Dithering

Victor Gabriel
Tendências Digitais
7 min readNov 1, 2018

A pixel arte vem sendo utilizada em diversos jogos através dos anos, desde o velho Nintendo Entertainment System (ou NES) em jogos como Super Mario Bros. e Contra, até o recente Playstation 4, com jogos como Hyper Light Drifter ou Stardew Valley. Porém, pixel arte não é exclusiva a jogos — é um estilo de arte trabalhado por diversos artistas, para diversas mídias, como animações ou filmes ou arte em geral.

Várias pessoas debatem sobre a origem da pixel arte, porém vários concordam que o termo originalmente surgiu de Adele Goldberg e Robert Flegal em 1982; mas a arte em si já existia por ao redor de 10 anos, criadas no programa “SuperPaint” — cujo sua primeira imagem foi produzida em 1973.

Além do pixel arte, existem diversos estilos muito parecidos que existem desde antes da tecnologia surgir, como o pontilhismo, onde o artista pinta diversos pontos de variadas cores até formar uma imagem; em costura, com os ponto cruz; e até mesmo em mosaicos. Todos os estilos citados envolvem um processo similar ao de pixel arte: colocar um por um, peças em um “canvas” até formarem uma figura quando observado o todo.

A costura em ponto cruz é tão similar ao pixel arte que consegue replicar telas de jogos antigos.

O interessante do estilo é que em tempos atuais pode mesclar com outros elementos, como degradês — o jogo Terraria, por exemplo, não utiliza apenas de pixel arte para seus gráficos. O céu e certos efeitos são gradientes de cores; escolha artística feita possivelmente para salvar tempo no desenvolvimento do jogo, ou por ser mais leve nos olhos: enquanto pixel arte pode ser bonita, também é absurdamente fácil criar uma peça com muita poluição visual; algo que, em jogos, pode atrapalhar o jogador e fazer com que certos elementos sejam difíceis de se distinguir.

O céu é um degradê — mas nem sempre foi assim.

Porém, degradês podem ser utilizados hoje em dia devido a liberdade que o hardware dos tempos atuais dá para os desenvolvedores. Mas e se voltarmos algumas décadas atrás — como exatamente artistas representariam sombras, luzes ou volume na pixel arte?

Devido a limitações de hardware no passado, artistas que trabalhavam com arte digital tinham uma escolha muito limitada de cores. O Mac Pro, por exemplo, trabalhava com o 1-bit: apenas preto e branco poderiam ser usados no jogo. Caso não tenha tantas lembranças do Mac Pro (afinal, nem eu tenho) a paleta do NES, por exemplo, era composta por apenas 64 cores, do qual apenas 52 eram úteis para um jogo. Além disso, desse número, apenas algumas poucas poderiam aparecer na tela em um dado momento do jogo devido às limitações citadas, reduzindo o número para 25 (13 cores para fundos, e 12 cores para sprites e elementos como personagens ou monstros). Com um número tão limitado de cores, artistas não poderiam trabalhar sombras, iluminação ou volume com tanto detalhe quanto em uma pintura normal. É aí que entra o Dithering, uma maneira de enganar os olhos do espectador.

Bionic Commando, para o NES, utilizando de dithering nas paredes.

Dithering é, em essência, uma técnica utilizada por artistas de pixel arte para criar um gradiente entre poucas cores. A Wikipédia cita Dithering como “uma forma de ruído digital aplicado intencionalmente”. Em sua forma mais básica, colocando duas cores diferentes de pixels em zigue-zague cria uma malha que, quando vista de longe, simula uma cor diferente das duas originais. Ao deixar os pixels cada vez mais dispersos, é simulado um efeito de uma cor enfraquecendo e virando outra, dando volume para algo que originalmente seria apenas blocos de cores sólidas. Além de um degradê, um dos efeitos do dithering é que pode ser usado também para dar textura para um objeto, dependendo da maneira que for usado.

Mais recentemente, artistas de pixel arte vem usando dithering, além de sua função original, como um elemento que denota o estilo do artista — enquanto muitos continuam usando a técnica em sua maneira básica, outros vão além, misturando o dithering com o próprio sombreamento e criando algo completamente original.

Imagem demonstrando sombreamento, dithering, e uma junção dos dois de forma estilizada; de um tutorial de pixel arte.

Originalmente, artistas de jogos utilizaram dessa técnica para burlar diversas limitações do hardware de consoles. No NES e outros consoles da geração, como citado anteriormente, utilizavam da técnica para enganarem os olhos do espectador, criando textura e volume com muitas poucas cores. Mas e para outras gerações?

A caixa de texto no jogo Secret of Mana utiliza da malha de dithering para criar um efeito de transparência.

O Super Nintendo, por exemplo, não tinha um canal alpha; ou seja, não podia mudar a opacidade dos pixels da tela — ou era 100%, ou era 0%. Ao invés de criar uma malha com duas cores, criaram uma malha com apenas preto em zigue-zague, simulando um efeito de transparência com as cores em baixo da caixa de texto. Também existem outros métodos parecidos com efeitos do Adobe Photoshop, como subtraction, addition, entre outros — mas estes não são dithering.

O mais estranho da técnica é que, muito como os gradientes “reais” saíram de moda e foram considerados cafonas, o dithering foi deixado de lado por artistas quanto mais liberdade foram ganhando com o tempo — dando lugar para outros estilos e tipos de pixel arte. Uma comparação que pode ser feita é do Flat Design; estilo que utiliza de cores sólidas e formas claras, e que mais recentemente adotou o degradê; com um estilo mais simples de pixel arte, que utiliza primariamente blocos de cores com sombras sólidas, com um gradiente (sim, dessa vez são os de verdade) ou outro utilizado para dar uma noção maior de sombra em certos elementos. Pode ser visto, por exemplo, em Hyper Light Drifter e Fez:

Hyper Light Drifter e Fez, em sequência.

Enquanto o dithering como uma forma de burlar limitações foi deixado de lado em favor de um estilo mais limpo, original e claro por desenvolvedores — e por outros, em favor de um estilo minimalista de pixel arte; ainda é usado em diversos tipos de mídia devido à sua natureza de enganar os olhos do espectador.

Um jogo lançado recentemente em 2018, chamado de “The Return of Obra Dinn” tem como estilo artístico, especificamente, a técnica do dithering. Lucas Pope, desenvolvedor único do jogo, comenta que sua inspiração foram jogos antigos de Mac Pro; que eram só em preto e branco; e que queria recriar o estilo com tecnologias modernas. Ao contrário de ser feito a mão por artistas, Lucas automatizou o processo através de shaders e muitos testes (afinal, dithering é ruído visual — um jogo em 3D que utiliza da técnica facilmente acaba caindo em um território onde olhar para o jogo é um incômodo devido a poluição visual), criando uma identidade visual única para seu jogo, nomeada de “Dither-punk” por diversas pessoas.

Porém, quando perguntado se o dither-punk se disseminaria na indústria de jogos, Lucas, e os desenvolvedores de Rogue Invader; jogo ainda não lançado mas que utiliza do mesmo estilo, concordam que, por mais que seus jogos tenham um grande contraste em comparação a outros devido a identidade visual, poucas pessoas tem nostalgia por jogos 1-bit: a maioria dos gamers sente nostalgia por jogos da época do NES ou SNES. Enquanto o futuro para o dither-punk não é um dos mais claros, Lucas Pope sugere que um estilo híbrido pode se tornar popular: preto e branco com uma outra cor sendo utilizada de vez em quando — já visto em alguns jogos, cita como exemplo Downwell e Unfinished Swan. Além disso, o dithering continuará sendo usado por diversos artistas devido à sua grande utilidade para o pixel arte — é inevitável não querer experimentar com a técnica no processo de aprendizado do estilo de arte.

Fontes utilizadas:

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