Ecchi

Matheus Kuhnen
Tendências Digitais
6 min readApr 24, 2018

Não é novidade que quase toda a população mundial já teve algum tipo de contato com algo pertencente a uma das maiores exportações culturais japonesas: as animações — ou, como são mais conhecidos: os animes. Seja por animações como Dragon Ball Z ou a ilustrações que vieram a se tornar animação no futuro, como a Hello Kitty.

Akira (1988)

Foi a partir do lançamento de Akira em 1988 — animação longa-metragem dirigida por Katsuhiro Otomo (baseado no mangá do próprio diretor) — que a animação japonesa começou a se tornar popular no ocidente. Suas características de violência gráfica e e história madura (se comparado a outras animações japonesas da época) atraíram a atenção do público masculino e fez com que os estúdios começassem a investir pesado nas animações para esse público.

Passamos um pouco o tempo e começamos a ver que após explorações dos estúdios, um dos gêneros que mais começou a atrair a atenção do público masculino foi o “ecchi”. Ecchi vem como uma leitura da letra “H”, que vem, por sua vez, da palavra “hentai “, sendo que esse último possui significação baseada na cultura. Enquanto no Japão seu significado é perversão sexual, ou seja, qualquer tipo de ação ou desejo sexual considerado bizarro, no estrangeiro a palavra toma um contexto mais geral, como uma animação que mostra qualquer tipo de ato sexual explícito. A palavra ecchi, portanto, vem como uma “suavização” do termo hentai, denotando ações sexuais não explícitas.

Com o passar dos anos a quantidade de animações categorizadas como ecchi obteve um grande impulso. Os dados abaixo foram coletados através de uma pesquisa de categoria por temporada de lançamento através do website anichart e verificado sua coerência com o site myanimelist para garantir a veracidade dos dados. Nos dados estão inclusos animes em série, filmes e OVAs.

Dados de animes categorizados como ecchi (1998–2017)

Através dos dados podemos analisar um grande salto na quantidade a animes produzidos na categoria ecchi nos anos 2004 e 2010, com um salto particularmente grande em 2015. Nos últimos 10 anos a quantidade de animes ecchi produzidos foi quase triplicada, dado a grande popularidade de séries ecchi com o público masculino.

Mas esses dados se referem apenas a animações japonesas que possuem foco no gênero ecchi, mas as influências desse estilo narrativo vão muito além dos animes dentro dos dados. Grande parte dos animes desde 2000 possuem algum tipo de “ecchi camuflado”, ou como chamam comumente, o “fanservice”. Esse termo é geralmente utilizado quando acontece alguma ação que se encaixa no termo ecchi dentro de uma série que não possui um foco no gênero.

Figuras de ação em uma loja de Akihabara

A narrativa ecchi possui um impacto muito grande na sociedade japonesa, especialmente porque o fanservice é, de forma geral, uma objetificação da mulher para o homem, com cenas que mostram partes da personagem que são sexualizadas e “fetichezadas” num enquadramento e contexto considerado vexatório/expositivo, ou mostram uma situação em que o garoto toca o corpo da garota sem permissão num “acidente”, gerando uma sensação de que foi algo despretensioso quando, em realidade, está encobrindo seu sexismo com a reação “engraçada” da personagem feminina.

Vídeo de jogabilidade do jogo VR Kanojo

Isso se reflete também no mercado de produtos japoneses, onde você pode encontrar figuras de ação com peitos extremamente grandes, corpo curvelíneo e armaduras que cobrem pouca parte do corpo, algo que acontece com frequência em animes ecchi como Highschool DxD ou Sekirei.

Outras tecnologias que estão sendo engolidas pelo ecchi e pelo hentai são os jogos de realidade virtual como, por exemplo, o jogo chamado VR Kanojo, em que o jogador é namorado de uma garota virtual no estilo anime. Outro exemplo de jogo, dessa vez multiplayer, é o VRChat, um espaço em que os jogadores são livres para adaptarem o modelo de seus personagens e agirem como bem entenderem dentro dele, sendo que muitos utilizam personagens de anime sexualizadas ou realizam ações que seriam encontradas em grande parte das narrativas ecchi. Esses são apenas alguns exemplos para demonstrar que a narrativa ecchi está não apenas se popularizando como narrativa nos próprios animes, mas em outras mídias digitais também.

Vídeo de jogabilidade do VRChat

Algumas animações, mesmo que raras, tentam quebrar o estigma do gênero e subverter sua interpretação dada na maioria dos contextos. Enquanto o gênero ecchi objetifica suas personagem femininas, esses animes se destacam por mostrar o quão ridículo podem ser situações assim em casos reais, removendo o fator engraçado da cena. Um anime que faz isso com maestria é Neon Genesis Evangelion em seu episódio de número cinco.

Comparemos a seguir como essa mesma sequência se desenrola em duas animações diferentes: Neon Genesis Evangelion (episódio 5) e Ore no Imōto ga Konna ni Kawaii Wake ga Nai — também conhecido como oreimo (episódio 1). Nas duas sequências o garoto cai sobre a garota com a mão em seu peito, mas as implicações de cada uma mudam de forma drástica em sua entonação.

Evangelion (esquerda) e Oreimo (direita)

A cena em Oreimo é tomada como “engraçada” e “acidental”, especialmente pela aparição das duas personagens ao fundo que tratam a cena com expressões cômicas e a música animada que é tocada ao fundo. Em Evangelion, no entanto, a cena toma um tom mais sério, em que a personagem Rei Ayanami (a garota) se mantém em silêncio profundo enquanto acontecem batidas de relógio ao fundo, aumentando a tensão na cena. Logo em seguida, quando Shiji (o garoto) sai de cima dela, o clima continua pesado, mostrando que aquela situação não foi confortável tanto para Rei quanto para o Shinji. Apesar de ser relativamente antigo (1994), Evangelion critica uma cena considerada clichê ao subverter a sequência que é utilizada com frequência em animes ecchi.

Mas a crítica feita por Evangelion não obteve muito efeito, já que muitos animes contemporâneos começaram a utilizar mais ainda desse artifício dentro de seu storytelling, mas é um fato que esses clichês estão se tornando super saturados. Podemos ver diversos animes ecchis contemporâneos alterando partes de sua sequência clichê tentando mantê-la a maior quantidade de tempo possível no mercado, como podemos ver no anime Musaigen no Phantom World.

Cena do anime Musaigen no Phantom World

Concluindo, desde 1998 começou a acontecer o crescimento do gênero ecchi que veio como uma forma de popularizar os animes para o público masculino, mas o gênero vem mascarado de sexismo e tem tido impactos enormes na cultura global, com jogos e objetos físicos que objetificam a mulher sendo criados como forma de corresponder às expectativas dos consumidores masculinos.

Por fim, uma coisa é certa: o ecchi teve e ainda terá um impacto muito grande não apenas na sociedade japonesa, mas também na global. Apesar da saturação do mercado ser iminente — como podemos ver na diminuição da criação de animações ecchi nos últimos dois anos. Enquanto alguns estúdios apostam em trazer o ecchi para os jogos, outros ainda tentam transformar o gênero nos próprios animes, tentando subvertê-lo de maneira rasa, mas mantendo seu teor sexista.

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Matheus Kuhnen
Tendências Digitais

Formado em Design pela PUCPR e buscando a especialização em UX e UI. Amante de todos os tipos de jogos e completamente apaixonado por inovações tecnológicas.