O custo da certeza nas relações humanas durante a pandemia

Mudanças na sociedade que vieram para ficar?

Marden Rodrigues
Tendências pós pandêmicas
11 min readJul 8, 2020

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Antes de tudo, deixa eu te perguntar uma coisa: quais mudanças que chegaram com a pandemia, mas que você acha que vieram para ficar na nossa sociedade?

Calma! HAHA não é um texto para te trazer bad vibes não. Na verdade, o que eu gostaria MUITO era de te fazer esse tipo de pergunta sentado à mesa de um bar. Mas é que até isso a gente tem que ver como fica no pós pandemia.

Mudaram as estações, nada mudou. Mas eu sei que alguma coisa aconteceu. Tá tudo assim, tão diferente.

— Cássia Linda Eller

Pois é, tá diferente mermo, Cássia. Mas… o que é realmente temporário? E o que é que realmente vai fazer parte do nosso cotidiano por tempo indeterminado? Afinal, saber disso não é apenas um alimento para a nossa curiosidade, mas também ajuda a pensar em oportunidades de mercado para abrir e expandir negócios (sim, tem gente se beneficiando com algumas tendências, nem tudo está perdido). Ah, e é nítido que entender as mudanças na realidade também permite realizar investimentos mais alinhados com essas tendências.

Pensando nisso, mergulhei em relatórios de várias organizações mega confiáveis (como Google, McKinsey e Accenture) e compilei as principais informações em três macro tendências que compõem o que muitos vêm chamando de “novo normal”. É sobre isso que trato nesse texto :) Espero que goste.

O tal do novo normal

Eu tenho visto pessoas discutindo seriamente se é para chamar ou não o período pós pandemia de “novo normal”. Sendo bem honesto com você, eu nem fiquei dando muito ibope para isso. Com todo respeito, não pareceu uma discussão que valia muitas horas de vida. Mas resolvi abraçar o termo depois que li a entrevista da Maria Aparecida Rhein, professora do Insper, sobre o tema. Ela disse o seguinte:

Quando a sobrevivência e a proteção ficam ameaçados, já não consideramos algo como normal. Por exemplo: é comum que jovens utilizem substâncias ilícitas. Mas não é normal, pois estão ameaçando suas próprias vidas.

A normalidade, portanto, seria a constituição de um padrão que assegura às pessoas que estão contidas nele uma certa proteção, segurança, continuidade, e, portanto, sobrevivência. O novo normal, na verdade, seria a proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência.

Pois é… Mas, não ache que vou passar esse texto falando sobre a importância de usar máscara. As tendências a seguir são muito maiores do que imaginamos.

As três macro tendências

São elas: o custo da certeza, o novo papel da casa e a virtualização onipresente. Em cada uma, explicarei primeiro uma visão geral da tendência e, aos poucos, vou aprofundando em diferentes situações e exemplos, o que vai tornar tudo mais palpável. Vamos lá!

#hidratados

Macro tendência 1: o custo da certeza

Esse é o nome dado para a primeira tendência que é explicada no relatório da Accenture “5 novas verdades humanas que as experiências precisam abordar”.

Para mim, fez sentido adotar o mesmo nome porque pensar em “custo da certeza” realmente me traduz a ideia do pensamento: “opa, opa, peraí, não tenho certeza disso, calma, deixa eu ver direito”. Em outras palavras, significa que ter incerteza em determinadas situações vai fazer com que mudemos nosso comportamento e tomada de decisão. Vamos aos exemplos.

A angústia das grandes decisões

Tomar grandes decisões se tornou angustiante perante tantas incertezas. Principalmente aquelas cujos planos exigem um certo tempo para se concretizar, como mudança de moradia, planejamento de viagens, mudança de carreira, entrada em cursos de especialização (como mestrado), abrir um negócio, etc.

A real é que depois de determinado período isolado, você até perde a noção de tempo. Segunda feira já parece com quinta, que parece com domingo.

