O LINKEDIN E O PROFISSIONALISMO TÓXICO

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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6 min readMar 8, 2021

Trabalho é como sexo: quem mais fala a respeito é quem menos pratica.

Postagens (infelizmente) reais que exemplificam (alguns d’)os problemas do LinkedIn.

Assim que o LinkedIn iniciou suas operações no Brasil, em 2011, eu corri pra fazer um perfil. (Bons tempos aqueles, em que ficávamos entusiasmados com a chegada de mais uma plataforma de rede social.) Parecia fazer sentido: um espaço virtual voltado ao networking e ao conteúdo do mundo corporativo em geral — cultura empresarial, governança, sustentabilidade, negócios, oportunidades. Mas confesso que nunca devotei muito tempo à rede. Um misto de preguiça (“Mais um lugar pra ter que postar coisas…”) e incompreensão (“Falar de trabalho em vez de ficar olhando memes no Twitter?”) me afastavam da plataforma.

Apenas em 2019 resolvi dedicar-me mais seriamente à parada. Muito por insistência de um amigo empreendedor (de verdade, sem aspas) que vivia a exaltar as possibilidades abertas pela rede e as boas chances de negócios surgidas nas interações online. Ainda meio desconfiado, passei a frequentar com mais regularidade, tentando criar posts, prestar atenção nos posts alheios e entabular conversas.

Não demorou para que eu percebesse que uns 99% dos usuários do LinkedIn podem ser divididos em duas categorias: os Troys e os Gils. Não se faça de besta: você sabe a quem me refiro.

O Troy é Troy McClure, o “esquecido ator de filmes-B, visto com frequência como garoto-propaganda de produtos vagabundos ou apresentando programas questionáveis”.

E o Gil é Gil Gunderson, “fracassado e azarado empreendedor de Springfield”.

No LinkedIn, você é um Troy ou um Gil? Já deu pra sacar o raciocínio? Se não, segue o flow aí.

Como escrevi lá em cima, 99% dos perfis que vejo no LinkedIn se dividem em dois grupos: os Troys, gente tentando vender alguma coisa…

…e os Gils, gente tentando vender a si mesma.

Até aí, ok. Jogo jogado. É um espaço para fazer B I Z N E S S. Vender (e comprar) é o nome do negócio. Mas, antes de tudo, é uma rede social, e como toda rede social, oferece a seus usuários a chance de construir para si mesmos uma nova imagem pública… que nem sempre corresponde à realidade. No caso do LinkedIn, Troys e Gils são dois lados da mesma síndrome: o profissionalismo tóxico.

Cada rede social tem sua toxicidade. O Facebook nos expõe a egotrips e bate-bocas sem fim. O Twitter despeja em nossas cabeças o esgoto da humanidade. O Instagram é feito pra causar inveja. E o LinkedIn obriga seus usuários a manterem uma fachada “corporativa” que, cedo ou tarde, corrói as pessoas por dentro e inviabiliza a consolidação de conexões verdadeiras e construtivas.

Vejam bem. Longe de mim condenar quem deseja avançar na carreira. Ou quem tá na luta por um emprego e recorre a todos os meios ao alcance. Ou quem tem um projeto, um produto, um conteúdo pra vender. Cada um sabe do seu corre. E há muito conteúdo útil publicado lá, sem dúvida. A questão é o já referenciado profissionalismo tóxico. O LinkedIn tem a mesma falha de toda rede social, e a falha não é na parte da “rede", e sim na parte do “social”. O problema do Orkut, do MySpace, do Facebook, do Instagram, do Twitter e do LinkedIn não é a plataforma, e sim as pessoas.

Os Troys estão ali com a banquinha de camelô 24/7. Vendem de tudo: bens, serviços, livros, cursos, consultorias, palestras. E também conselhos, palestras, lições de moral, historinhas edificantes, recomendações de posturas. A ponta do iceberg são os ubíquos coaches, que prometem consertar a vida alheia em todos os aspectos. E seus primos (mais) gananciosos, os fiéis da seita daytrader, garantindo que qualquer um pode ser tornar milionário da noite pro dia.

Não, não quero ver todos os resultados

Mas há muitos outros tipos de Troys à solta na rede. O gerente que posta sobre o sucesso do workshop do dia anterior é um Troy. O crossfiteiro que correlaciona esforço físico e atitude vencedora também. O picareta divulgando um esquema revolucionário de marketing multinível, idem. O mais tóxico dos Troys é o bully do empreendedorismo, com suas histórias de terror sobre jornadas de 20 horas diárias e chefes que acordam os subordinados aos gritos às 3h da manhã —mas tudo bem, pois é em nome do PROPÓSITO e da MISSÃO. O lance é tão caricatural que, bem, virou caricatura mesmo.

De forma semelhante, os Gils se apresentam em muitos disfarces. O pelego que elogia a empresa incondicionalmente; o puxa-saco que deixa clara sua admiração pelo chefe; o abnegado sem vida pessoal que comemora a chegada da segunda-feira, sempre pronto para mais um ~desafio~.

Entretanto, o tipo mais comum de Gil é o "profissional-entre-projetos", AKA desempregado. Com a economia rumo a um fundo do poço que nunca chega, os entre-projetos se multiplicam a milhão na rede. Um tipo particularmente patético é o que chamo de Pollyanna do auxílio emergencial. É o camarada que está na merda, chapéu na mão, mas não pode demonstrar seu desespero. Precisa mostrar que o corrente aperto é mais uma oportunidade para ele evidenciar sua (argh) resiliência.

Testemunhei o drama de um desses Pollyannas há pouco — um cara com quem trabalhei por um curto tempo no começo da década passada. Num longo post no LinkedIn, o camarada narrava sua trajetória nos últimos anos: demissões em série, que o obrigaram a depender de frilas cada vez mais incertos. Mas ele amarrava tudo com um desfecho bem auto-ajuda, no qual encarava as provações passadas como "lições” e se dizia pronto pra recomeçar… mais uma vez. E eu só pensei… caralho, tá o cara aí, obviamente numa pior, tentando transformar o desabafo público em um bônus para seu combalido perfil profissional.

Isso não é saudável. Travestir-se de Troy ou de Gil não é saudável.

Essa outra postagem ficou famosa, na semana passada. Eu acho bem triste.

Nossa presença online é um mosaico composto pelas personas que usamos em cada rede — juntas, elas constroem uma “marca pessoal", que promovemos com fotos, vídeos, tiradinhas & chistes, textões, links, likes, compartilhamentos. O desafio é lidar com os sentimentos ruins que as redes podem suscitar, sem que esses sentimentos quebrem a fachada pública que levamos tanto tempo para construir. Mas somos apenas humanos e mais dia, menos dia, a fachada trinca: um desabafo aqui, um bate-boca acolá, um ~cancelamento~ mais à frente.

O LinkedIn então configura-se mais tóxico que todas as outras redes, pois lá não temos o direito a desabafos e bate-bocas. A porção profissional da fachada deve ser a mais imaculada de todas. A pena para quem deixa uma rachadura à mostra lá é mais cruel do que em todas as outras plataformas. Facebook, Twitter et. al. nos permitem demonstrar ansiedade, raiva, tristeza, inveja. Sermos humanos, enfim. No LinkedIn, precisamos ressignificar a ansiedade, transformar a raiva em motivação, empoderar a tristeza e converter a inveja em metas quantitativas.

Tô fora disso.

(Os sabichões devem estar se perguntando qual é o perfil que EU encarno no LinkedIn. Não faço nem a linha Troy, nem a linha Gil, mas recorro de novo ao elenco d’Os Simpsons: estou mais para Frank Grimes, AKA “Grimey", o homem que "teve de dar duro por tudo que conquistou na vida… irritadiço, rabugento e que se incomodava com qualquer coisa”).

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)