Tem Um Cara Aqui Em Casa- Parte 7

Xico Mendes
Tem um Cara Aqui em Casa
5 min readAug 11, 2022

A partir de agora, nossa saga será quinzenal, tudo bem?
Visto que não tenho lá um séquito de seguidores à lá Paulo Coelho, acho que tá bom né, rs?

Assim sendo, sigamos.

Acomodado na cadeira daquele bar em Pestana (subdistrito de Sonhos)pedi à atendente, minha ex-chefe dos tempos de vendedor, que me trouxesse uma coca-cola com gelo e limão em copos separados, e uma dose de Rum.

Pedido à mesa, preparava meu drink quando reparei, entrando por uma porta ao lado das portas do banheiro, com uma guitarra no ombro, um cara que me era familiar. Não lembrava de onde, mas o conhecia. Ele é o primeiro a chegar no espaço onde estavam montados os equipamentos, mas que não podia se dizer que era um palco.

Como de praxe em todo músico, ele põe a guitarra em um suporte bem posicionado longe do inabilidade de qualquer bebum e vai ao balcão pedir para que desligassem o som ambiente, que na ocasião tocava Enya (o que internamente agradeci).

Você deve ‘tá se perguntando aí, mas Enya em um bar?
Cara pálida, isso é uma viagem onírica, não queira pensar em sentido, NADA faz sentido em situações como essa.

Na volta do balcão o cara me nota, e vem em minha direção com um sonoro: “JUNIN!”, me fazendo parar o que seria meu primeiro gole no drink.
Aqui vale explicar a quem me lê que Hilton, Junin, Xico… isso tudo aí sou eu. Não por vontade própria, mas meus núcleos de amizade fizeram de mim uma versão barata de Fragmentado, no quesito alcunhas.
Portanto, caso mencione a mim com apelidos diferente, não se espante… essa é minha vida.

Me levantei para cumprimentar, sabendo que conhecia de algum lugar, mas não lembrava de quando e onde e isso não dava para esconder em minha face, precisando de esforço do camarada.

- Tá lembrado de mim não?
Joel, pintor, amigo de seu pai que morava do lado da casa de vocês no bairro Goyá quando você começou a tocar!

- Ah, caraleo! Cê tinha a coleção do Twisted Sisters! Que massa te ver aqui! Mas, cara como Cê me reconheceu? Não te vejo desde 92’.

- É que eu frequento aqui e já tenho o domínio da memória atualizada.
Uma hora Cê aprende, tá novo ainda.

- Mas, bicho, não lembrava que você tocava naquela época ou Cê começou depois?

- Junin', quando venho pra ‘cá, depois que peguei as manha’, eu faço o que quiser.
Toco, piloto avião….cê mesmo provavelmente já deve ter feito algo assim aqui, praticar algo que quando acordado não faz.
Só que não tem o domínio. Eu, sim. Tanto que agora acabei de mandar uma mensagem pra trocarem um dos caras que ia tocar comigo, assim que te vi.

- Como assim? WhatsApp? Nem relou a mão no celular, mano!

- Ahahaha… bem se vê, coisa de principiante.
Logo Cê aprende, senta aí e toma seu Cuba libre, tenho que passar o som rapidinho aqui porque já já chega a surpresa aí procê!

- Beleza, manda vê lá!

Me sentei e segui as recomendações de Joel. Olhei para porta que dava acesso à rua enquanto Joel sonorizava o ambiente com seus: Ei, A, Som, tesssste,
e do nada, do nada mesmo, a rua daquele lugar pacato começou se movimentar.
Uma galera entrava no bar, pegava uma bebida e ficava lá fora deixando a parte de dentro incrivelmente confortável visto que do lado externo lotou em segundos.
Olho para o espaço dos equipamentos, um tecladista, um baterista com máscara de Mister M e uma backing vocal se posicionavam ao lado de Joel.

