Um modelo de cocriação de produto multicliente por vias digitais
As grandes transformações na sociedade são movidas em muito por uma crescente tensão entre duas forças distintas: o velho poder está sendo substituído por outro poder, aberto, participativo e feito por pessoas com anseios em comum.
Essas pessoas buscam maior engajamento com fornecedores, com empregadores e com governos. Elas hoje partilham suas experiência e querem ser voz ativa ao participar da criação do valor dos produtos e serviços que fazem uso.
Quando os líderes envolvem os empregados e aproveitam a energia humana, os processo de gestão tornam-se mais cocriativos. As interações entre pessoas tornam-se o tecido conectivo na qual se geram insights, aprendizado e inovação (RAMASWAMY, 2010).
Assim, a autonomia do indivíduo parece ser complementada e melhorada pelo movimento da coletividade, enquanto a efetividade da coletividade parece depender da liberdade individual. Trata-se de um grupo de seres humanos que coloca seus esforços em sinergia para realizar desejos mútuos. As plataformas de cocriação acabam se tratando de Zonas Autônomas Temporárias (TAZ), e, segundo BUSWELL:
Talvez TAZ poderia ser o manifesto para a sociedade empresarial século 21, em que a depressão econômica faísca criatividade, a tecnologia democratiza a competitividade e modelos de negócio estabelecidos são desafiados ou mesmo abandonados.
A colaboração, desta forma, se associa aos anseios sociais de nossos tempos como elemento chave para uma transformação igualitária, que premia a cooperação e impulsiona a vontade da comunidade, legitimando as ações participativas.
Essa cocriação, segundo SRIVASTAVA (2010), altera a identidade do sistema em que vivemos e a qualidade das experiências humanas. Os participantes do processo recebem benefícios diretos em troca de sua participação, através do acesso e da promoção dos resultados obtidos.
Empresas cocrativas respondem a insights que tem origem em experiências reais de engajamento de pessoas e juntos com elas, continuamente desenham e redesenham o que é de valor. Essas empresas criam novos tipos de experiências moldadas pelo contexto das interações entre pessoas, gerando valor único (RAMASWAMY, 2010).
Para tornar o processo eficaz e sustentável, empresas desenham plataformas de engajamento que otimizam a escala e o escopo das interações, baixando custos e reduzindo riscos via de engajamentos cocriativos.
O problema
Gerir a evolução de um software entre duas empresas do mesmo ramo, uma situada em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, é um desafio bastante grande. Anseios e nuances processuais distintas poderiam afastar uma visão de produto única e criar ferramentas úteis à um e inúteis ao outro.
Tornar o backlog colaborativo entre os clientes tornou-se algo fundamental para que ambos convergissem e criassem um produto atrativo, gerando primordialmente valor útil à todos. Porém interligar duas empresas em um único ponto focal também pode ser algo complexo:
A cocriação sem foco é um problema, pois desperdiça os recursos da empresa e frustra seus consumidores. O foco ajuda a determinar a ação que devemos tomar e as pessoas que queremos envolver para poder expandir o projeto RAMASWAMY (2010).
O modelo de colaboração
A cocriação existe de muitas maneiras, e o modo de fazê-la é determinado pelo tipo da interação e pelo desafio a percorrer. Diferentes modelos definem métodos de comunicação entre os participantes. Esses modelos são regidos por conjuntos de premissas que tornam a colaboração possível e eficaz em um ambiente cocriativo.
Princípios:
- inspirar a participação
- selecionar o melhor
- conectar mentes criativas
- compartilhar o resultado
- desenvolvimento contínuo
Parâmetros:
- Quantidade de pessoas envolvidas
- Grau de competição
- Competência do cliente
- Frequência de interação
- Duração do projeto
- Retorno para participantes
Em um ambiente que mescla competição e parceria, e de onde há intenção de centrar o processo no usuário ao mesmo passo de manter o foco no modelo de negócio empresarial, o objetivo central é a geração e validação de idéias rápida em cada uma das duas partes interessadas.
Situações complexas como esta, que envolvem diferentes interesses de diferentes stakeholders, necessitam de locais onde todos se unam para compartilhar idéias e investimentos. Nestes casos, os avanços acontecem quando todas as partes convergem no mesmo processo colaborativo. Este modelo é chamado de “Coalition of parties”.
Esse compartilhamento fora possível conectando stakeholders selecionados em uma mesma plataforma, de fácil domínio para todos.
A plataforma de engajamento
Segundo RAMASWAMY (2010), a habilidade de envolver os usuários como codesigners logo no início do processo de desenvolvimento é parte essencial da prática do design de serviços, uma vez que aumenta a probabilidade de geração de soluções de valor.
Qualquer que seja o ponto em que começa a transformação, as plataformas de engajamento são a pedra angular da cocriação. Tais plataformas de engajamento são terrenos férteis que possibilitam novos tipos de experiências de valor para os indivíduos envolvidos (RAMASWAMY, 2010).
Seguindo este propósito, buscou-se uma ferramenta que pudesse permitir a colaboração virtual entre os quatro stakeholders iniciais. Existem muitas ferramentas que poderiam facilitar essa interação, porém somente uma era de conhecimento avançado por todos eles: planilhas.
Assim, criou-se uma planilha compartilhada entre stakeholders de cada uma das duas empresas, que apontavam as necessidades relacionadas ao seu contexto e avaliavam as necessidades da outra parte.
Essa planilha permitiu que se definissem as prioridades mais latentes para as duas partes, focando o processo de desenvolvimento do produto.
É quase impossível construir uma plataforma cocriativa que garanta aos participantes, desde o início, uma experiência perfeita. As plataformas evoluem em incrementos de ensaio e erro, com os papéis dos cocriadores muitas vezes se alterando de forma significativa ao longo do tempo.(RAMASWAMY, 2010).
Assim mais tarde houve a necessidade de entender aos demais 300 usuários do sistema, dando visibilidade das solicitações ao stakeholder, num modelo de colaboração chamado “community of kindred spirits”. Para tanto integrou-se um botão de feedback no produto e as considerações passaram a fazer parte da planilha de backlog.
Tais ferramentas permitiram incluir toda a base de usuários do sistema no processo cocriativo, permitindo diferentes modelos de interação: qualquer um poderia enviar sua sugestão, porém somente gestores diretos poderiam priorizar as solicitações.
O processo de design de serviço
Ferramentas triviais tiveram problemas de fácil solução, pois eram poucas as divergências para que viessem a ser aderidas por ambos os clientes. Já ferramentas complexas necessitaram de maior atenção, pois, na maioria dos casos, tratavam de mudanças processuais em alguma ou ambas as empresas.
Estas divergências foram facilmente tratadas usando-se de Design de Serviços.
Se um serviço é entendido como processo de criação de conhecimento, também se pode dizer que o principal objetivo de um serviço é aumentar a capacidade de ação de uma entidade (PINHEIRO, 2015).
Um bom exemplo de inovação fora o processo de agendamento (uma das tarefas do contexto das duas empresas). Cada uma delas tem estrutura diferentes, porém ambas tinham o desejo de disrupção no processo e muitos funcionários alocados nele.
Entender o contexto, ouvir e entender os anseios dos colaboradores e posteriormente avaliar junto aos stakeholders das duas empresas permitiu com que chegássemos à uma nova ferramenta, alinhada às necessidades de ambas as empresas e, principalmente, dos colaboradores, para que se aumentasse a produtividade do trabalho. Este modelo de colaboração é semelhante ao “club of experts”.
Resultados
Passados alguns meses da execução dos modelos de colaboração ilustrados acima, os resultados mostraram a viabilidade de cocriar entre empresas parceiras e concorrentes, com rotinas distintas para a construção de um único produto.
O compartilhamento da bagagem de cada uma das empresas permitiu a evolução dos processos empresariais, agregando as melhores práticas de cada uma das empresas à outra.
Ferramentas complexas foram construídas com custos compartilhados e permitiram a otimização de diferentes processos empresariais de forma colaborativa.
Customizações pontuais foram desenvolvidas para satisfazer pequenas nuances, tornando o processo genérico passível de ajustes à rotinas específicas.
O estado atual do backlog é ilustrado pela ferramenta abaixo:
Vê-se que os recursos compartilhados entre as empresas foram superiores que os não compartilhados (mas não se consegue ver que o tempo usado para recursos compartilhados fora 3:1), tal como vê-se que ambas as empresas acabaram por compartilhar as mesmas categorias de evoluções em produto.
Tais evidências embasam a continuidade do processo de cocriação de valor neste experimento, tal como ratificam as palavras de RAMASWAMY (2010) e soam as últimas notas à este artigo:
A cocriação é tanto o meio quanto o fim, num ciclo contínuo
Referências
BEY, Hakim. Zonas Autônomas / Hakim Bey; Organização Coletivo Protopia — Porto Alegre; Deriva, 2010.
Board Of Innovation. How to kickstart your co-creation platform — 20 examples by @boardofinno. Disponível em http://pt.slideshare.net/boardofinnovation/how-to-kickstart-your-cocreation-platform-20-examples . Acesso em 07/03/2016
BUSWELL, Liam. The Entrepreneur’s 21st century manifesto?. Disponível em https://medium.com/@liambuswell/the-entrepreneurs-21st-century-manifesto-e989c6e6fcfd#.7y2nss54f . Acesso em 24/02/2016.
HIEMANS, Jeremy e TIMMS, Henry. Entendendo o “novo poder”. Harward Business Review. Disponível em http://www.hbrbr.com.br/materia/entendendo-o-novo-poder. Acesso em 21/12/2015.
GOUILLART, Francis e RAMASWAMY, Venkat. A empresa cocriativa: por que envolver stakeholders no processo de criação de valor gera mais benefícios para todos. Tradução: Maria Lucia de Oliveira. — Rio de Janeiro: Elsevier; São Paulo; Syymnetics, 2010.
PINHEIRO, Tenny. Service Startup: inovação e empreendedorismo através do Design Thinking — Rio de Janeiro, RJ: Alta Books, 2015.
VIANNA, Maurício, et al. Design Thinking: inovação em negócios — Rio de Janeiro: MJV Press, 2012.