TOP 10: THE FALL.

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
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5 min readJan 24, 2018

(Escrevi este texto há algumas semanas e o engavetei. Desengaveto agora, diante da triste notícia da morte de Mark E. Smith. RIP.)

Cês sacam Beatles, né? Beatles, pô. Aquela banda que não apenas é a mais adorada & popular da história do rock, mas também a mais reverenciada pela inteligentzia crítica. Pois é. Existem OS BEATLES, aqueles que todo mundo curtem, e os Beatles particulares de cada um. Explico o conceito: é aquela banda/cantor/cantora que SÓ VOCÊ acha uma das mais (ou talvez A MAIS) importante. Aquele artista que a maioria das pessoas não conhece, que nunca fez muito sucesso, que nem sempre agrada à crítica, que nunca foi unanimidade — mas que, no SEU cânone pessoal, está lá no topo, emparelhado aos gigantes. Todo mundo que gosta de música pra valer tem ao menos um “Beatles particular”. Às vezes mais de um. (Deu pra entender? Se não deu, manifestem-se nos comentários e eu tento explicar melhor.)

O meu “Beatles particular” é o The Fall. Acompanho o grupo desde os anos 1980, quando o clipe de “Mr. Pharmacist” começou a rolar nas nossas telinhas pré-MTV, a Bizz elogiava a banda sem parar e a gravadora Stiletto/Eldorado lançou, em 1987, o álbum Bend Sinister, o primeiro que escutei e até hoje meu favorito. Sabe quando você ouve um troço e o negócio simplesmente… encaixa? Os caras não tocavam bem, o vocalista não cantava bem, as letras eram incompreensíveis, mas para mim, era daquele jeito que o rock deveria ser, sempre. Eu comecei a gostar de Pavement porque o Pavement no começo imitava o The Fall. Eu comecei a gostar de LCD Soundsystem porque o James Murphy cantava falando e sacaneava o sotaque do Smith (“I’m losing my edge-a”). Quando Chico Science sampleou a voz do Smith, eu (e mais ninguém, pelo menos na época) percebi.

A paixão instantânea pelo grupo de Mark E. Smith nunca arrefeceu. Venho tentando nos últimos 30 anos, aos trancos e barrancos, completar a enorme e extremamente irregular discografia da banda — tarefa hercúlea e inglória, 32 álbuns de estúdio, uma caralhada de discos ao vivo e coletâneas, isso tratando-se reconhecidamente de uma banda cuja fase áurea já passou há tempos. Na volta de uma recente viagem ao exterior, trouxe nada menos que seis CDs do grupo, todos do fim dos anos 1990 pra cá. Nada memorável, uma ou outra grande música perdida em meio a discos fracos. Mas foda-se. Cada CD ou vinil do The Fall que entra na minha estante é uma vitoriazinha pessoal, a paixão fanática falando mais alto que o bom senso. (Na última conta, faltava uma meia-dúzia de oito ou nove pra completar a discografia de estúdio.)

A ideia de escrever este post foi inspirada por meu amigo Fernando Rocha, que, sabedor de minha obsessão pelo grupo, vivia me pedindo dicas sobre por onde começar a se aventurar por essa pantanosa carreira. Então pensei em escrever um pouquinho sobre minhas dez músicas favoritas do The Fall. Dado o tamanho da obra da banda, seria impossível fazer uma análise tão ampla quanto a que fiz sobre a Legião Urbana, então fiquei só no Top 10 mesmo. Vai que alguém mais acha o guia útil e encontra, afinal, seus Beatles particulares também?

10) “Hip Priest” (Hex Enduction Hour, 1982): uma das canções-chave do disco que inaugurou a grande fase da banda. Depois de alguns álbuns dando cabeçadas em busca de uma identidade, “Hip Priest” sintetiza bem o momento de transição: longa, desestruturada, incoerente, com Smith soltando os cachorros (“HIP! HIP! HIP!”) sobre uma base instrumental que incorporava alguns tropeços de execução. Experimente: se conseguir passar incólume por essa, é um sinal de que o The Fall pode ser uma banda pra você.

9) “Hey! Luciani” (single, 1986): o mais perto que o The Fall chegou de fazer um single pop convencional? A cadência da falação de Smith até se aproxima de uma melodia cativante! E há até um refrão cantável! GASP!

8) “Big New Prinz” (de I Am Kurious Oranj, 1988): dê ao The Fall uma linha de baixo e eles moverão o mundo. Sublinhado pela guitarra marota de Brix Smith, o baixo de Stephen Hanley (um dos mais duradouros escudeiros de Mark) é uma das marcas registradas da banda no auge de seus poderes.

7) “Telephone Thing” (de Extricate, 1990): ora, todo mundo estava tomando ecstasy, fazendo remixes e frequentando raves. Por que o rabugento Mark E. Smith não poderia embarcar na canoa? Com seus baixões ganchudos e suas batidas retas, o The Fall sempre teve um potencial para a dance music (a depender, claro, de seu conceito de “dance music”). O que a turma do Coldcut (produtores da faixa) fez foi apenas aparar as arestas e deixar o essencial: um baixo gigante, um wah-wah, um loop de bateria e Smith grunhindo.

6) “Ouverture From I Am Kurious Oranj” (de I Am Kurious Oranj, 1988): lembro até hoje do arrepio que sentia quando essa música tocava na Rádio Fluminense, em fins da década de 1980. É uma das introduções mais marcantes da discografia da banda; uma levada melódica e até convencional para o grupo, que segura uma canção 98% instrumental.

5) “Hexen Definitive/Strife Knot” (de Perverted by Language, 1983): o maior momento de um dos grandes discos da banda. Minimal, indecifrável, a canção se alimenta de um riff circular repetido ao infinito. Quando parece que vai mudar a marcha… não muda, só entra o baixo para fazer o contraponto. Definitiva, sem dúvida.

4) “Gross Chapel-British Grenadiers” (de Bend Sinister, 1986): monumental encerramento do lado A do melhor disco dos caras. Mostra toda a capacidade do grupo de usar pouquíssimos elementos para criar canções dinâmicas e intrigantes. A banda comete erros perceptíveis em vários momentos e isso não atrapalha a música nem um pouco.

3) “The Classical” (de Hex Enduction Hour, 1982): esta merece o título que tem, hein? Era o The Fall de várzea, o The Fall moleque, o The Fall de raiz, o The Fall com dois baixos e duas baterias ao mesmo tempo e Smith esbravejando aos céus sobre… porra, sei lá sobre o quê. Meu momento favorito é quando a voz dele se esgarça no segundo gritinho de “KILL IT, KILL IT!”. O Pavement gravou uma versão inferior.

2) “Cruiser’s Creek” (single, 1985): imagine que, um dia, Mark E. Smith chegasse pra ensaiar e dissesse ao The Fall: “Ok, caras, vamos fazer uma música tipo B-52’s. Mas do nosso jeito”. Claro que não deve ter sido assim que aconteceu, mas mesmo assim… A letra fala de uma festinha-da-firma que é interrompida bruscamente por um vazamento de gás que causa uma explosão fatal. Material ideal para um hit single, né? Não?!

1) US 80’s-90’s” (de Bend Sinister, 1986): Smith falando sem parar (“No beer, no cigarettes, spikes, gin, cigarettes, whisky”) e sacaneando os Estados Unidos, o baixo abalando os alicerces, a bateria cavalar, um anti-refrão no centro de tudo. Essa música entrou na minha cabeça em 1988, quando eu comprei minha cópia deste LP, e ainda está lá, e nunca sairá. Isso é o melhor que o The Fall teve a dar ao mundo.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)