A reinvenção interna do NYT

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5 min readNov 20, 2018

Uma breve análise da importância da cultura organizacional

Daniel Fernandes

Sede do jornal The New York Times, Estados Unidos. Crédito da imagem: Pixabay

A professora Lucy Küng, da Universidade de Oslo, é especializada em estratégia, inovação e liderança. Ao se debruçar, em 2017, sobre a ascensão da tecnologia na mídia e suas implicações nas organizações e em seus líderes, ela sentenciou:

A tecnologia está endereçando novas demandas à indústria da mídia. A criatividade não está mais simplesmente no conteúdo, mas nos ‘recipientes’ em que ele aparece. Os líderes da indústria de mídia e seus praticantes devem agora entender a importância estratégica da tecnologia em todas as suas dimensões. Ainda mais do que isso, eles precisam estar aptos para fazer o necessário — e às vezes difícil — ajuste dentro das organizações. (KÜNG, 2017, p. 76)

Küng finaliza seu texto sugerindo que um dos desafios desses líderes, e das empresas tradicionais de comunicação, é administrar a implicação que essa mudança de pensamento tem na cultura da organização, afinal, essa transformação pode ser desconfortável para muitos funcionários, que vêem seus empregos em risco. Mas, ainda de acordo com a professora, é algo que precisa ser feito.

Entre as empresas de mídia tradicional, ninguém soube entender melhor essa necessidade do que o The New York Times. No início do ano passado, segundo o relatório ‘Journalism That Stands Apart’, produzido por um comitê da empresa chamado 2020 Group, que visa por sua vez preparar a companhia para os desafios do futuro, a empresa contava com 1,5 milhões de assinantes digitais — eram 1 milhão de assinantes em 2016 e nenhum seis anos antes. São esses números, mais do que qualquer outra informação, que indicam efetivamente que houve sucesso — pelo menos inicial — na estratégia de renovação do periódico norte-americano.

Receita do The New York Times conforme o ano (leitores x publicidade). Fonte: Journalism That Stands Apart, 2017

Mas essa estratégia começou alguns anos antes, em 2014, quando a companhia finalizou e tornou público o primeiro relatório sobre a mudança que pretendia fazer em seu modelo de negócio.

Com o sugestivo título ‘Innovation’, o texto de quase 100 páginas conclamava a empresa a trabalhar junta — inclusive a redação com as demais áreas — para assim se aumentar a audiência e então transformar o New York Times em uma organização que priorizaria o digital. Nesse relatório, no subsequente ‘Our Path Forward’, e no último, o já mencionado ‘Journalism That Stands Apart’, os líderes da organização indicam meios para essa transformação.

De acordo com Ismael Nafría (2017), é possível inclusive tirar dez lições sobre o que ele chama de reinvenção dessa empresa jornalística.

  1. Houve uma decidida aposta no jornalismo de qualidade por oferecem aos usuários um produto imprescindível.
  2. O modelo de negócio está mudando. Os usuários aportam mais do que os anunciantes.
  3. O foco é nos usuários, especialmente os mais fiéis.
  4. A missão e a proposta de valor está muito bem definida.
  5. As equipes estão muito bem adaptadas à era digital e móvel.
  6. O futuro (e o presente) está nos dispositivos móveis.
  7. O jornalismo é cada vez mais visual.
  8. O caminho para a transformação digital é amplo e complexo.
  9. É preciso repensar o diário impresso.
  10. É preciso haver trabalho colaborativo entre todos os departamentos.

É sobre o item 5 de Nafría que pretendemos rapidamente nos debruçar neste texto. A importância das pessoas, das equipes, nesta mudança de posicionamento da organização. Já no relatório de 2014, ‘Innovation’, o New York Times apresenta a necessidade de ter novos tipos de profissionais na redação, um pouco em linha do que afirma Küng (2017).

A única maneira de garantir que nosso relatório (sobre inovação) seja absorvido é criar uma redação com uma depurada e profunda mescla de talentos digitais: tecnólogos, designers de experiência de usuários, gestores de produtos, analistas de informação e, principalmente, editores e repórteres inclinados ao digital (Innovation, 2014, p. 91).

De acordo com Nafría (2017), a redação do New York Times, formada por 1,3 funcionários, conseguiu em parte fazer essa transformação — o autor cita haver uma renovação de 70 postos de trabalho na redação do periódico norte-americano por ano, desde 2014, por conta de saídas voluntárias ou demissões. E que essas mudanças alteraram a configuração da equipe.

De fato, há indícios que esta transformação está ocorrendo. Houve a criação de um time de desenvolvimento da audiência, sugerido ainda em 2014, e também de um time chamado NYT Beta, dedicado ao lançamento de novos produtos: entre suas realizações está o Cooking, uma reconfiguração, mais moderna e digital, do vasto conteúdo de receitas que o jornal sempre manteve em suas páginas. A aposta atual do Cooking é permitir que as pessoas customizem seus próprios livros de receitas, que então podem ser impressos e entregues a esses consumidores. A outro indicativo de sucesso dessa mudança. Segundo Nafría (2017), em 2016, a The New York Times Company gerou a entrada de US$ 419.230. para cada trabalhador. Em ano de 1997, essa relação estava em US$ 208.169, ou a metade.

Apesar dos bons indicativos, o NYT entende que ainda há muito o que fazer. no relatório ‘Journalism That Stands Apart’ (2017), a empresa indica que deve ‘continuar dando aos jornalistas o tempo e os recursos para produzir um trabalho que realmente traga impacto’. Isso implica, por exemplo, em aumentar a oferta de treinamento para a redação a fim de que os profissionais da redação estejam prontos para ‘criar jornalismo nativo digital adequado aos princípios de excelência do Times’.

Mais do que isso. Esses profissionais conseguirão êxito nessa tarefa, percebe-se, claramente, quando entendermos que um dos motores da inovação repousa sobre a mudança da cultura organizacional em cada corporação. Há uma infinidade de autores que se debruçam sobre o tema. De acordo com a análise feita por Maisa Lehtovuori (apud SAAD, 2016, p.79), “a cultura organizacional tem um grande impacto na capacidade de inovação, seja da organização seja dos indivíduos”.

Assim, mais do que buscar incessantemente inovar no formato de produção do conteúdo, ou até mesmo no modelo do negócio, as empresas que atuam com jornalismo precisam, também, tratar de envolver as redações na tarefa de buscar o novo. Ao receber treinamento e empoderamento para modificar processos, os jornalistas podem criar novas soluções para os antigos problemas das empresas nas quais eles trabalham.

Quer saber mais sobre inovação no The New York Times, confira os três relatórios sobre o tema produzidos pelo periódico:

  1. Innovation, 2014
  2. Our Path Fprward, 2015
  3. Journalism That Stands Apart, 2017

Referências

KÜNG, Lucy. Reflections on the ascendancy of technology in the media and its implications for organisations and their leaders. The Journal of Media Innovations, v. 4, n.1, 2017.

NAFRÍA, Ismael. La Reivención de The New York Times. Centro Knight para el Periodismo en las Américas, Universidad de Texas, Austin, 2017.

SAAD, Elizabeth. Inovação e empresas informativas: aliados, inimigos ou em permanente estado de “discussão da relação”? Revista Parágrafo, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 72–87, jul./dez. 2016.

Daniel Fernandes, é jornalista e possui pós-graduação em Ciências Aplicadas ao Consumo (ESPM) e MBA em Gestão Empresarial (FGV). É aluno do Mestrado Profissional em Produção Jornalística (ESPM) e pesquisa como se dá a inovação em empresas de jornalismo tradicionais.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP