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6 min readNov 20, 2018

Uma tentativa de sanar as dúvidas de uma pessoa comum

Daniel Fernandes

Uma reflexão sobre o jornalismo a partir da polêmica do óleo de coco. Crédito da foto: Pixabay

Nossa personagem tem 32 anos. É mãe, casada e conversávamos generalidades enquanto esperávamos para participar, juntos, de um evento em São Paulo. Aproveitando o tempo ocioso, fiz a ela uma pergunta que faço a todos aqueles que não são jornalistas como eu.

- Como você se informa?

A resposta, normalmente, varia pouco entre o seguinte cardápio: pela televisão, por meio de links que familiares e amigos enviam via grupos de WhatsApp — os mesmos acusados de disseminar cada vez mais notícias falsas — e pelas redes sociais. Muito pouca gente cita jornais, online ou não, como resposta. Pelo fato de trabalhar em uma empresa de comunicação tradicional, estou acostumado, mas mesmo assim não estava pronto para a resposta a seguir:

- Eu não me informo!

Passados alguns segundos de choque, não me contentei com a resposta e passei a investigar essa primeira conclusão. Pergunta vai, pergunta vem e surgem alguns elementos interessantes. Não é que ela não se informa, nossa personagem recebe links com notícias enviadas por parentes como todos nós. O último foi por iniciativa do pai, que a alertou sobre pesquisa que falava sobre os perigos do óleo de coco. Inconformada com aquela informação sobre um produto que consumia, a personagem disse que passou a procurar mais detalhes nas redes sociais. E disparou as seguintes perguntas:

- Por que ninguém consegue me dizer se o óleo de coco é bom ou ruim? Ou pelo menos dizer no que ele é bom e no que é ruim? É exatamente essa a proposta deste artigo: tentar, ainda que brevemente, entender os motivos pelos quais a mídia escrita — online ou impressa — não atende com eficiência a essas duas simples perguntas.

Mas antes, é preciso recuar.

Em ‘Teoria das Mídias Digitais’, Luís Mauro Sá Martinho (2014) lembra logo na introdução da obra algo curioso que o pesquisador canadense Barry Wellman notou: quando deixam de chamar a atenção e, dessa maneira, se tornam triviais, as mídias se tornam realmente importantes. Ainda de acordo com Wellman (apud MARTINHO, 2014), se a articulação dessa rede social com o cotidiano atinge um nível muito alto, a vida se transforma. Não por causa da mídia, de acordo com ele, mas pelas relações que os seres humanos ligam a ela.

É nesse sentido, talvez, que Henry Jenkins (2009) tenha criado o termo Cultura da Convergência. Para o autor, o espectador que assiste a uma novela ou esporte na televisão e posta comentários nas redes sociais deixa de ser apenas um espectador. Ele dá novo significado para aquilo que viu ou ouviu dos comentarias durante a transmissão ou dos personagens no folhetim televisivo.

O pai da nossa personagem deve ter feito algumas interações a partir da notícia que coletou e enviou para a filha. Ele pode ter, como todo bom pai, lembrado a filha a respeito do alerta que fez para que ela procurasse saber mais sobre o produto antes de consumi-lo. Ou ambos podem ter se deparado com uma questão: será que a reportagem está mesmo certa?

Em todo caso, ao procurar se aprofundar sobre o assunto nas redes sociais, ainda pensando sob hipótese, é bem possível que nossa personagem tenha ficado ainda mais confusa. Ela não sabe, mas a questão envolvendo todas as suas dúvidas na busca por informações sobre a polêmica do óleo repousa em um aspecto chamado media literacy.

Ele vem sendo usado, de acordo com Siqueira (2008), desde pelo menos os anos 1960, quando se buscou aprofundar a compreensão de diversos usos dessa habilidade. Com o passar do tempo, o termo foi se elaborando até chegar na representação daquilo que significa hoje — uma espécie de habilidade para ter acesso, entender e também criar comunicação. “Media literacy, portanto, se refere a um conjunto de habilidades específicas, que envolvem questões de natureza técnica e informacional, e que são socialmente constituídas”.

Mas se nossa personagem não consegue encontrar um meio de achar o que precisa, isso repousa também no trabalho talvez pouco eficiente dos jornalistas. Eles são antes de mais nada gatekeepers, um grupo responsável por selecionar as informações que chegarão ao público. Isso não significa que esse guardião seja neutro ou imune a erros (KEEN, 2009). Mas há um critério quando uma empresa de comunicação se propõe a fazer essa seleção. Pode não ser o melhor, como argumenta Sá Martinho (2009). Mas ainda assim é um critério.

Chega-se então a uma resposta para a pergunta inicial: como fazer com que as pessoas entendam que o jornalismo é essencial nos dias de hoje? Sob a ótica de Keen (2009), por exemplo, é da capacidade de organizar o terrível — por volumoso e veloz — fluxo de informações atuais que o jornalismo se faz cada vez mais necessário.

