Smartphone como ferramenta de trabalho nas redações de telejornais

Inovação em Jornalismo
Tendências no Jornalismo
6 min readNov 20, 2018

Como o dispositivo móvel promoveu inovações no processo de produção das reportagens e garantiu agilidade na rotina dos jornalistas

Giovanna Vieira

Smartphones (“telefones inteligentes” na tradução literal em português) são dispositivos tecnológicos que combinam recursos da telefonia móvel e dos computadores. Embora muito popular na última década, o primeiro smartphone foi lançado em 1994, pela empresa IBM. Foi o primeiro celular a ter aplicativos e a capacidade de conexão com um fax.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mostram que, em 2016, 48,1 milhões de domicílios brasileiros dispunham de alguma forma de acesso à rede internacional computadores. Isso representa 69,4% do total de lares do país. No mesmo período analisado, 94,6% dos que acessaram a internet o fizeram por meio do celular (63,5% acessam pelo microcomputador e 16,4% pelo tablet). O número é expressivo e revela um perfil da população brasileira, que se configurou em pouco tempo. Prova disso é que até 2013 o microcomputador era a principal ferramenta, utilizado por 88,4% dos usuários, enquanto 53,6% optavam pelo celular.

Essa realidade se refletiu nas redações pelo mundo e, segundo Fernando Firmino da Silva (2008, 2013), reconfigurou o jornalismo com mudanças no deadline, nas rotinas de trabalho, assim como no produto jornalístico e no perfil profissional dos repórteres. Ainda segundo o autor, os smartphones constituem o mais completo misto entre comunicação, lazer e trabalho, reunido num mesmo dispositivo, que se transformou numa ferramenta para a prática jornalística. Nessa mesma linha, João Canavilhas (2012) reforça que nenhum outro objeto do cotidiano passa tanto tempo conosco como o smartphone. Segundo ele, o aparelho se transformou numa espécie de sexto sentido ao olfato, audição, visão, tato e paladar.

Na prática, os repórteres conseguem, por exemplo, avisar a redação, com mais rapidez, sobre dificuldades e problemas encontrados na rua, sugestões de novos entrevistados e outros tipos de demanda. Isso já era possível com o SMS (Short Message Service), disponível, pela primeira vez, nos celulares em 1992. Mas, foi com o avanço tecnológico e a popularização dos smartphone que esse processo foi disseminado nas redações, principalmente com a criação do WhatsApp. O aplicativo, criado em 2009, é uma multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz. Além das mensagens de texto, é possível enviar imagens, vídeos, áudios, documentos em PDF e fazer ligações de voz ou vídeo por meio de uma conexão com a internet. Diante dessas possibilidades, o deadline passa a ser mais flexível e os rumos de uma matéria podem mudar a qualquer momento.

“O smartphone garante muita agilidade quando estamos na rua. Converso, o tempo todo, com a equipe de apoio da redação e com os editores-chefes para dar o encaminhamento mais correto para a reportagem”, conta Nohlan Hubertus, repórter da TV TEM, afiliada da TV Globo. Já o editor de texto dos jornais matutinos da Record TV, Leandro Caló, diz que graças ao smartphone consegue ter contato com os repórteres, já que edita reportagens produzidas em outros estados brasileiros. “Sem o WhatsApp direto do repórter, eu precisava passar as orientações para o responsável pela emissora local. Havia muitos ruídos na comunicação e, agora, consigo até aprovar os textos via smartphone”, conta.

Outra questão importante é o fato dos smartphones serem dispositivos pequenos e portáteis, o que permite que os jornalistas façam imagens com agilidade, principalmente em momentos em que não estão — ou não podem estar — com equipamentos profissionais de televisão, como nesta reportagem. O material feito pelo repórter pode resultar numa reportagem mais intimista, em que o jornalista se coloca no meio da notícia, mostra suas impressões, emoções e experiências, modelo muito usado para mostrar proximidade com o telespectador.

Apresentador usa o smartphone em caso de desabamento de prédio para ter acesso à local de risco e ser mais ágil sem os equipamentos profissionais de televisão. Fonte: Balanço Geral. R7, 03 maio 2018.

