RADIOHEAD AO VIVO NA APOTEOSE (20/03/2009)

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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3 min readApr 16, 2018

O Radiohead tá voltando aí, e a massa já anda ouriçada. Eu assisti ao primeiro show que a banda fez no país, na Praça da Apoteose (RJ), e escrevi a seguinte resenha para o Jornal do Brasil, publicada em 22/03/2009.

Eram 22h34 de sexta-feira quando um gaiato na plateia do Just a Fest, ao ouvir as batidas eletrônicas da introdução de “15 Step”, música de abertura do primeiro show do Radiohead no Brasil, exclamou:

— Pô, de novo o Kraftwerk?!

Foi apenas uma piada. Naquela noite, ninguém poderia confundir o Radiohead — que fechava o evento realizado na Praça da Apoteose, depois das apresentações dos papas alemães do krautrock e dos Los Hermanos — com (praticamente) qualquer outro grupo do planeta. Embalado em uma tensão permanente entre a vocação para a melodia, as lições aprendidas da música eletrônica e a complexidade herdada do progressivo dos anos 1960 e 70, o grupo liderado por Thom Yorke deixou clara a razão de ser apontado como o mais vital nome do rock contemporâneo.

Sem falatório com a plateia (tirando alguns “obrigados” extemporâneos”), o quinteto britânico apresentou 25 músicas em cerca de duas horas e 10 minutos, agradando tanto a quem queria ouvir os hits consagrados, quanto aos apreciadores dos difíceis trabalhos que o grupo vem lançando desde Kid A (2000). Dos sucessos, até mesmo “Creep” (primeiro êxito da banda, de 1993), que não costuma mais frequentar os setlists, deu as caras. Veio para encerrar o show, mas pelo menos veio. Antes, ainda houve quatro do megacultuado OK Computer, de 1997 (“Airbag”, “Karma Police”, “Paranoid Android” e “No Surprises”); um único aceno a The Bends, de 1995 (com “Just”) e uma crispada versão de “There There” (de Hail to the Thief, 2003). Todas cantadas em uníssono pelo público, com direito a uma coda puxada por Yorke, à capela, em “Karma Police”.

Em cada uma dessas canções fica clara a capacidade do Radiohead de unir a grandiloquência melódica de um (digamos) U2 com um inegável elemento de desconforto nas letras enigmáticas e na performance de Yorke — que saracoteia, sacode a cabeça, faz caretas e emite vocais genuinamente desconsolados. É difícil não se convencer de sua angústia terminal em “No Surprises” ou de sua raiva em “Just”.

O outro lado da moeda são as faixas desconstruídas de Kid A, Amnesiac (2002) e In Rainbows (2007), mais recente trabalho do grupo, cujo repertório dominou o set. “Weird Fishes/Arpeggi”, “House of Cards”, “Jigsaw Falling into Place” e “Bodysnatchers”, todas do último álbum, aterrissaram no palco replicadas em todos os detalhes (os roadies não para de trabalhar trocando instrumentos, o que garante que os complexos arranjos dos discos soem idênticos ao vivo). O estranhamento pela falta de estruturas reconhecíveis não detém a cantoria da massa. Já no bis, “Everything in Its Right Place” entrega o que promete: versos crípticos, texturas sonoras inusitadas, uma melodia memorável e um arranjo simples mas enigmático. Tudo em seu devido lugar.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)