Tabus animados

Izabelle Cristine
Tendências Digitais
5 min readNov 15, 2018
Cinderela (1950), Disney Studios.

A geração nascida entre a década de 80 e os anos 2000 cresceu cercada de escapes da realidade em forma de fantasias animadas na televisão.

E que culpa temos nós?

Sereias, fada-madrinhas, animais falantes, princesas, bruxas, príncipes encantados, feitiços, duendes, beijo de amor verdadeiro, sexismo, machismo, racismo, relacionamentos abusivos e heteronormatividade.

Um universo baseado na materialização de ilusões e na mistificação de circunstâncias reais do qual muitos adultos ainda não escaparam.

Os anos de 2017 e 2018 foram marcados pela palavra problematização.

Problematização é como Foucault definiu sua pesquisa: é um jeito de olhar para objetos e situações comuns com um distanciamento necessário para que haja uma desnaturalização, uma desconstrução das noções de verdadeiro/falso, certo/errado, bonito/feio, etc.

Este é um período onde a presença online dos jovens-adultos (15–25 anos) é extremamente marcante, principalmente em relação à causas sociais e assuntos considerados tabu.

Tabu é um conceito utilizado na filosofia, antropologia e sociologia e que está relacionado com a proibição, censura, perigo e impureza de determinadas atividades sociais.

Prova disto é a youtuber Julia Tolezano, mais conhecida como JoutJout do canal JoutJout Prazer. Em seu canal é possível encontrar vídeos abordando todo tipo de assunto de forma leve e descontraída, desde comentários sobre séries de ficção até saúde sexual feminina e desabafos reais sobre relacionamentos abusivos.

No artigo Destabulização, Prazer, Bianca Giacomini cita a tag MeuPrimeiroAssédio, um dos casos de mais repercussão por influência de JoutJout. A tag partiu da história de Valentina Schulz de apenas 12 anos, participante do Masterchef Junior, que sofreu assédios online de forma escrachada e revoltou milhares de pessoas. JoutJout trouxe o caso à tona, chamando mulheres para compartilhar suas histórias devido ao fato de que meninas sofrem assédios desde muito jovens e por vezes carregam sozinhas essas histórias para toda a vida.

E onde entra a animação?

Bom, se situações tabu como essa ocorrem em idades primárias e ainda continuam a afetar o indivíduo em sua fase adulta, o que melhor pra unir a causa do que desenhos animados? Essa união já vem ocorrendo e cada vez ganha mais força!

Desde a década de 90 os quadrinhos vêm sendo um veículo para abordagem de tabus e uma oportunidade para a representatividade de comunidades marginalizadas pela sociedade. Um ótimo exemplo é a Milestone Media que sempre buscou trazer a representatividade em suas histórias — com destaque para a questão de raça. No artigo Representatividade Social em Personagens, Rubens Beraldo cita esse e outros exemplos de destaque até os dias atuais.

Como um meio repleto de possibilidades fantásticas além da imaginação e, o mais importante, acessível à crianças e adolescente, as HQ’s foram um ponto de partida importantíssimo para a abordagem dessas questões.

Atualmente, com mais liberdade de expressão e interesse à pautas sociais, a animação vem se tornando um canal incomparável quando se trata de tabu na mídia tanto direcionado à crianças vivendo a infância, quanto para jovens-adultos.

Neste tópico, trazemos a série animada The Legend of Korra — continuação da franquia de Avatar: the Last Airbender , da Nickelodeon — , citada por Kathe Kaizu em seu artigo Empoderamento feminino como uma das grandes referências audiovisuais sobre o assunto.

Cena de The Legend of Korra (2012), Book 3: Change.

A série constrói uma visão diferente do ser herói, trazendo a presença feminina e sua luta contra a sociedade, preconceitos e autoimagem de forma realista e madura.

Muito se discutiu sobre o público-alvo dessa animação e após o final da série ficou claro, juntamente com depoimento dos criadores, que a série definitivamente não foi feita para as crianças de agora e sim para as crianças que cresceram com Avatar: the Last Airbender.

A série amadureceu juntamente com as necessidades seu público e Gabriel Eichel comenta mais sobre este fenômeno e seus reflexos em seu texto: Novo público-alvo de animações: jovens adultos.

Outro destaque é a animação Steven Universe — criação de Rebecca Sugar — na Cartoon Network. Em Steven esses fatores não estão apenas visíveis no roteiro, mas diretamente presentes nas técnicas, estilos, cores e contexto da animação.

Cena da abertura de Steven Universe.

Apesar de parecer uma animação extremamente infantil à primeira vista com seus traços arredondados, cores e texturas suaves, Steven Universe se tornou uma referência por trazer representatividade e assuntos considerados tabus como relacionamentos abusivos, abandono, depressão e homossexualidade sem perder a naturalidade e a leveza essenciais para o publico infantil.

Inclusive, recentemente em 2018 a série causou escândalo por exibir um episódio onde duas personagens mulheres se casam. Rebecca Black, que publicamente se assume queer, deixou claro seu desejo por entregar o sentimento de pertencimento à crianças LGBTQ+, como mencionado em seu Twitter e comentado com detalhes no blog AdoroCinema.

Como percebemos, a adaptação da animação às necessidades de naturalizar certos tabus ultrapassados é uma macrotendência presente e abraçada por diversas mídias e, no decorrer da produção deste artigo, outra animação veio fazer seu papel de destabulização: Super Drags, a nova série animada produzida no Brasil e disponível na Netflix. Apesar do foco no público adulto por conta do conteúdo explícito, o formato e estilo de narrativa é idêntico ao do clássico Powerpuff Girls da Cartoon Network e animações infantis do gênero.

Com todas as possibilidades tecnológicas e o incentivo ao setor da animação, estamos definitivamente resgatando e reproduzindo padrões técnicos, mas reciclando seus temas. Isso permite o resgate da infância dos jovens-adultos que tanto almejam a representatividade que não tiveram, e também, melhores formatos de abordagem para crianças que estão crescendo agora.

Dos tabus mascarados na infância para a realidade mágica na vida adulta, essa manifestação visual só crescerá e trará mais benefícios à longo prazo!

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