Streaming : um fenômeno que domina o mundo

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Tendências no Jornalismo
9 min readNov 20, 2018

ESPN investiga como a tecnologia tem afetado o hábito do fã esportes

Renata Soares Netto

Não é novidade que os parâmetros de zona de conforto no mundo da comunicação mudaram há alguns anos, já que o território da mídia se expande a cada dia. Hoje não há mais receitas de sucesso na área de conteúdo, mídia e jornalismo. Por isso, mais do que nunca, as empresas do ramo têm reforçado seus times de Business Intelligence. “As empresas que prosperarão no longo prazo num ambiente de ‘mídia propagável’ são aquelas que ouvem sua audiência, se importam com elas, em última análise, almejam falar às necessidades e aos desejos delas com uma atenção crucial quanto a que se dedicam aos objetivos de seu negócio” (JENKINS; GREEN; FORD, 2013, p.18). Seguindo esse caminho, o Grupo de Pesquisa da ESPN nos Estados Unidos, o Espn Fan & Media Intelligence, trabalha com mais de 60 profissionais para atender não só a matriz americana mas todas as afiliadas em mais de 100 países pelo mundo. E desde 2013 tem trabalhado mais ativamente para responder as seguintes perguntas:

- O que a tecnologia tem feito com o consumo de esportes?

- Como os eventos ao vivo ativam os sentidos dos fãs de esporte?

- Existe algo mais imersivo do que o celular?

- Afinal, a velha “televisão” é algo que vai morrer?

Ao contrário do que muita gente supunha, a pesquisa mostrou que a sala de estar, o grande altar da antiga televisão, continua sim vivo, mas com outro tipo de televisão. Uma televisão mais “smart”, democrática, que acolheu vários companheiros, como os celulares, tablets, desktops, laptops, videogames… entre outras caixinhas mais. A diferença é que a telona que sugava a atenção de toda a família à sua volta, há pouco menos de dez anos, agora divide as atenções com outras telas e outros gêneros, como os esportes. O que era tendência — o consumo dominante de streaming — virou realidade nos Estados Unidos e ganha corpo cada vez mais no Brasil também. E quando falarmos de streaming nesse texto, estamos nos referindo à distribuição de conteúdo multimídia via internet — ao vivo ou não.

O estudo “The New Living Room” do grupo Espn Fan & Media Intelligence , chegou à sua quarta edição nos Estados Unidos em 2017 e também realizou nesse ano a primeira versão no mercado latino. O estudo tem como objetivo ajudar os seus profissionais ligados a conteúdo e negócios a entenderem melhor o contexto atual do mercado em que a empresa está inserida, onde a tecnologia mexe com os hábitos dos consumidores, incluindo os fãs de esporte. Desde 2013 o foco era o mesmo: entender os hábitos de quem assiste a “TV” num ambiente com mais e mais competidores de “vídeos” na internet. No início do estudo, a percepção dos espectadores era que os serviços de streaming eram tão bons quanto os de televisão por assinatura. Em 2015, parece que a novidade do streaming passou e as pessoas tinham o serviço, mas não usavam muito. Os serviços de streaming ganharam corpo. E então, em 2016, na terceira edição do “The New Living Room”, apareceu a constatação de que para os milênios (entre 18 e 34 anos) o conceito de “TV” era streaming.

Em 2017, a pesquisa foi feita novamente nos Estados Unidos. Com 1000 pessoas entre 13 e 54 anos, que tivessem assistido a pelo menos 1 vídeo longo (mais de uma hora) na internet na semana que antecedeu ao trabalho. E adivinha? Os dados comprovaram que o número de streamers está crescendo (Figura 1), já são 120 milhões de usuários nos Estados Unidos, segundo o Statista, e particularmente, entre os com mais de 35 anos (Figura 2). Ou seja, não é algo apenas que atrai mais apenas os milênios.

Figura1 — Número de espectadores de streaming está crescendo. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)
Figura 2 — Particularmente entre aqueles com mais de 35 anos. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

Para uma empresa como a Espn, que durante 3 décadas nadou tranquilamente pelo oceano calmo da TV Paga, mesmo tendo o trunfo de transmitir eventos esportivos ao vivo, a empresa teve de correr para ter o seu próprio produto de streaming, o Watch Espn, aplicativo para os assinantes assistirem aos canais a qualquer hora, em qualquer lugar. E como era de se esperar, os fãs de esporte têm assistido cada vez mais o conteúdo da Espn pelo Watch Espn, seguindo a tendência do próprio mercado (Figura 3). Esse tipo de constatação é um bom argumento de venda nos Estados Unidos porque o principal Instituto de verificação de audiência, o Nielsen, já está somando a audiência total que um veículo tem: da televisão com os serviços digitais de streaming.

Figura 3 — O Crescimento do streaming da Espn está alinhado com a tendência.Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

Quando perguntados sobre onde assistem mais aos conteúdos de streaming — se nas smart TVs, nos aparelhos de streaming (tipo Apple Tv ou Google Chromecast) ou nos smartphones — 70% responderam que nos smartphones (Figura 4). Quando combinados o aparelhos de streaming e as smart TVs num único grupo, a maioria dos entrevistados inclui também esse grupo de telas que normalmente ficam na sala de estar (Figura 5). Ou seja, a “televisão” hoje em dia é mesmo aquela conectada na internet.

Figura 4 — Os Smartphones são os “líderes”. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)
Figura 5- Especialmente as Smart TV e os aparelhos de streaming. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

O interessante desse estudo é que ele se aprofunda em detalhes curiosos sobre os hábitos referentes a assistir algo na sala de estar. Por exemplo, foi perguntado “como você assiste ao seu programa favorito: no tempo que foi programado no canal ou na hora que você quiser”? E o crescimento da quantidade de pessoas que assiste quando quer o seu programa favorito tem crescido sensivelmente nos últimos 3 anos. (Figura 6)

Figura 6- Streaming entrega os programas favoritos (Obs: parte em azul = somatória de DVT TV + On demand + quando são lançados + download do conteúdo + DVD). Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

Outra pergunta interessante foi a respeito do que as pessoas assistem mais durante as noites: canais de TV paga ou conteúdos distribuídos por streaming. O resultado foi que nas noites dos finais de semana, nos últimos três anos, o consumo de streaming ultrapassou aos canais lineares pagos. Já durante a semana há quase um empate técnico. Ou seja, o consumo de canais lineares ainda existe, convivendo com outros tipos de distribuição. (Figura 7)

Figura 7- Aumento durante as noite do streaming, competindo com a TV Paga. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

A lupa no hábito do espectador continua no estudo quando foi perguntado para as pessoas por onde elas normalmente começam a assistir conteúdos quando não têm nada planejado para ver. Em três anos, na geração Z (entre 13 e 17 anos) houve uma inversão de quem ia direto para os canais fechados e quem começa no streaming. No caso dos milênios houve um encontro entre os dois tipos de distribuição. Somente para a geração X (entre 35 e 54 anos), que uma tendência se mantém : nesse momento de querer assistir a algo, mas não se sabe o quê, essa faixa etária vai direto para os canais a cabo, sendo muito raros os momentos em que procuram algo de interessante nesses produtos. (Figura 8)

Figura 8 — Quando a TV é o ponto de partida para se assistir a algo sem estar programado. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

Mas e quando o assunto é esportes? A pesquisa mostrou que esportes têm o poder de fazer com que a grande maioria prefira assistir a esportes ao vivo na televisão. (Figura 9). Mas, há uma abertura grande por parte desses telespectadores, incluindo quem tem os canais Espn, em receber mais conteúdo via streaming. (Figura 10). E se fatiarmos mais os targets ainda, há maior diferença ainda. (Figura 11 )

Figura 9 — Esportes ao vivo continuam uma sustentação da TV a Cabo. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)
Figura 10 — Mas há ums substancial abertura para o Streaming da Espn, especialmente entre os espectadores da Espn. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)
Figura 11- Resultados de diferentes distribuições — idade entre 13–54. Fonte: The New Living Room Study, 2017 (dados Estados Unidos)

No intuito de expandir o estudo “The New Living Room” e entender o atual contexto de consumo de esportes à luz da tecnologia também da América Latina, o mesmo estudo, coordenado pela VP de pesquisa Global e Internacional da Espn Renata Policicio, foi feito em mais países, incluindo o Brasil, Argentina, México e Colômbia. Em 2017, o Grupo Espn Fan & Media Intelligence entrevistou 7 especialistas, fez 9 mini focus groups e mais 1200 entrevistas em cada região. E mais, acompanhou momentos ao vivo ao lado dos fãs na hora do jogo, acompanhando-os inclusive em estádios de futebol, para realmente observar o impacto emocional nos fanáticos por esportes. O objetivo era principalmente observar exatamente como é o consumo do celular na hora do jogo. Assim como a versão norte americana, todos os participantes deveriam ter consumido algum conteúdo longo (mais de uma hora) por streaming nas últimas dua,s semana e ter entre 18 e 49 anos de idade.

A pesquisa apurou em detalhes o que acontece quando assistimos a esportes. E o que se constatou é que o sentimento de euforia e estresse produzido no fã de esporte é similar ao que é considerado pela ciência como altamente viciante. Para se ter uma ideia, 66% dos homens entrevistados admitem já ter chorado de tristeza ou alegria durante uma partida de seu time predileto. Naquele momento do jogo, os fãs entram num grau de tensão em que um minuto pode ser tudo ou nada, eles têm a sensação de pertencimento, de se sentirem totalmente no tempo presente. É o mecanismo da catarse, da liberação das tensões. E a pesquisa traz algo surpreendente: 72% dos entrevistados afirmam que gastariam mais com experiências esportivas do que com outros tipos de experiências no próximo ano.

Nesse ambiente de ter emoções à flor da pele, a tecnologia entra para estar mais integrada do que nunca no dia a dia do fã de esporte. Para ampliar suas emoções. Ajuda com que ele não sofra frente ao conhecido sentimento que em inglês é denominado “FOMO” (Fear of Missing Out) — uma apreensão de que alguém esteja tendo uma experiência da qual você não esteja participando, que é mais evidente entre jovens e ainda mais tensa no meio esportivo. Com esse turbilhão emocional, o fã assiste ao jogo principal na tela grande de sua sala de estar e com o smartphone tira dúvidas, interage, procura rever os melhores momentos. E nos períodos referentes a antes e depois das partidas, também há a busca por conteúdo em cada tela. Desde o histórico do campeonato antes de começar o jogo, até quanto à busca pelos debates entre especialistas depois do término. Quando o estudo investigou especificamente sobre o hábito de consumir por streaming 95% das pessoas entrevistadas na América Latina disseram que tem celular e 71% usam para streaming. Comparado com todos os aparatos com telas, os celulares são os campeões de preferência.

Figura 12 — Os smartphones são os campeões quando o assunto é Streaming.Fonte: The New Living Room Study, América Latina, 2017

E mais uma vez, foi feito um comparativo entre streaming e TV paga — qual seria a melhor opção para os entrevistados para cada tipo de assunto? 58% dos entrevistados responderam o streaming. Qual seria o mais conveniente? O streaming também é privilegiado pela maioria. Porém a TV ainda ganha quando os fãs querem assistir esportes ao vivo, no quesito fazer menos esforço, para assistir com família e amigos e, também, no aspecto do custo benefício (Figuras 13 e 14).

Figura 13 — Quais os motivos que fazem os fãs preferirem a TV ou o streaming.Fonte: The New Living Room Study, América Latina, 2017
Figura 14 — Comparativo entre gêneros e onde são vistos preferencialmente — na Tv ou em distribuição de streaming. Fonte: The New Living Room Study, América Latina, 2017

Após acompanhar o resumo dos estudos The New Living Room podemos chegar a pelo menos 4 principais direções para os produtores de conteúdos, principalmente para os ligados à esportes, como de uma empresa como a Espn:

  1. que consigam em qualquer plataforma reforçar ao fã de esportes que ele está numa experiência coletiva, que há mais pessoas torcendo e vibrando junto com ele;
  2. que façam uma excelente curadoria de conteúdos, organizados;
  3. que estejam também no celular, maior facilitador de todas as tendências;
  4. que percebam que o meio tem de se tornar invisível, já que a paixão pelo esporte está acima de qualquer meio.

Referências

ARDINGER, Brian. Ep. 77 — Renata Policicio w/ ESPN. Inside Outside Innovation Podcast, out. 24, 2017.

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da Conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

ROWAN, Dawn. Nielsen expands cross-platform measurement across ads and content for local markets. Nielsen, 26 ago. 2018.

Renata Soares Netto é jornalista, gerente sênior de Inovação e Desenvolvimento de Conteúdo na ESPN, e mestranda na ESPM onde cursa o Mestrado Profissional de Produção Jornalística e Mercado.

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Projetos desenvolvidos na disciplina “Inovação, Tecnologia e Sociedade” do Mestrado Profissional em Produção Jornalística da ESPM-SP