Smartphone: quebrando padrões e criando novas narrativas nos telejornais brasileiros

Inovação em Jornalismo
Tendências no Jornalismo
5 min readNov 20, 2018

Conteúdo produzido pelos cidadãos com o dispositivo já faz parte das reportagens televisivas

Giovanna Vieira

Este ano comemoramos os 58 anos de telejornalismo no Brasil, com a inauguração, em setembro daquele ano, da extinta TV Tupi, a primeira emissora da América do Sul e a quarta do mundo. Para os autores Ana Paula Goulart, Marco Roxo e Igor Sacramento (2010), a televisão foi se firmando como a maior mídia de impacto social ao longo de sua existência e, hoje, pode ser considerada a principal — ou até a única — opção de entretenimento e de informação de grande parte da população do país.

Ao longo dos anos, avanços tecnológicos permitiram inovações nos telejornais, principalmente durante a década de 60, com a chegada do videoteipe. A tecnologia significou uma revolução na história da TV no Brasil, pois, permitiu a gravação da programação e a sua exibição em outros horários e até mesmo em outras emissoras. Segundo Florentina das Neves Souza (2011, p. 434), “a notícia passou a ser mais ágil e a chegar com muito mais rapidez ao destino final’.

Tecnologias como essa modernizaram, aos poucos, os processos de produção das reportagens e da exibição dos telejornais. Mas, o produto final, na grande maioria das vezes, sempre seguiu um mesmo padrão estético. Como pontua Lenira Alcure (2011), não importa em que país, o telejornal será facilmente reconhecido por estruturas básicas muito parecidas, como o(s) apresentador(s), a presença de uma bancada, as entradas ao vivo e as reportagens editadas.

Quase setenta anos após o surgimento do telejornalismo, no Brasil, ainda vemos que o padrão descrito é usado em, praticamente, todas as emissoras. Mas, nota-se, nos últimos anos, uma tentativa de mudar processos e linguagens, principalmente com o aparecimento de recursos tecnológicos, que configuram novas relações do público com a notícia e criam demandas por conteúdos diferenciados, a fim de manter e, até renovar, as audiências das emissoras de TV.

O smartphone é um desses recursos. Uma das maiores mudanças foi a possibilidade dos jornalistas usarem conteúdos feitos pelos próprios cidadãos. Com o mundo digital, eles passam de receptores da notícia, para, também, produtores de conteúdo e, para isso, usam, na maioria das vezes, os smartphones que têm recursos para gravar imagens e sons, além da já conseguirem publicá-las na rede em poucos instantes. Para o autor John Pavlik (2014), cidadãos equipados com smartphones são repórteres engajados que capturam fotos e vídeos de notícias que acabam de acontecer. Eles usam as redes sociais, como Facebook, Youtube e Twitter para compartilhar esse conteúdo, que passa a ser usado na produção das reportagens, já que as emissoras, muitas vezes, chegam ao local do fato depois que ele já aconteceu. Ou seja, é uma forma dos jornalistas produzirem uma notícia audiovisual, que não conseguiriam se não tivessem acesso às redes sociais. Isso acontece, muitas vezes, em grandes coberturas, como atentados terroristas, flagrantes e catástrofes naturais, como esta reportagem da TV Globo, em que o editor usou um vídeo feito pelo smartphone do momento em que um tsunami atinge uma ilha da Indonésia.

Cidadão registra momento em que tsunami atinge ilha na Indonésia e vídeo é usado em telejornais do mundo todo. Fonte: Bom Dia Brasil. Globoplay: 1 out. 2018.

Esse processo quebra vários padrões do telejornalismo, principalmente no que diz respeito à estética das imagens. Segundo o jornalista Edson Rossi, em reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo em setembro de 2017, smartphones trazem o enquadramento vertical, ou modo retrato, para o campo das imagens, isso porque os usuários seguram seus aparelhos nessa posição 94% do tempo. Entretanto, Rossi (2017) ressalta que a indústria do audiovisual opera seguindo o paradigma da imagem horizontal (modo paisagem) e que esse reposicionamento estético forçado se aproxima. Já é possível observar esse movimento nos telejornais, que passam a priorizar mais a notícia e usam esse novo padrão de imagem — muitas vezes em baixa qualidade — e até depoimentos dos telespectadores para compor as reportagens, deixando-as mais próximas do público. Mesmo assim, ainda há um esforço, por parte da edição para, muitas vezes, mascarar essas novas características e deixar as imagens mais próximas possíveis do padrão tradicional. Victor Haar, jornalista e editor de imagens da TV Globo, diz que esse tratamento do conteúdo, na edição da reportagem, pode ser justificado, em muitos casos, como uma maneira de melhorar a qualidade da imagem. Para ele, os materiais gerados pelo smartphone reeducaram o jornalismo e permitiu aos telespectadores um melhor entendimento do que estão assistindo. “Qualidade não é mais sinônimo de informação. Informação que é sinônimo de qualidade”, afirma.

Desta forma, novos tipos de tecnologia digital, como é o caso do smartphone, combinado com a experiência de grandes empresas de mídia têm o potencial de criar um ambiente informático mais rico, engajador e mais representativo do que qualquer outro que já existiu (MIEL; FARIS, 2008, p. 41). Isso garante precisão, equilíbrio e integridade que são fundamentais para uma população bem informada.

Referências

ALCURE, Lenira. Telejornalismo em 12 lições: televisão, vídeo, internet. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2011.

HAAR, Victor. Entrevista concedida à pesquisadora. São Paulo, 1 out. 2018.

MIEL, Persephone; FARIS, Robert. News and information as digital media come of age. Berkman Center for Internet and Society at Harvard University, Cambridge, 2008.

RIBEIRO, Ana Paula Goulart; ROXO, Marco; SACRAMENTO, Igor. História da televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010

ROSSI, Edson. Com boom no uso do celular, vídeo na vertical muda paradigma de filmagem. Folha de S. Paulo, Ilustríssima, 15 set. 2017.

PAVLIK, John V. Ubiquidade: O 7º princípio do jornalismo na era digital. In: CANAVILHAS, João (org.). Webjornalismo: 7 características que marcam a diferença. Livros LabCom Covilhã, UBI, LabCom, Livros LabCom, 2014.

SOUZA, Florentina das Neves; PIVETA, Patrícia. A evolução tecnológica na edição do telejornalismo. Revista Famecos: mídia, cultura e tecnologia, maio-ago. 2011, pp. 432–445.

Giovanna Vieira é graduada em Jornalismo pela ESPM-SP. Foi editora de internacional do jornal Fala Brasil, da Record TV, durante dois anos. Atualmente é aluna do Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado (MPPJM) da ESPM-SP, onde estuda o uso dos smartphones nos telejornais brasileiros.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP