COMO O SUPERCHUNK SALVOU A MINHA VIDA NUM CARNAVAL EM 1996

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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4 min readFeb 19, 2018

Em 1993, o carnaval caiu entre os dias 19 e 24 de fevereiro. Nove dias antes da sexta-feira inaugural da folia naquele ano, era lançado nos EUA o álbum On the Mouth, do Superchunk. Eu não tomei conhecimento do fato. Em 1996, o carnaval foi realizado entre 16 e 21 de fevereiro. Em algum ponto daquele período, eu ouvi pela primeira vez On the Mouth. Em 2018, exatos seis dias antes do começo do carnaval deste ano, On the Mouth completou 25 anos. Hoje, o terceiro álbum do Superchunk é um dos meus discos favoritos de todos os tempos. No carnaval de 1996, esse disco salvou a minha vida. Indie rock não combina muito com a farra momesca, né? Mas pra mim, essa época do ano sempre estará ligada à banda da Carolina do Norte.

Algum disco já salvou sua vida? Qual?

Eu estava meio mal no carnaval de 1996. Com 22 anos recém-completados, tinha acabado de perder meu estágio remunerado na universidade (era só um salário mínimo, mas quebrava o galho) e enfrentava sem qualquer motivação a perspectiva da formatura. Pior ainda: pouco antes do começo da folia, tomei um pé na bunda daqueles traumáticos. Entre a incerteza sobre o futuro, a desilusão amorosa e a falta de dinheiro, encontrava-me naquela profunda merda na qual só quem tem 22 anos recém-completos sabe afundar. Como eu poderia piorar a situação?

Ora, indo passar o carnaval em Arraial do Cabo!

O carnaval na Região dos Lagos é um rito de passagem para qualquer jovem nascido na área metropolitana do Rio de Janeiro. Pode ser cumprido de maneira gloriosa, com conquistas carnais, aventuras ao ar livre, laços de amizade firmados para todo o sempre. Também pode ser atravessado de forma tragicômica, entre comas alcoólicos, ressacas físicas e morais e a já proverbial falta de água. Minha passagem por Arraial em 1996 estava definitivamente mais para a segunda opção. Torrei minhas últimas economias entrando num rachuncho de aluguel em uma casa a poucas quadras da praia, na qual cada hóspede tinha que contribuir com um engradado de cerveja. Entre as latinhas de manhã na praia e a variedade de opções das barracas de caipifruta à noite, foram muitos momentos de depressão sentado nas calçadas do vilarejo, enquanto os foliões se esbaldavam à minha volta.

A situação só mudou quando um dos camaradas hospedados no cafofo me passou uma fitinha com músicas de uma banda chamada Superchunk. Cada lado tinha um disco gravado. Eu nunca tinha ouvido falar. O cara disse apenas que “lembra Pixies, você vai gostar”. Perguntei: de que época é essa banda? Ele chutou “82, 83…” meio sem certeza, sem saber que os dois álbuns resumidos no cassete tinham sido lançados naquela década de 1990. O Superchunk soava familiar e ao mesmo tempo novo. Suas raízes no som indie ianque dos anos 80 eram bem evidentes: Hüsker Dú, Pixies, talvez Replacements? Mas o modo como o quarteto unia a energia punk a um senso melódico impecável era diferente; a pegada de uma banda de hardcore e a doçura do melhor power pop. Fora que a voz do cantor, meio esganiçada, num registro alto, conferia um inesperado ar de fragilidade ao conjunto da obra.

O primeiro lado da fita tinha o álbum No Pocky for Kitty, e eu gostei de cara. Entretanto, quando eu virei o cassete e pus o lado com On the Mouth, aí sim eu pirei de vez. Era porrada, era barulhento e era assobiável, dava pra dançar e dava pra pogar. Enquanto os alalaôs e as cabeleiras do Zezé ecoavam pelas vielas de Arraial do Cabo, eu ouvia e reouvia On the Mouth compulsivamente. Conhecer o Superchunk naquele momento aliviou minha deprê, me fez esquecer os problemas e até me animar um pouquinho com o carnaval. Não é exagero: sem meu walkman vagabundo e sem aquela fitinha emprestada, não sei qual seria o meu fim. Uma overdose de motor de arranque? Abandonar os amigos e a família e arrumar um bico de pescador na praia? Enfim, consegui sobreviver aos desvarios etílicos, devolvi o cassete ao meu camarada e voltei para a civilização disposto a descobrir mais sobre o Superchunk.

Algum tempo depois, consegui comprar On the Mouth em CD (lá na saudosa Video Game Center, na Praça Saens Pena). Finalmente ouvi o disco na íntegra e na ordem correta das faixas. Por motivos de espaço, não couberam na fita “Trash Heap”, “New Low” e duas das minhas favoritas, “From the Curve” e “The Only Piece that You Get”. O reencontro solidificou minha paixão pelo álbum. Começava com a carreira desabalada de “Precision Auto” (provavelmente a música mais conhecida da banda até hoje), passava pelo punch antêmico de “Mower” e “Package Thief”, atravessava o vale pantanoso da lenta e turbulenta “Swallow That” e reengrenava com “I Guess I Remembered It Wrong” e “Untied”. Ao final, depois de tanta correria, “The Only Piece that You Get” servia como uma pausa para respirar, um suspiro exausto para rebater a adrenalina. (E também serve de ponte perfeita para “Like a Fool”, a música de abertura do disco seguinte da banda, Foolish.)

O Superchunk não deixou mais a minha vida. Completei a discografia da banda. Estive no único show que o quarteto fez no Rio, em 2001, e entrevistei o vocalista Mac McCaughan duas vezes. Segui acompanhando sua carreira, que teve vários bons momentos posteriores, mas nunca com o mesmo brilho de On the Mouth. E não se passa um carnaval sem que eu lembre do disco lançado um pouco antes do carnaval há 25 anos, e que salvou a minha vida, num carnaval há 22 anos.

Leia também: ENTREVISTA: SUPERCHUNK

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)