TOP 10: OS MAIS IMPORTANTES DISCOS DO INDIE BRASILEIRO

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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10 min readAug 22, 2019

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Publicado originalmente em março de 2015.

Indie rock brasileiro. O que é? Como se comporta? Qual é sua motivação? Esta noite, não no Globo Repórter, mas na Audio Rebel, na Casa do Mancha, na Obra, em qualquer canto onde haja garotos e garotas que prefiram o Velvet aos Beatles, o Lado B ao Top 20 Brasil e o cult ao sucesso de massa, que já foram chamados de “modernos”, “guitar”, “alternativos” e finalmente “hipsters”, mas que nunca deixaram de ser o que são: indies. O termo indie, aqui, não define toda e qualquer banda independente. É preciso compartilhar de uma determinada estética, de uma determinada fé em certos ícones e paradigmas (sonoros, visuais, comportamentais) que definem uma “visão indie” de mundo. Não é preciso uma descrição mais detalhada. Quem é, é; quem não é, sabe reconhecer.

Se só há sentido para a existência de um rock “alternativo” quando há um rock mainstream para ser desafiado, então o nosso indie rock não pode existir — já que o mainstream roqueiro brasileiro naufragou há tempos. O indie rock brasileiro é um paradoxo, uma abstração, uma religião quase sem seguidores que só existe para os poucos que acreditam nela. Por muito tempo, as bandas foram motivo de piada, por conta de sua falta de originalidade, seu semiamadorismo técnico, sua alienação e seu deslumbramento. Cantar em inglês? Usar roupas de couro? Sonhar com Londres e Nova York enquanto carregava um amplificador pra dentro de um ônibus, rumo a Pendotiba? Ah, qualé.

Mas tudo evolui, tudo amadurece, e o indie rock brasileiro também. Da heroica pré-história fermentada no cenário independente paulistano dos anos 1980 ao apogeu corrente, o indie brazuca foi botando o pé no chão, perdendo a frescura, passou a cantar em português (não que haja qualquer coisa errada com o inglês), expandiu seu apelo com a ajuda da internet. Tornou-se um pouco mais gente como a gente. Ainda que continue a ser, por definição, um estranho no ninho.

A lista que segue é um Top 10 histórico-sentimental do indie rock brasileiro. Tento apontar os 10 discos mais significativos produzidos no gênero, buscando fazer uma arqueologia e uma análise de sua evolução. A ordem dos discos é cronológica. E já peço desculpas às trocentas bandas relevantes para o estilo que não couberam aqui, ou das quais simplesmente me esqueci.

1) Outsider — Maria Angélica Não Mora Mais Aqui (1988)

Se considerarmos indie rock, grosso modo, como “som de guitarras fundamentado na linhagem iniciada por Velvet/Stooges/MC5 e que nega, por princípio, qualquer influência de música brasileira”, pode-se dizer que o disco fundador da estética no Brasil é o primeiro álbum do MANMMA, banda capitaneada pelo dublê de dândi e crítico musical Fernando Naporano. Um dos jornalistas da fase inicial da revista Bizz, Naporano era um entusiasmado entusiasta que defendia, com entusiasmo, as novidades da parada indie britânica, esmerando-se, entusiasticamente, em criar adjetivos e subgêneros para classificar suas paixões. O Maria Angélica alinhava-se à geração britânica Class of 86, com um pé na fixação regressiva sessentista e outro na agressividade punk (o disco inclui um cover de “I Don’t Mind”, dos Buzzcocks). Em seus defeitos e qualidades, a banda sintetizava o Brazilian indie way of life do final dos anos 80/começo dos 90: cantava em inglês, não primava particularmente pela originalidade e tinha, em Naporano, um frontman que caprichava no visual e que não cantava chongas. Ainda assim, é inegável que o disco trazia uns rocks supimpas, como “Hotel Hearts” e “Another Day”.

