ENTREVISTA: RODRIGO LARIÚ / MIDSUMMER MADNESS + TOP 10: os melhores álbuns do MM Records

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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8 min readDec 3, 2021
A cara do site do mm em 1998. Pioneiro na internet mas…sem som. “Eu demorei para acreditar no mp3”, diz hoje Rodrigo Lariú

O indie brasileiro, esse incompreendido. Se é fácil identifica-lo pela sonoridade, nem sempre é tão simples sacar seus propósitos ou tolerar suas contradições. Às vezes alvo de chacota, às vezes condenado por uma aparente empáfia, o indie brasileiro vive num universo paralelo dentro de outro universo paralelo — o do rock no Brasil, sempre à margem do mainstream, sobrevivendo à custa de modas passageiras. O termo “indie”, por si só, é um labirinto idiomático: era uma expressão mercadológica que virou sinônimo de gênero musical e, por fim, de estilo de vida & visão de mundo.

Rodrigo Lariú sabe disso tudo. Talvez nenhum outro (indie) brasileiro saiba tanto sobre isso tudo. Quando ele fundou o fanzine midsummer madness em 1989, “indie” ainda era sinônimo de selo independente, não de uma subcultura. Hoje, o carioca (que mora em Londres desde 2017) celebra 32 anos de luta como divulgador do rock alternativo nacional com a coletânea 30 em 3 midsummer madness. É uma pacoteira de respeito: CD, vinil e cassete, cada um com um repertório diferente (dá pra ouvir de graça no Bandcamp). Um verdadeiro quem-é-quem do cenário: tem Pelvs, Cigarettes, Low Dream, Pin Ups, Second Come, Grenade, brincando de deus, Supercordas, Killing Chainsaw, The Gilbertos…

Juntos, os três álbuns resumem a trajetória do MM Records (ou mm records, como prefere seu dono), o mais longevo, prolífico e importante selo da história dessa abstração chamada indie brasileiro.

A coletânea: três formatos físicos e streaming

“Na real eu comecei em 1989 com o zine. Não tinha pretensão nenhuma, a motivação para o zine era escrever sobre bandas que eu gostava, mas não via em nenhuma revista ou jornal da época. E eu tinha 16 anos…” relembra Lariú em conversa com o TdV. “Em 1991 quando eu comecei a encartar as fitas nas edições do zine, a motivação era fazer as pessoas ouvirem as fitas das bandas nacionais que eu ouvia na época, sem depender apenas do que eu escrevia. Então, o começo do ‘selo’ pra mim é mesmo em 1989, quando comecei o zine. Mas na prática começou em 1991.”

Foi uma fase de desbravamento para o rock alternativo no Brasil. As demotapes viraram uma febre e ajudaram a democratizar a cena. Em pouco tempo, além das bandas do Rio de Janeiro, o mm passou a revelar artistas baianos, cearenses, capixabas, catarinenses. O primeiro CD (Bingo, The Cigarettes) veio em 1997 e àquela altura Lariú já organizava shows com artistas gringos e festivais como o saudoso Algumas Pessoas Tentam Te Fuder. Enquanto isso, o catálogo do selo engordava com a chegada de veteranos inicialmente não associados à cena, como os Pin Ups, Thomas Pappon (The Gilbertos) e Rodrigo Guedes (Grenade).

Lariú

Selo e cena cresceram de mãos dadas. Lariú filosofa sobre os principais pontos dessa trajetória. “A primeira grande evolução foi quando decidi parar de fazer o zine e as coletâneas e passei a lançar as fitas individuais”, lembra ele; a primeira foi Cachorrona, do The Drivellers, em 1994. “Depois, em 1997, quando lançamos os primeiros CDs (Bingo e Members to Sunna, Pelvs). A participação na criação da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) também foi uma contribuição importante. A aposta no Bandcamp como principal canal digital, em lugar dos serviços comerciais de streaming. E definitivamente a coletânea de 30 anos.” Que era para ter saído em 2019, mas… “Calculei mal o tempo para pedir autorização de todas as bandas. Quando finalmente consegui organizar tudo…veio a pandemia.”

