Como fazer sucesso nas rádios brasileiras: entendeu ou quer que eu faça um infográfico? (edição 2018)

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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5 min readJan 17, 2019

No segundo verso da segunda estrofe de “Coração de Quatro”, a 79ª música mais executada nas rádios brasileiras em 2018, a dupla Israel & Rodolffo abre o jogo: “Tô até com saudade de sofrer”. Parece-me que o jovem duo anda um tanto alheio ao que se passa em seu próprio metiê, o da música sertaneja. Em 2018, a sofrência dominou as paradas de sucesso no Brasil… como de costume nos últimos anos.

Uma primeira olhada na lista das 100 canções de maior sucesso nas ondas do rádio, divulgada pela pela consultoria Crowley no fim de dezembro último, reafirma a hegemonia das duplas neo-caipiras em 2018, um panorama que se repetiu ano após ano nesta década. Confiram no gráfico à esquerda: 85% da lista de mais tocadas são sertanejas.

Mas uma comparação com os anos anteriores permite afirmar que a dominação do estilo já foi mais ampla. Em 2016 e 2017, o sertanejo dominou ao menos 90% da lista de maiores hits radiofônicos. Em 17, nada menos que 92 das 100 mais tocadas foram de cantores sertanejos, um total 7,6% maior que o computado em 2018. Vale notar que o samba/pagode apresentou um viés de alta (oito canções na lista, contra apenas duas em 2017). O responsável mais direto por essa ascensão é o Ferrugem, não aquele baixinho, e sim o cantor carioca de pagode romântico.

O pop (nacional e internacional) aumentou um pouquinho sua presença (uma música a mais). O único artista mais ou menos aparentado com o rock a dar as caras foi Falcão, e mesmo assim apenas como convidado em “Pesadão” (Iza), que ficou em 72º lugar. Como nos anos anteriores, os demais gêneros da música popular foram banidos do rádio, à exceção do axé, representado por Léo Santana (“10 Beijos de Rua”, 66º lugar).

Sim, o sertanejo ocupou menos espaço “nominal” no Top 100 em 2018, mas por outro lado pode-se dizer que o estilo ampliou sua dianteira sobre os demais. É uma tendência já consolidada nos últimos tempos: a cada ano, a música não-sertaneja mais bem colocada na lista fica em posição mais baixa. Na comparação com 2017, a queda foi de 33 posições.

O pessoal anda bebendo mais

Os temas das letras das 100 músicas mais tocadas no ano não diferiram muito em relação a 2017. A sofrência e as declarações de amor desbragadas dividiram quase salomonicamente o espaço, com mais de 80% de presença. Um sub-tema muito comum ao sertanejo, a alusão ao consumo de bebida alcoólica, cresceu. Praticamente todas as 43 canções da categoria “sofrência” traziam alguma menção ao álcool e em ao menos nove delas as porrrancas & ressacas ocuparam papel de destaque nos versos. Sem falar em outras cinco músicas que dispensaram a temática romântica completamente e centravam-se 100% na cangibrina, na marvada, na água-que-passarinho-não-bebe.

* Ao menos duas das canções mais tocadas — “Propaganda”, de Jorge & Mateus e “Sonhei que Estava Me Casando”, de Wesley Safadão — são explicitamente machistas.
** Para este levantamento, os temas das letras em inglês não foram considerados.

E quem fez mais sucesso?

O quadro seguinte mostra quais artistas mais figuraram na lista das 100 mais, seja com canções próprias, seja figurando como convidados em faixas alheias. Jorge & Mateus, que emplacaram cinco aparições em 2017 (suficiente para ficarem em segundo lugar, empatados com Gusttavo Lima), foram os campeões da vez.

Muitos hits, ainda mais hitmakers
Com algumas poucas exceções, os astros do sertanejo não costumam compor as músicas que cantam. É sabido que existe uma verdadeira indústria organizada para abastecer as duplas com novos hits em potencial. O método de produção em estilo linha de montagem aproximou o sertanejo de uma prática comum no hip hop e no r’n’b americanos: canções assinadas por uma pequena multidão de compositores. Em 2018, quase um terço das músicas do top 100 traziam quatro ou mais nomes nos créditos. Um dos hits do ano (“Segue o Plano”, George Henrique & Rodrigo) empregou nada menos que nove compositores. Larissa Ferreira e Thales Lessa, que dividiram o posto de hitmakers do ano — cada um emplacou nove músicas entre as 100 — também são cantores, mas fazem muito mais sucesso em vozes alheias. (Larissa é uma das autoras de “Coração de Quatro”, a tal que fala “Tô com saudade de sofrer”, citada no início do post.)

É cedo para afirmar que a ligeira queda na dominação sertaneja nas paradas radiofônicas é um sinal de que a monocultura do estilo esteja perto do fim. A indústria musical é conservadora e marcada pela inércia. Se algo está dando certo (como o sertanejo está), o impulso das gravadoras e dos empresários é manter as coisas como estão. Um dado que deve ser considerado é a renovação relativamente baixa do cenário: na lista dos artistas que mais entraram no Top 100, apenas dois são novidades em 2018 (e um deles não é sertanejo). Enquanto não surgir um gênero com público consolidado e uma sólida estrutura de divulgação e produção, como o sertanejo tem hoje, não vai haver uma troca de guarda no hit parade. Candidatos existem: o novíssimo brega pernambucano, o trap brazuca, o tresloucado funk 150 BPM. Algum vinga? Vamos acompanhar.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)