Como fazer sucesso nas rádios brasileiras: entendeu ou quer que eu faça um infográfico? (edição 2017)

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
5 min readJan 4, 2018
Só que em vez de correr pra LONGE dos tentáculos, os outros estilos estão correndo na DIREÇÃO deles.

Anitta quebrou a internet brasileira várias vezes em 2017 e encerrou o ano se apresentando no réveillon de Copacabana. Pabllo Vittar lacrou a torto e a direito, cantou com Fergie no Rock in Rio e amealhou 14 milhões de plays no YouTube com apenas uma canção. E “Despacito”, então? O inescapável hit latino do verão tocou sem parar o ano inteiro e se tornou o vídeo musical mais assistido de todos os tempos.

Enquanto isso, no mundo real, o sertanejo continuou a mandar no pedaço.

A análise da lista com as 100 músicas mais executadas nas rádios brasileiras em 2017 revela um quadro muito parecido com o visto no ano passado. Apesar de todo o barulho que Anitta, Pabllo e outras figuraças causaram — especialmente na internet — o mainstream nacional segue sob a hegemonia dos caubóis da sofrência. Se em 2016 o estilo foi responsável por 90% do Top 100, em 2017 a dominação subiu para 92%. E mesmo que não haja mais muito terreno a ser conquistado, os tentáculos do sertanejo conseguiram ampliar seu alcance de novas maneiras no ano que passou.

Na lista de 100 mais tocadas compilada pela consultoria Crowley, só sobrou lugar para cinco canções pop (duas nacionais, três estrangeiras) e três pagodes. O resto foi bailão de peão. Confira o gráfico:

Não houve surpresa nas temáticas das músicas mais tocadas. Dos 92 hits sertanejos no Top 100, 79 versavam sobre o amor, em uma divisão quase equânime entre desabridas declarações de paixão e amarguradas dores de cotovelo. Persistiu a tendência de mencionar consumo de álcool nas letras — se apenas sete das canções celebraram diretamente a bebedeira, quase todas as outras da seção “dor de corno” mostram o protagonista afogando as mágoas no etanol.

Mas se não houve surpresas na composição da parada nem nos temas dos hits, é possível tirar outras conclusões um tanto mais preocupantes sobre o mainstream sertanejão.

A distância entre o sertanejo e os outros gêneros está aumentando

Se em 2016 a melhor colocação de uma música não-sertaneja na parada foi o 20º lugar, em 2017 não passou do 23º.

Essa tendência é constante há pelo menos cinco anos: a cada ano, o sertanejo aumenta sua vantagem no topo da lista. Aparentemente, está cada vez mais difícil para outros gêneros conseguirem vencer essa barreira.

A concentração empresarial está aumentando

Se olharmos a lista dos artistas que mais aparecem no Top 100, vamos verificar que apenas quatro gravadoras estão representadas. E que apenas uma gravadora concentra mais da metade dos nomes com o maior número de hits. Alguém adivinha qual é?

O quadro acima mostra os 21 artistas que mais apareceram no Top 100, com o número de vezes em que eles são citados no ranking. A conveniente sinergia entre a Som Livre e a rede Globo garante a (oni)presença do sertanejo no Domingão do Faustão, no Fantástico, no Encontro com Fátima Bernardes e quiçá no Pequenas Empresas Grandes Negócios, suscitando uma questão Tostines: o sertanejo faz sucesso porque está na Globo, ou está na Globo porque faz sucesso?

Por falar em pequenas empresas, uma pesquisa rápida mostra que três escritórios são responsáveis por gerir as carreiras de quase metade da relação de artistas mais tocados.

No atual sistema verticalizado de gestão, é comum que um único escritório cuide da produção dos discos, agenda de shows, imagem, divulgação etc. de diversos artistas ao mesmo tempo. Isso mais uma vez favorece a manutenção da hegemonia do sertanejo: poucos escritórios concentram a maioria dos grandes nomes e com isso detêm mais poder de barganha. Expedientes como a “venda casada” de artistas (“Você quer a minha dupla bombada no seu programa de TV? Vai ter que levar esse cantor iniciante junto”) ajudam a fincar ainda mais o sertanejo na mídia.

Os outros estilos estão se rendendo

Se é impossível vencer o sertanejo, ao menos dá pra pegar uma carona na onda. 2017 viu um aumento expressivo de parcerias entre artistas de outros gêneros com duplas e cantores sertanejos, numa tentativa explícita de garantir um espacinho nas rádios. Mesmo como coadjuvante.

Com espaço reduzido nas rádios — que ainda é o motor da popularidade no mainstream — funk, axé, pop e hip hop se viram como podem. E a única direção para se virar é o sertanejo. Essas misturebas, por outro lado, aumentam o “prazo de validade” dos caipiras urbanos na TV, no rádio e em festivais. Seriam benéficas também para os outros estilos? Ou testemunhamos em 2017 o momento exato em que o sertanejo, afinal, deglutiu de vez o que restava de ecletismo nas paradas brasileiras?

Não respondam, por favor.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)