Eu lembro disso…

“Tudo”, no caso, inclui um sensacional fanzine de 36 páginas contando toda a história da gravadora com muuuuuitos detalhes, e que vai de brinde com o vinil/CD/cassete. No impresso, Lariú lembra com muita candura de vitórias e também de tropeços, como a famigerada campanha “I Hate Lariú”, movida na década de 1990 por bandas dos subúrbios do Rio, que se consideravam esnobados pela ceninha indie. “Eu realmente parecia detestável. E várias bandas achavam que eu, que morava na Zona Sul, era bairrista…”, relembra o produtor.

No século 20, chegou o MP3, depois o streaming; o CD morreu, ao menos comercialmente; o vinil renasceu (ao menos comercialmente…); e até os cassetes, aqueles mesmo do começo da década de 1990, voltaram à moda. Nesse ínterim, o midsummer madness acumulou um catálogo de 340 lançamentos, entre álbuns, EPs, demos e coletâneas — cerca de 2.500 canções no total. Tendo passado por toda a roda-viva de formatos e modismos mercadológicos, Lariú admite que sempre esteve “um passo atrás” das mudanças.

“O cassete no começo era a única opção: não tinha como prensar vinil ou CD em 1991, ou em 1994. Com o boom do CD em meados dos anos 90, a gente entrou na onda mas nunca conseguiu viabilizar comercialmente, por causa da deficiência de distribuição e promoção, o que sempre significava muitos CDs encalhados”, narra Lariú. Ele confessa que não levava fé no digital (“Até 2006 o site não tinha nem mp3. Eu achava que não ia dar certo, até que o mundo me provasse o contrário”) e que LPs são impraticáveis financeiramente para o selo (“Até hoje o vinil é um luxo para o tamanho do nosso caixa e público. Poucas bandas do catálogo são viáveis”.)

Em 2017, já entrado em sua quarta (!!!) década como zineiro/produtor/dono de selo, Lariú causou polêmica ao sugerir que as pessoas deixassem de comprar seus discos para “ajudar a cena”: “A gente não precisa da sua força, queremos que você genuinamente goste das bandas. Foda-se a cena.” (O episódio é relembrado no fanzine novo.) Aaaaaah, a cena. Outra incompreendida.

“É difícil avaliar… acertamos muito mas também erramos muito”, responde Lariú quando indagado sobre como vê a contribuição do mm à… cena. “Creio que o principal foi ter jogado uma luz em algumas bandas que talvez passassem em branco. Manter um catálogo de artistas que talvez desaparecessem, se não fosse nossa insistência. E discutir um pouco o que as pessoas chamam de ‘cena’. Nestes 30 anos eu criei muito caso sempre com boas intenções apesar de nem sempre estar certo. Ao mesmo tempo, tenho uma sensação constante, e não é de hoje, de que poderia ter feito muito mais pelas bandas.”

Ao rever sua trajetória, o homem que mais fez pelo indie brasileiro nos últimos 30 anos também questiona as contradições inerentes ao rótulo. “A imensa maioria do que se convencionou chamar de indie está longe de propor qualquer ideia que eu sempre identifiquei como alternativa…”, afirma ele em um dos textos do zine. “Um passeio pelas playlists, publicações e canais de YouTube que usam o termo indie é, pelo menos para mim, um show de horrores. E não estou falando de gosto musical. Show de horrores porque compila artistas acomodados, fazendo mais do mesmo, seguindo a onda do que dá certo no mainstream.”

Se o critério for esse, não há nada menos indie que o trabalho de Lariú à frente do mm. E que siga assim por mais 30 + 3 anos.

TOP 10: CATÁLOGO DO MM RECORDS

A história do mm records e a do indie brasileiro se confundem; não por acaso, no Top 10 que compilei com os mais importantes discos nacionais do estilo (sic), dois álbuns foram lançados originalmente pelo selo e outros dois, reeditados por Lariú. Os 10 LPs destacados a seguir, em ordem cronológica, contam um pouco da evolução da gravadora e, por conseguinte, também da evolução do rock alternativo local. Os comentários em cada disco são do próprio Lariú.

Thrumming Soothingly, Stellar (mm11), 1995 — Primeira demo dos pioneiros do post-rock brasileiro. “Segundo Gustavo Seabra (Pelvs), essa fita é uma das melhores coisas já gravadas no Brasil em todos os tempos. E ninguém aqui duvida. (…) Usavam três guitarras e nenhum baixo em suas músicas.”