2) Time Will Burn — Pin Ups (1990)

Naporano & o Maria Angélica podem ter chegado antes, mas os Pin Ups foram a definitiva banda indie brasileira da primeira metade da década de 1990. O vocalista Luiz Gustavo ostentava uma bela franja e subia ao palco usando calças de couro. A tipografia da capa do disco imitava a de Playing With Fire, do Spacemen 3. Tinham todas as referências certas e não fariam feio no cenário britânico da época, junto a nomes como Telescopes, Loop e os citados S3. O som do disco é meio anêmico, sem dúvida por conta da falta de recursos/falta de produtores locais sintonizados com a proposta da banda. O trio fazia o possível, dadas as condições, para emular os Stooges (“The Groover”), o Mary Chain (“Sonic Butterflies”) e o Mary Chain emulando o Velvet (“Hard to Fall”). Continuariam pelos anos 90 e 2000 adentro, aditivados pela marcante presença da baixista e vocalista Alê.

3) You — Second Come (1993)

A vida não era fácil para as bandas indies cariocas há 20 e tantos anos. Depois de desfazer o gótico/pós-punk Eterno Grito, Fábio Leopoldino montou o SC em 1989, e o grupo logo foi apelidado de “Cê Come Homem?” Bandas brasileiras que cantavam em inglês simplesmente não tinham espaço na mídia e precisavam se virar entre estúdios toscos e casas de shows mais toscas ainda. (Lembro de ter quebrado DOIS óculos em dois shows diferentes do SC, um no Circo Voador e outro no Garage.)You, álbum de estreia lançado pelo selo Rock It!, foi gravado em escassas 72 horas e trazia algumas das melhores músicas das três demos do grupo (na época, disputadas a tapa) como “Run Run”, “Perfidiousness” e “Ten Fingers”. “I Feel Like I Don’t Know What I’m Doing” chegou a alcançar alta rotação na rádio Fluminense FM e o álbum ainda trazia uma inspirada cover de “Justify My Love”, de Madonna. Melodias pop e guitarras zoadas deixavam a banda num território próximo ao habitado por Sonic Youth e Yo La Tengo. Consta nos autos que Kurt Cobain, em sua vinda ao Brasil, teria ouvido o Second Come e elogiado bastante os caras. Gravariam mais um disco (Superkids, Superdrugs, Supergod and Strangers), que quase ninguém ouviu, e pouco tempo depois o líder Fábio montaria o igualmente seminal Stellar — uma intoxicante mistura de psicodelia, melodia e noise que alguns apontam como precursora do post-rock brasileiro. Em 2009, aos 46 anos, Fábio morreu, vitimado por um enfarte.

4) Bingo — Cigarettes (1997)

Já vivíamos outro momento. A estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real permitiu que o incipiente circuito alternativo (bandas, zines, revistas, selos, casas) ganhasse mais força. Os CDs importados já não eram tão absurdamente caros e gravadoras grandes passaram a dar uma colher de chá, lançando por aqui algumas novidades menos óbvias. Eventos grandes como a Expo Alternative punham em evidência a produção cultural à margem do mainstream e o Free Jazz Festival (depois Tim Festival) começava a trazer alguns artistas que antes não chegavam ao Brasil. Ainda assim, a situação não era moleza pra quem insistia em cantar em inglês. O advento do manguebeat e de bandas como Raimundos gerou a modinha das “influências brasileiras”, e por um certo período, parecia que as gravadoras e as rádios só se importavam com bandas que colocassem um pandeirinho ou uma zabumba entre as guitarras. Nesse cenário agreste, surge Marcelo Colares, o Dom Quixote do indie rock brasileiro. Oriundo da cidade de Itaperuna, noroeste fluminense, montou o Cigarettes para, literalmente, chorar suas pitangas em canções sobre timidez, garotas, drogas, depressão e solidão. Suas duas demotapes provocaram furor na indie scene local. O problema é que tratava-se de uma banda-fantasma: não tinha formação fixa e praticamente não tocava ao vivo. O sonho do primeiro CD foi realizado com galhardia em 1997. Bingo continha regravações dos hits (sic) da fase cassette e cinco canções inéditas. Para alguns (quer dizer, pra mim), as novas versões não ficaram à altura dos registros originais, apesar da melhor qualidade sonora. Mas, como as demos se perderam no tempo — e mesmo o CD hoje é uma raridade Bingo conta com as versões definitivas dos clássicos “You Gonna Make a Movie”, “Friendship”, “Naturally Sad”, “The Beauty of the Day” e “Junk”. E mesmo com todas essas belezas, o ponto alto do disco era uma das inéditas, a linda “Under Lights”. Longe de serem defeitos, a fragilidade da voz de Colares e a performance instrumental quase diletante acrescentavam um charme extra ao resultado. Os Cigarettes não decolaram porque seu líder nunca pôde se dedicar full-time ao projeto, por atribulações profissionais e/ou emocionais e/ou psicológicas. Aos trancos e barrancos, lançou um segundo CD (All Is Well) em 2005, um vinil homônimo em 2012, além de dois EPs no meio tempo. Em 2015, saiu o quarto CD, The Waste Land.