Martins (2014) afirma narrativas televisivas em primeira pessoa, quando o repórter se coloca no fato, ganham maior sentido de autenticidade e transparência por alguém que não faz parte do universo jornalístico. Segundo ela, é como se o espectador estivesse in loco e fizesse parte daquela experiência.

Um outro uso para os smartphones numa cobertura jornalística é o link, ou seja, as entradas ao vivo dos repórteres. Principalmente em coberturas internacionais, como um atentado terrorista, por exemplo, os correspondentes usam o aplicativo do Skype (software que permite comunicação pela internet por meio de conexões de voz e vídeo) para entrar ao vivo em um telejornal, usando apenas o smartphone. Esse processo facilita o deslocamento da equipe, que não precisa, necessariamente, levar equipamentos profissionais, além de deixar o telejornal mais dinâmico, com informações mais rápidas em qualquer lugar e a qualquer momento. O resultado pode ser tão bom quanto ao de um link usando as câmeras profissionais, como esta cobertura, feita em Junho, pela Record TV, durante o histórico encontro entre o líder norte-coreano Kim Jong-Un e o presidente americano Donald Trump em Singapura. Hoje, as emissoras de televisão, na maioria das vezes, fazem transmissões ao vivo via satélite ou antena, uma operação mais cara e que exige, além do repórter, pelo menos outros três profissionais, além do deslocamento de um carro de link e todos os equipamentos.

Correspondente entra ao vivo, pelo smartphone, no Jornal da Record, principal telejornal da Record TV, para noticiar fato histórico para a política internacional. Fonte: Jornal da Record. R7, 11 junho 2018.

Esse recurso já pode ser considerado uma nova opção para viabilizar o jornalismo em tempo real, principalmente em coberturas internacionais, uma vez que os custos de operação ficam mais baratos, dando a possibilidade de se noticiar mais fatos em um número maior de lugares. Mesmo assim, o resultado é uma cobertura com agilidade, com características de hard news e sem o comprometimento com a qualidade jornalística das coberturas e da exibição dos telejornais.

O smartphone começa, portanto, a ser usado em redações que, até então, sempre seguiram um mesmo padrão de produção das notícias. Mais do que a agilidade na rotina dos jornalistas, o dispositivo garante novas possibilidades de inovação, também, na linguagem e na estética dos telejornais. O processo tem um grande potencial, mas é incorporado aos poucos pelas equipes de televisão, que ainda tentam mascarar as principais características audiovisuais dos smartphones. Um exemplo disso é, durante a edição, tratar a imagem de modo que os telespectadores não percebam que foi produzida por um smartphone, ou, até mesmo, quando o texto da reportagem não deixa claro a origem do conteúdo. O desafio, agora, é entender que o aparelho já faz parte da produção jornalística e permite implementar formatos inovadores nunca antes usados na televisão.

Referências

CALÓ, Leandro. Entrevista concedida à pesquisadora. São Paulo, 15 set. 2018.

CANAVILHAS, João. Jornalismo para dispositivos móveis: informação hipermultimidiática e personalizada. Actas do IV CILCS — Congreso Internacional Latina de Comunicación. Portugal: 2012.

DA SILVA, Fernando Firmino. Jornalismo móvel digital: uso das tecnologias móveis e a reconfiguração das rotinas de produção da reportagem de campo. Tese de doutourado, UFBA, Salvador, 2013.

DA SILVA, Fernando Firmino. Jornalismo e Tecnologias da Mobilidade: Conceitos e Configurações. ABCiber, II Simpósio Nacional de Pesquisadores em Cibercultura, nov. 2008.

HUBERTUS, Nohlan. Entrevista concedida à pesquisadora. São Paulo, 15 set. 2018.

IBGE — Pesquisa por Amostra de Domicílio Contínua 2016.

MARTINS, Maura Oliveira. Reconfiguração no telejornalismo a partir da popularização das câmeras amadoras: sobre a narrativa em primeira pessoa. Intercom. Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Foz do Iguaçu, PR, set. 2014, 2014.

Giovanna Vieira é graduada em Jornalismo pela ESPM-SP. Foi editora de internacional do jornal Fala Brasil, da Record TV, durante dois anos. Atualmente é aluna do Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado (MPPJM) da ESPM-SP, onde estuda o uso dos smartphones nos telejornais brasileiros.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP