusão enquanto jogo eletrônico, atirar nunca é solução e aqui é a mais pura verdade. Talvez os frutos plantados aqui em forma de experimentos narrativos sejam colhidos, por que embora a série tenha graves problemas, as boas ideias que apresenta não devem ser esquecidas.

Não as esquecerei e ainda falta mais um encontro com essa galera que curte explorar civilizações antigas.

No próximo capítulo, o fim de um ladrão.

Auxilio na edição feita por Giancarlo Silva

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