Intolerância digital
A democratização da internet e o mundo globalizado conseguiram criar uma plataforma para todo e qualquer tipo de mídia, e para os mais diversos públicos. Apenas esse motivo já justifica as coisas mais bonitas e também a escória que escorre em comentários e textos de opinião.
Ora, a diversidade de opiniões é importante para que o debate aconteça, mas os extremismos, a falta de aprofundamento e o amplo acesso prejudica a veridicidade do digital. E não deveria.
A internet é uma plataforma muito parecida com a realidade. Assim como no cotidiano, o que acontece é resultado de visões políticas e escolhas feitas anteriormente por outros indivíduos/usuários. Esse reflexo não pode ser deixado de lado quando olhamos para o meio digital. Afinal, bullying não é menos prejudicial quando é cyber bullying.
Vazamento de dados confidenciais que podem derrubar um governo não são vistos com tanta seriedade como vazamento de senhas pessoais ou imagens íntimas. A arte digital é outra que sofre combatendo tais paradigmas de legitimação, e o próprio fato de questionar se ela é ou não arte quando envolta em pixels e megabytes nos faz enxergar um mundo em crise diante de uma tecnologia tão onipresente e que nos/se modifica o tempo todo.
Ao passo rápido da inovação tecnológica, um futuro digital é inevitável. Se pensarmos que muitas operações de grandes corporações e pequenas empresas não se realizam se não há internet, o futuro digital já é o nosso presente. Mas quando se trata de abraçar essa nova camada de quem somos (o que curtimos, comentamos e compartilhamos) e do mundo global, há restrições.
Talvez a personalização e seleção do conteúdo das mídias sociais tenha criado em nós uma dificuldade em lidar com opiniões contrárias. Mas no mundo desconectado, também lidamos com discursos de ódio, porém sem a cortina do anonimato. A migração, portanto, para o digital, onde posso “ser o que eu quiser” e consumir somente o que eu gosto, pode nos alienar dos debates reais e nos distanciar do dia em que lidaremos com a internet com a devida seriedade e cuidado.
A internet no Brasil começou a tomar forma em 1997, quando o governo resolveu abrir o backbone e forneceu conectividade a provedores de acesso comerciais. Nesses quase 20 anos, os últimos dez são os mais marcantes pela globalização da rede, onde as empresas e governos se atentaram para as tendências dos usuários que abraçavam cada vez mais o meio digital. Ou seja, tudo ainda é muito recente, e a forma com que lidamos com as tecnologias são determinadas dia a dia, resultando no impacto que ela tem sobre a sociedade.
Pode ser que nos próximos 20 anos, teremos uma legislação mais complexa e rigorosa para o meio digital, e também historiadores de eventos digitais, visto que o engajamento online já movimentou movimentos sociais de impacto global. Mas até lá, o desafio maior será compreender que o lado mais inútil e nocivo da internet reflete nós mesmos.