Volto o olhar para a porta da rua e percebo uma movimentação abrindo caminho entre as pessoas, que se afastam em silêncio com seus olhares admirados para o lado esquerdo.
Um cheiro de Sálvia toma conta do ambiente, precedendo o ingresso de um senhor com seus 1,80m, cabelos grisalhos e simpáticos: Hellos e Hi’s lançados a todos ali, que retribuíam com o olhar de admiração cada vez mais reforçado, tornando rostos atônitos em sorridentes no mais alto e puro riso bobo.

O nobre senhor passa em frente a minha mesa, e se dirige a mim — agora catatônico com o copo parado na boca e a bebida igualmente travada — em bom português, com sotaque Goiano e tudo:

- E aí, Junin? Anota tudo aí! Joel disse que você é um admirador do meu trabalho, vim por isso, mas é correria companheiro!
Have fun! (já voltando a seu idioma, com sotaque e tudo, rs)

Incrédulo, ressalto que caso não leiam esse relato, será um desperdício, porque fiz a passagem dormindo, mas caso leiam, tenham a certeza: rolou uma parada cardíaca.

Sir Paul McCartney, ali, a menos de dois metros de mim tocando com o Joel, pintor de autos, amigo de meu pai e de JA-MES- PA-UL-MC-CART-NEY!

É real, juro pro 6!

Cadê o lazarento do Estones mano?
Cadê alguém? Ah, foda-se vou prestar atenção!

O batera faz a contagem com chocalho junto às baquetas em uma das mãos, faz uma virada, e Paul canta em português:

Quero te dar um pedaço meu
mas, não sei se vale a pena
dividir contigo o tumulto que carrego comigo
assim desde sempre

Não sei se reparou em meus pulsos
não uso relógio pra não ter mais problemas
É que em um segundo me distraio
e perco o caminho de volta pra casa

Então, fodam-se todas as horas
quero aproveitar o espaço
que me cabe em você
Então, fodam-se todas as horas
já que te dei meu pedaço,
quero mais de você,
e de mim aí do lado esquerdo do peito

Quero descobrir um desvio
E te encontrar assim, de repente
Um susto pra curar o soluço
e pela lei do retorno,
um belo tapa na cara

Isso não seria motivo
pra te detestar ou algo até parecido
O vermelho logo passa
e o que quero mesmo é ir pra casa contigo

Então, fodam-se todas as horas
quero aproveitar o espaço
que me cabe em você
Então, fodam-se todas as horas
já que te dei meu pedaço,
quero mais de você,
e de mim aí do lado esquerdo do peito

Daí pra frente, eu não consegui memorizar mais nada, apenas absorvi cada acorde, cada frase como se fossem injetadas e parassem diretamente em meu cérebro cada uma das canções tocadas ali, e acompanhadas a plenos pulmões pelo público que só se multiplicava lá fora, cantando TUDO e tomando aquelas ruas e o ambiente de uma felicidade que nunca senti, nem em Sonhos… tum dum tss!

No meio da última música, eu em êxtase num provável 28º copo de Cuba sou cutucado no ombro, me viro e era Estones.

- Tá feliz?

- Que Cê acha?

- Espera acabar a música, porque tem mais surpresa.

Eu me viro, tremendo, chorando de alegria e o batera tira a máscara.

Meu primo, Wei (que tocava comigo em minha primeira banda) rindo da minha cara vermelha de chôro, emoção….felicidade.
Eles acabam, Paul faz uma tonelada de piadas sobre minha reação, as pessoas riem, eu rio e choro, e meu primo vem até mim.

Num abraço longo ele diz:
- Segue, agarra com força que é seu, tá tudo aí!

Terminado o abraço olho para Estones, com cara de espanto e medo, e quando me viro de volta para o palco, ninguém mais está ali.
Lá fora, gritos vindos da multidão se dispersando, sob marchas e gritos de ordem.

Continuará

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Xico Mendes
Tem um Cara Aqui em Casa

Musico prático desde o milênio passado e amante da arte de contar potoca!