Bingo, The Cigarettes (mmcd01), 1997 — Legítimo, lendário clássico do indie brasileiro. Primeiro CD do selo. “Esse disco tem muitas histórias, não sei se todas são verdadeiras. (…) Diz a lenda também que a mixagem final foi refeita às escondidas numa madrugada por (Marcelo) Colares (líder da banda). (…) Até hoje ninguém sabe onde foi parar metade da tiragem.”

Os Eurosambas 1992–1998, The Gilbertos (mmcd03), 1999 — Primeiro LP do projeto-de-um-homem-só tocado por Thomas Pappon. “Foi um dos discos mais importantes do nosso catálogo. Descrito pelo jornal O Estado de SP como “o elo perdido do Rock Brasileiro”. Thomas (ficou) nos agulhando porque ele queria muito que o disco fosse lançado no ano em que se completaria 10 anos da Queda do Muro de Berlim.”

Melodias de uma Estrela Falsa, Astromato (mmcd05), 1999 — A banda de Campinas até hoje é cultuada por seu som melódico e ruidoso. “A sonoridade do Jesus & Mary Chain com letras em português. (…) No começo dos anos 2000, a Deckdisc quis contratar o Astromato, mas eles fizeram um show tão ruim abrindo pro Mogwai que a Deck desistiu.

Península, Pelvs (mmcd06), 2001 — Melhor dos discos do grupo carioca, até hoje na ativa, ainda de que forma bissexta. “O terceiro e mais celebrado disco da Pelvs marca a entrada definitiva do Ricardo na bateria, do Gordinho na 2ª guitarra e a saída do Dodô.”

Premonitions 1989-91, The Telescopes (mmcd09), 2003 — Primeiro CD de uma banda gringa lançado pelo selo. Os Telescopes são uma mini-lenda do cenário protoshoegaze inglês, com hits eternos como “Perfect Needle” e “Precious Little”. “Não me lembro bem como foi, mas devo ter mandado um email para Stephen Lawrie pedindo para lançar os discos do Telescopes no Brasil. (…) Foi o disco mais caro que já fizemos, quase me levou à falência.

Saudade das Minhas Lembranças, Nervoso & Os Calmantes (mmcd14), 2004 — Fabuloso disco de estreia do ex-baterista do Acabou La Tequila. “Eu achava legal mas talvez um pouco fora do que eu imaginava pro midsummer madness (…) A empolgação (…) era tanta que eu não quis cortar a onda. Confesso: achava que talvez aquele seria o nosso Oasis.

Mono Maçã, Lê Almeida (mmlp28), 2011 — Um dos grandes álbuns do indie brasileiro da década passada. “O primeiro vinil que a gente lançou foi este, em parceria com os selos Transfusão Noise, Vinil Land e Wee Pop. Foi prensado na Inglaterra e eu fui pessoalmente buscar, trazendo a “muamba” na mala. Uma das maiores roubadas da minha vida.

Tributo ao Second Come, vários (mmcd30), 2012 — Um encontro de diversas gerações do indie brazuca em uma homenagem a uma das bandas seminais do cenário. “A ideia surgiu em 2009 quando Fábio Leopoldino, guitarrista, vocalista e um dos fundadores do Second Come, faleceu inesperadamente. Loomer, Lê Almeida, Snooze, Dash, Nervoso e os Calmantes, Beally, Supercordas, Dois em Um, The Cigarettes, Pelvs são algumas das bandas que participaram.”

Lee Marvin, Pin Ups (mmcd49), 2016 — Além de revelar bandas, o mm se orgulha de seu trabalho de preservação da história do indie brasileiro. O relançamento do quarto álbum dos Pin Ups, original de 1997, era um sonho antigo de Lariú. “Em 2016, uma das bandas mais desejadas dos 30 anos do midsummer madness finalmente entrou para o catálogo (…) Lee Marvin ganhou uma versão em vinil (…) transparente, com um CDr de covers exclusivo.”

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Jornalismo & etc. por MARCO ANTONIO BARBOSA. Reportagens e artigos sobre cultura, sociedade, política, comportamento, humor, em textos inéditos e republicados.

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Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)

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