E quem melhor do que o jornalista para fazer isso?

Mas por que então os jornais escritos — impressos ou online -, na opinião da personagem deste texto, não conseguem fazer isso com eficiência. Talvez, a afirmação dela não esteja baseada na análise da eficiência do trabalho prestado, mas dá falta de confiança no produto em si. No livro ‘Os Elementos do Jornalismo’, Bill Kovack e Tom Rosenstiel citam pesquisa que mostra o seguinte panorama: em 1999, apenas 21% dos americanos consideravam que a imprensa se preocupava com as pessoas, em comparação com 41% em 1985. No Brasil, a situação em 2015 era a seguinte: relatório produzido pelo Ibope a pedido da Secretaria de Comunicação Social do governo federal, indicava que, em 2014, não era alto o índice de confiança das pessoas nas notícias e propagandas presentes na TV, rádios, jornais, revistas, sites, blogs e redes sociais: 41% disseram confiar sempre ou muitas vezes nas notícias. Mesmo assim, os jornais continuam a ser os mais confiáveis — era essa a opinião de 58% dos entrevistados na oportunidade.

É fato: dificilmente algum governo vai cair, ou o capitalismo como o conhecemos estará ameaçado, por conta da falta de contextualização a respeito da questão do óleo de coco.

Mas relacionando o fato com o que escrevem Kovack e Rosenstiel (2005, p.16), a imprensa ao não se comunicar, ao não ser um valor para o leitor, perde seu significado. Afinal, a ‘finalidade do jornalismo é fornecer às pessoas a informação de que precisam para serem livres e se autogovernarem’. Isso pode ser tanto efetivado por meio de uma reportagem investigativa que expõe a corrupção de um governo, como pela contextualização sobre os benefícios para a saúde de um produto qualquer.

É por isso que para os autores, os jornalistas devem seguir os seguintes princípios (KOVACK; ROSENSTIEL, 2005, p. 10):

  1. A primeira obrigação do jornalismo é para com a verdade
  2. O jornalismo deve manter-se leal, acima de tudo, aos cidadãos
  3. A sua essência assenta numa disciplina de verificação
  4. Aqueles que o exercem devem manter a independência em relação às pessoas que cobrem
  5. Deve servir como um controle independente do poder
  6. Deve servir de fórum para a crítica e compromissos públicos
  7. Deve lutar para tornar interessante e relevante aquilo que é significativo
  8. Deve garantir notícias abrangentes e proporcionadas
  9. Aqueles que o exercem devem ser livres de seguir a sua própria consciência

Em outras palavras: deve-se olhar o leitor, o cidadão, em primeiro lugar. Não os interesses dos anunciantes. E até mesmo dos donos da empresa de comunicação. Mas como traduzir isso em atos?

Em seu último relatório público, ‘Journalism That Stands Apart’, o jornal The New York Times deu algumas pistas interessantes. Após mencionar notáveis avanços obtidos pela empresa perante o desafio de obter assinantes digitais — um salto do zero para uma carteira de 1,5 milhão de pessoas -, o relatório diz que ainda há muito o que fazer pois o nível de sucesso obtido atualmente não paga a conta da cara operação jornalística proposta, como premissa, pela empresa.

De acordo com o relatório, é preciso ‘fazer coisas’ no âmbito da reportagem, dos jornalistas e da forma como a redação trabalha. Para ficarmos apenas na forma como as notícias chegam até o leitor, os editores do relatório do Times afirmam que a reportagem precisa ser mais visual, os textos precisam usar mais elementos do digital nos formatos jornalísticos, as reportagens de serviço precisam ser repensadas e melhor exploradas e, finalmente, os leitores precisam ser mais envolvidos na produção de conteúdos. Talvez ouvir mais pessoas de verdade seja o primeiro passo para resolvermos a crise do setor.

Referências

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Editora Aleph, 2009.

KOVACK, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo. Porto: Porto Editora, 2005.

MARTINO, Luis Mauro Sá. Teoria das mídias digitais: linguagens, ambientes e redes. Petrópolis: Editora Vozes, 2014

SIQUEIRA, A. Media Literacy como prática social: objetivos e abordagens pedagógicas. Comunicação e Sociedade, v. 13, p. 87–100, 2008.

Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Presidência da República, Secretaria de Comunicação Social. Brasília: Secom, 2014.

Daniel Fernandes, é jornalista e possui pós-graduação em Ciências Aplicadas ao Consumo (ESPM) e MBA em Gestão Empresarial (FGV). É aluno do Mestrado Profissional em Produção Jornalística (ESPM) e pesquisa como se dá a inovação em empresas de jornalismo tradicionais.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP