TOP 10: RAZÕES PARA AINDA AMAR ‘Seinfeld’

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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5 min readMay 14, 2018
The Fab Four: da esquerda, George (Jason Alexander), Elaine (Julia Louis-Dreyfus), Kramer (Michael Richards) & Jerry (ora, bolas)

Em 2002, escrevi este texto para a revista Rock Press. Neste dia 14 de maio de 2018, os fãs do seriado celebram os 20 anos do episódio final do seriado — ainda hoje, o melhor sitcom da história da TV, na minha opinião e na de muita gente.

Dez razões pelas quais Seinfeld ainda é, cerca de cinco anos depois de sua temporada final, o melhor sitcom no ar na TV — aberta ou paga — e obviamente o melhor de todos os tempos:

10. É o único sitcom que honra o nome do gênero e não se baseia em piadas, e sim em situações. “Como assim?”, perguntaria você. A graça de Seinfeld não deriva de um punch-line, de um texto intencionalmente cômico, e sim da interação entre os personagens, das marcas específicas de suas personalidades e dos rolos nos quais eles se metem. (Lembra o que significa sitcom? É situation comedy, comédia de situação.) Noventa e nove por cento dos outros (ditos) sitcoms buscam o riso com piadas, não com as situações apresentadas no roteiro. Não que não haja piadas, e ótimas, nos episódios. Mas elas soam como devem soar; como piadas num bate-papo entre amigos. E não como muletas para a falta de conflito cômico entre os personagens.

9. Tudo isso leva à próxima razão, o próprio conceito do seriado: “um show sobre nada”. É tão óbvio! Todo sitcom deveria ser, por definição, sobre o nada. E na verdade quase todos acabam com um resultado bem próximo… a nada. É preciso real gênio cômico para inventar, toda a semana, assuntos acachapantemente engraçadas sobre a falta de assunto. O pior é que, olhando a fundo, o show é sobre tudo, menos sobre nada. A maioria dos roteiros de Seinfeld tem tantas voltas, tantos imbróglios entre os personagens e tantas situações bizarras que não ficam devendo às mais complicadas tramas de filmes noir. E tudo isso em apenas vinte e dois minutos, descontando os comerciais e os créditos!

8. Nunca há uma moral, engrandecimento pessoal ou qualquer outra baboseira do tipo ao final dos episódios. Nada pode ser mais irritante do que esses sitcoms “família”, no qual os personagens (e, espera-se, o público também) aprendem alguma significativa “lição de vida”. Seinfeld não tem nada disso. Não se aprende nada na série a não ser cretinice, cinismo e avacalhação. Melhor ainda, quase sempre as sacanagens do quarteto principal se voltam contra eles ao final. Assim não é muito mais engraçado?

7. A série foi talvez a única que saiu do ar no absoluto pico de sua forma. Geralmente, os seriados cômicos acabam quando o sucesso vai escasseando, conseqüência da queda na criatividade do show. Seinfeld, ao contrário, exibiu alguns dos melhores episódios de sua história em sua nona e última temporada. Quem não lembra daquele do casamento na Índia, narrado de trás para frente? Ou aquele em que Kramer monta um cenário de talk-show em sua sala de estar? E o infame episódio da parada do Dia de Porto Rico? Todos esses foram ao ar na temporada final. E como todos lembram, o show estava no auge de sua popularidade, tanto que o episódio final se tornou um dos campeões de audiência na história da TV americana.

6. Esta razão é conseqüência direta da razão nº 9: a marra e o senso de timing da série. Contrariando zilhões de fãs mundo afora e desprezando uma oferta de US$ 5 milhões por episódio, Jerry Seinfeld se recusou terminantemente a continuar com o seriado, para poder se despedir na crista da onda. Tivesse ele capitulado e aceito a bolada, será que o seriado conseguiria manter o nível de qualidade? Nunca saberemos, mas para que correr o risco? Assim ficamos todos apenas com boas lembranças da série. E nem pergunte a ele sobre a possibilidade de um comeback.

5. O elenco, que tinha uma química ainda não igualada na história da TV. Julia Louis-Dreyfus, Michael Richards e Jason Alexander formavam uma trinca insuperável de genuínos mágicos da comédia, e tinham suas magníficas atuações contrabalançadas pela cara-de-pau do próprio Seinfeld — que não era tão bom ator quanto eles, mas que convencia (e muito) vivendo uma versão ultracínica, infantilóide e individualista de sua própria vida. E nem me fale sobre o elenco de apoio — talvez só o dos Simpsons supere o de Seinfeld em termos de figuraças inenarráveis. Wayne Knight (Newman), Jerry Stiller (Frank), Heidi Swedberg (Susan), Len Lesser (Tio Leo) John O’Hurley (J.Peterman), Ian Abercrombie (Mr.Pitt), Patrick Warburton (Puddy)… A lista poderia correr por horas.

4. Os loucos nomes dos amigos do Kramer. Lomez. Bob Saccamano. Crazy Joe Devola. Slippery Pete. Aliás, o próprio primeiro nome de Kramer, que ficou em segredo por várias temporadas: Cosmo.

3. A quantidade de expressões memoráveis derivadas dos episódios. Perdoem-me se vou soar pedante, mas prefiro citar tudo no original mesmo. Quem conhece a série vai reconhecer. “Master of your domain”. “Yada, yada, yada”. “Serenity now!”. “Giddyup!”. “Festivus, a fest for the rest of us”. “No soup for you!”, “WHO?! WHO DOESN”T WANT TO WEAR THE RIBBON?!” E por aí vai.

2. Uma teoria pessoal minha pode explicar o fenômeno da popularidade de Seinfeld ao longo dos anos 90. É que o seriado representou e muito bem a mentalidade do jovem adulto urbano da década que passou — imersa em egoísmo, inconsequência e imaturidade. É um olhar totalmente corrosivo sobre as piores características da geração X e da incapacidade de se manter um relacionamento sadio, porque as pessoas estão cada vez mais apaixonadas por si mesmas. Além disso, o seriado faz uma caricatura (muito exagerada para efeito cômico, mas ainda assim acurada) do individualismo próprio do nova-iorquino — a cidade na qual “todo o cidadão tem o direito constitucional de tratar seu semelhante como lixo.” É claro que Seinfeld nunca sequer pensou em organizar essas idéias em alguma forma de “tese” ou “retrato de uma época”. Graças a Deus (leia a razão 9).

1. George Louis Costanza. Possivelmente o mais desprezível, mesquinho, baixo e neurótico personagem já concebido na dramaturgia ocidental. Você tem que amar um seriado que doa ao mundo da ficção um personagem como este.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)