5) Stress, Depressão & Síndrome do Pânico — Autoramas (2000)

A estreia dos Autoramas representa, em mais de um sentido, um marco importante no caminho do cenário indie rumo à maturidade e à profissionalização. Formado por três veteranos (Gabriel, ex-Little Quail, Simone, ex-Dash, e Bacalhau, ex-Planet Hemp), o trio tocava bem, apostava em letras bem-humoradas e mantinha uma postura de palco para lá de assertiva e autoconfiante — um contraste brutal com a introspecção tristonha dos grupos anteriores. Além disso, a banda chegou uma atitude 100% pragmática e do-it-yourself em relação ao mercado, correndo sem parar atrás de shows e produzindo seu próprio merchandising. O som: uma adrenalinada mistura de new wave, punk pop e surf music. A primeira impressão que a maioria das pessoas teve dos Autoramas foi com uma música em inglês (“Catchy Chorus”), mas o resto do álbum era todo em português, e as letras faziam uma tremenda diferença, como pode se conferir em “Fale Mal de Mim”, “Carinha Triste” e “Autodestruição”: hilárias e ao mesmo tempo sagazes e perceptivas. Foi uma fase em que várias outras bandas (Low Dream, Brincando de Deus, Grenade, Astromato) começavam a consolidar sua presença, deixando para trás os estigmas antes associados ao indie.

6) Peninsula — PELVs

Os cariocas da PELVs têm uma das trajetórias mais peculiares da história do indie BR. Começaram de maneira pouco animadora, imitando de forma descarada o Dinosaur Jr.: era a fase do primeiro disco, Peter Greenaway’s Surf (1993). Ao chegarem ao segundo trabalho, Members to Sunna (1997), mesmo ainda derivativos (pense em Pavement e Yo La Tengo), tinham apurado as melodias e a performance. Só no terceiro LP, que sairia apenas em 2001, atingiriam a plenitude. Refinando uma influência praieira que vai muito além dos clichês da surf music, os caras lascaram uma verdadeira compilação de clássicos em potencial, com destaque para “Even If the Sun Goes Down, I’ll Surf”, “Backdoor” e “The New One”. Apesar de, aparentemente, ainda serem uma banda indie à moda antiga — semiprofissionais, cantando em inglês, etc. — transpiravam uma atitude relaxada e nem um pouco pretensiosa, como se admitissem as próprias idiossincrasias e entendessem que, mesmo sendo aparentemente alienígenas, não deixavam de fazer parte do cenário pop nacional. Continuam ativos até hoje, fazendo shows de quando em nunca.

7) Golden Hits by… — Thee Butchers’ Orchestra (2001)

Lembro da empolgação que senti ao assistir a meu primeiro show do TBO. Porra, banda indie brasileira com GUITARRAS ALTAS, BERROS ENSANDECIDOS, POSTURA DE PALCO MACHA. Nunca antes na história deste país! Não importava que o som fosse, no fundo, um decalque meio safado da onda neo-garageira que se propagava nos EUA há alguns anos. Era uma chacoalhão verdadeiro no cenário, que ainda vivia sob a sombra meio tristonha do rock inglês. Golden Hits by… capturou o trio (duas guitarras e bateria, sem baixo — EXATAMENTE como o Jon Spencer Blues Explosion) em seu apogeu. Para quem não teve a chance de vê-los ao vivo, o disco é um retrato fiel, na medida do possível. Foi o auge de uma nova onda de grupos mais pesados e agressivos, que retomavam as influências originais do rock alternativo, como Stooges e MC5, alguns cantando em português (Walverdes, Retrofoguetes) e outros em inglês (MQN, Forgotten Boys). O vocalista Adriano Cintra, como todos ainda devem se lembrar, realizou o sonho de nove entre 10 indies colonizados: fez sucesso na metrópole (Londres) comandando o Cansei de Ser Sexy, uma brincadeira esperta que divertiu (e enganou) muita gente… enquanto durou.

8) Superguidis — Superguidis (2006)

Chegávamos enfim à segunda geração do indie brasileiro, uma leva de grupos que não via contradição entre o decalque do rock alternativo estrangeiro e a tentativa de fazer contato com o público brasileiro. O quarteto gaúcho, que começou inspirado pelo grunge (quando ainda se chamavam Dissidentes), virou o leme para sons mais alternativos ao mudar de nome, apostando em canções pop bem construídas e distorções “controladas”, prenhes de potencial radiofônico. Potencial não realizado, dada a caretice de nossas FMs. Os vocalistas/guitarristas Andrio e Lucas conquistaram o coração de Fernando “Senhor F” Rosa, que lançou os três discos do grupo por seu selo. O disco de estreia representa o elo perdido entre a opção pelo hermetismo alternativóide, típica da geração dos anos 1990, e a cuca fresca da juventude que cresceu baixando MP3 da internet.

9) Tribunal Surdo — Violins (2007)

Já não era proibido cantar em português. Já não era probido ignorar a realidade brasileira, progressivamente mais feia. Já não era mais possível ignorar o cenário roqueiro da região Centro-Oeste, que pululava de artistas interessantes e eventos mobilizadores. Este foi o contexto que produziu o Violins, ex-Violins and Old Books, uma das bandas que melhor utilizou as então incipientes redes sociais para criar um sólido séquito de fãs. Com uma sonoridade pesada mas complexa, que já incorporava influências mais recentes como o Radiohead, Sunny Day Real Estate e Muse, o grupo liderado por Beto Cupertino equilibrava-se, em seu segundo álbum, entre melodias cativantes e letras muito contundentes. O efeito era desconcertante, como na imortal “Grupo de Extermínio de Aberrações”: os vocais soavam doces e assobiáveis, até que o ouvinte prestar atenção em versos como “E eu garanto que seus filhos agradecem por crescer / sem ter que conviver com bichas e michês, discípulos de Che e pretos na TV”. O disco todo segue nesse fio da navalha, mordendo e assoprando e mostrando que havia vida possivel no rock alternativo brasileiro fora da avassaladora influência dos Los Hermanos.

10) Quarup — Lupe de Lupe (2014)

Entre 2007 e 2014 aconteceu muita coisa no mundo da música. A internet consolidou-se como via preferencial de contato entre artistas e público. O CD virou um souvenir desprezado e o vinil voltou à moda. A indústria fonográfica tradicional, antes almejada, luta para sobreviver, enquanto novas formas de comercialização e financiamento de música ascenderam. E o rock no Brasil, como um todo, encolheu assustadoramente de tamanho. Como o indie rock deve se comportar diante disso tudo? A resposta está em Quarup, segundo full-length da banda mineira Lupe de Lupe, que atingiu o balanço exato entre a sujeira, o apelo popular e a visceralidade artística. Mas eu discorro mais longamente sobre o disco aqui.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)