Para aqueles que, como eu, têm o privilégio de realizar suas tarefas de trabalho de casa, os dias facilmente se tornaram muito semelhantes e a noção de tempo que tínhamos antes se converteu em um horizonte curto entre ontem e amanhã. É o que o Michel Alcoforado, antropólogo sócio-fundador da Consumoteca, chama de “Fluxo” no episódio #35 do podcast CAOSCast “O tal novo normal”.

Eu tenho dito que só vou fazer dieta de novo quando tiver segunda-feira de novo. — Michel Alcoforado

E, enquanto na esfera individual, percebemos esse fluxo e a falta daquele contexto anterior que nos trazia rituais específicos para cada dia da semana, numa esfera global, percebemos um movimento de desglobalização.

Não sou especialista no assunto, mas vou dar meu melhor, tá? Xô explicar isso melhor.

O que a gente aprendeu na escola sobre globalização foi justamente o quê? Resumidamente, um fenômeno mundial de integração entre as nações causando aumento dos fluxos de recursos e pessoas e catalisado pelo avanço da tecnologia.

Pois é. E desglobalização?

É um movimento de diminuição de determinados fluxos, aumento de certas barreiras e do protecionismo (através de subsídios para produtos internos, taxas alfandegárias para produtos de fora e barreiras sanitárias) e aumento do preconceito contra estrangeiros.

Mas ouviu :(

Em um artigo excelente do portal da Suno Research, chamado “Desglobalização: o mundo pós-coronavírus?”, o professor de Relações Internacionais da ESPM especialista em Europa Demétrius Pereira afirmou:

A interdependência e a globalização continuarão existindo, mas de forma menos intensa, para que não seja entregue a própria segurança do país nas mãos dos outros. Os países deverão se tornar mais autônomos em relação às suas dependências.

- Demétrius Pereira

Sim, é isso mesmo que você está pensando. Um movimento que tem tudo para ser potencializado e acelerado por uma pandemia. (ok, talvez você não estivesse pensando isso, mas eu gosto de supor que adivinhei KKK)

Mas… Qual a implicação prática disso? Bom… Na esfera individual, não é necessário ir muito longe para se ouvir discursos demasiadamente nacionalistas e individualistas.

A política de “cuidar primeiro de si” tem, em sua essência, um ponto positivo. É a mesma dinâmica da máscara de oxigênio no avião. Em uma situação de emergência, primeiro você coloca em você e depois ajuda outras pessoas (como crianças) a colocarem também. No entanto, isso pode levar a um individualismo sem precedentes, o que não é nada bem vindo em um momento em que precisamos tanto pensar na coletividade.

Um fato é: tudo indica que as pessoas ficarão mais locais e se apegarão mais ao que já conhecem e lhes for familiar. Afinal, trata-se de uma consequência direta do custo da certeza. Porém, precisamos nos manter atentos para que isso não nos mantenha afastados indefinidamente.

Se você não conhece esse hino de meme, por favor assista o vídeo clicando aqui.

Beijo na boca é coisa do passado, agora a moda é…

É namorar online? Calma. Vamos lá. rsrs

Ao que tudo indica, não será a reabertura dos negócios e a flexibilização da quarentena que vai tirar da mente dos crushes todas as preocupações. O custo da certeza pode fazer com que um certo alinhamento seja necessário previamente sobre o quanto o(a) @ tem sido cuidadoso(a) com questões de saúde, higiene pessoal e deslocamentos recentes (pelo menos uma checagem básica).

Durante a pandemia, os solteiros que conseguiram manter “amizades sexuais seguras” tiveram alguma vantagem, e quem não teve, ficou apenas na mão do risco ou dos vibradores e sites pornô. Inclusive, o mercado erótico foi um dos únicos mercados em alta nos últimos meses, mais de um milhão e vibradores foram vendidos durante a pandemia. Com a pornografia, mesmo esquema. O Brasil registrou em março um pico de quase 30% de aumento nos acessos do PornHub.

Mas a falta não se estendeu apenas à necessidade básica de sexo, evidentemente. Ela também se estende à falta de afeto e carinho no mundo real, fato que motivou casais a juntarem os trapos nesse momento conturbado mesmo sem muito planejamento. Afinal, estando sob o mesmo teto fica mais fácil combater nosso inimigo invisível e, logo, reduz o custo da certeza. Relaxem, que se Deus quiser, vai dar tudo certo.

Agora, sobre o pós pandemia? Esbarrei com dois cenários que, como diz Humberto Gessinger em sua música “Parabólica”, parecem “paralelos que se cruzam”. Se liga só…

O primeiro cenário vem da suposição de um efeito rebote consequente do isolamento e da demanda reprimida por amor e interação social (me desculpem a mania péssima de enfiar a palavra “demanda” em tudo… fui formado pra isso ¯\_(ツ)_/¯).

Na prática, isso significa dizer que as pessoas estarão tão desesperadas que terão menos cuidados. Esse cenário é especialmente provável se as pessoas já estiverem se sentindo numa situação de perda ou desvantagem (como por exemplo aqueles que já tenham sido infectados antes). Afinal, como disse brilhantemente a professora Dra. Vera Rita de Mello Ferreira em suas pílulas de psicologia econômica:

Diante de perda, nós acabamos abraçando riscos que normalmente não toparíamos correr.

— Vera Rita de Mello Ferreira

Isso me faz lembrar que vivemos há décadas com outros vírus tão ou mais perigosos entre nós, como o HIV. E nem por isso a sociedade parou de transar sem camisinha. Traçando um paralelo para o coronavírus, não há dúvida de que sempre existirá a tentação de simplesmente ignorar todos os riscos e se entregar aos desejos momentâneos.

O outro cenário supõe que alguns cuidados permanecerão fortes mesmo depois de uma possível vacina. Nesse caso, a nossa geração, que já não faz tanto sexo quanto as anteriores, acabará criando mais burocracias.

Pessoalmente, imagino que os dois cenários podem coexistir (daí a ideia de “paralelos que se cruzam”), porque estamos falando das escolhas individuais das pessoas e — sendo bem transparentenão temos, como sociedade, um histórico muito bom em relação à coerência das nossas decisões. Quem nunca se banhou nas águas da hipocrisia que atire a primeira pedra.

Aham, senhora.

No entanto, vale trazer à tona uma questão importante acerca das vacinas em teste. Uma vez que o funcionamento de uma vacina é baseado nos microorganismos causadores da doença para a qual busca-se a imunidade, poderíamos supor que a “melhor vacina” seria, no caso, ser infectado pela própria doença. (É apenas uma suposição, pelo amor de Deus. Acompanhe o raciocínio até o final). Contudo, segundo um estudo divulgado pelo jornal The New York Times, três meses após contrair a Covid-19, já é possível que um indivíduo seja contaminado novamente.

Isto é, desenvolver uma vacina já é um desafio em si. Mais desafiador ainda será desenvolver uma resposta a um problema que se renova em tão pouco tempo. Até que chegue de fato uma solução que proteja a população em massa num período minimamente longo, é possível que alguns hábitos nossos de cuidado nas interações sociais já tenham sido internalizados.

Mano, que loucura isso tudo.

—Meus divertidamente nesse momento

De qualquer forma, eu diria que os acontecimentos no momento ainda não definiram esse futuro. Vamos esperar para ver. Por enquanto, nos contentemos com uma visão esboçada das possibilidades.

Protocolos, pessoas sem noção e carros

Os espaços também precisam retornar com diferentes procedimentos de segurança implementados, que podem envolver não apenas a disponibilização de álcool em gel por tudo quanto é canto, mas também marcadores de temperatura na entrada e até cadastramentos prévios para gestão de superlotação.

Apesar disso, o que vemos nas redes sociais com uma certa regularidade é um comportamento totalmente contrário por parte de algumas pessoas que, ora desrespeitam as regras que os espaços reabertos precisam seguir, ora desrespeitam os próprios fiscais dessa conduta, como ocorreu no caso abaixo.

Essa foi sinistra. Se não tá por dentro, clique aqui.

Mas, calma, não é só de bar lotado que vive o humano pós pandemia. Algumas iniciativas têm aparecido para providenciar experiências mais seguras para as pessoas, dispersando o custo da certeza.

Por exemplo, pelo menos dez estados aderiram o chamado cinema drive-in, onde as pessoas podem assistir filmes em estacionamentos de shoppings dentro de seus próprios carros.

Isso já chegou a rolar no passado e não é exatamente inovador. Um dos benefícios principais naquela época era a atmosfera intimista durante a sessão. Eu super testaria… #sddscinema.

Mas, não para por aí.

Elevaram o conceito de compra dentro dos carros do drive thru para dentro dos shoppings, como foi o caso de Botucatu, em São Paulo. Sim, você realmente entra de carro num shopping e faz suas compras sem sair dele. Você leu isso.

Ministério da Saúde adverte: queríamos um ministro pra avisar que é meme

Se o aumento do consumo drive thru realmente se estender e se consolidar para diferentes experiências, como tem acontecido, pode se tornar um importante argumento de venda para a indústria automobilística em um futuro breve. Afinal, a ideia por trás disso tudo é a de que o carro se tornou, teoricamente, a forma mais segura de se transportar.

E com pessoas motivadas a comprar carro, o movimento que vimos de esvaziamento das ruas e diminuição de poluentes durante o período de quarentena pode retornar com força total na medida em que o custo da certeza implicará também em uma vontade maior de estar longe do convívio de pessoas desconhecidas no transporte público. Resultado: mais carros, mais poluentes, mais trânsito. O que pode mitigar um pouco isso é a tendência de home office, que abordarei num próximo texto.

Isso sem falar que para aqueles que não moram com seus crushes, namorados e cônjuges, prestar uma visitinha sem carro se tornará muito mais angustiante.

Bom… Por hoje, é isso.

Como esse texto já está ficando muito extenso, vou apresentar as próximas 3 macro tendências em mais três textos que publicarei sequencialmente. Assim, fica mais fácil de você acompanhar parte por parte :)

Se você achou útil até agora, deixe suas palminhas e interaja comigo! Faça as marcações no texto que foram mais interessantes e encaminhe para seus amigos! Deu um trabalho danado reunir todas essas informações e me dá muita alegria quando ajuda ou informa bastante gente. Obrigado por ter chegado até aqui ❤

No mais, um grande abraço e até logo!

*Atenção! Caso não saiba, tudo que está sublinhado nos textos na Medium — inclusive no meu próprio texto — são hiperlinks clicáveis e devem levar você para uma página externa, como por exemplo as referências que me basearam em determinado trecho.

**Se você não me conhece ainda, é um prazer te ter por aqui! Meu nome é Marden e sou um apaixonado pela mente humana e tudo que se desdobra dela nos diversos domínios da vida. Para começar, na vida financeira. Sou economista, estudo e ensino educação financeira há anos através da Barkus Educacional, um negócio de impacto social que fundei com o objetivo de democratizar o acesso ao tema para nossa população. Atualmente, um dos domínios da vida que mais preciso entender no meu trabalho é a aprendizagem, pois o meu trabalho é justamente pensar na melhor maneira de apoiar nossos aprendizes em seus processos individuais de busca por conhecimento sobre finanças. De todo modo, gosto de muita coisa! Poesia e arte, finanças e investimentos, psicologia e comportamento, educação e aprendizagem, amor e relacionamentos. Acredito que tudo está muito mais conectado do que fomos ensinados a pensar. Dito tudo isso, espero que você tenha chegado para ficar :) quem sabe não nos tornamos companheiros de jornada?

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Marden Rodrigues
Tendências pós pandêmicas

Sinto, logo escrevo. A mente humana me fascina e tudo que se desdobra dela nos diferentes domínios da vida me despertam a curiosidade.