27 anos sem Freddie

(SPOILERS ALERT)

Maria João
Tenho voz!
6 min readNov 24, 2018

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Os meus 8 anos (+27) de Freddie, no rescaldo do biopic dos Queen (?), Bohemian Rhapsody.

No ano que nasci, os Queen eram a cena entre as cenas desde o início dos 70's. Em 1983, o meu pai tinha 23 anos, era pai de uma menina, acabadinho de sair dos Comandos e tinha-os como banda sonora de vida, junto com David Bowie, Pink Floyd, KISS, Scorpions, Rolling Stones, Bruce Springsteen, Leonard Cohen e outros. Continuam a ser banda sonora.

Os anos 60/70/80/90 foram os anos da Música a todos os níveis. O que fizeram à música nos anos seguintes é difícil de explicar a alguém que depende dela como um junkie depende de substâncias ilícitas. Mas o Freddie sabia das coisas:

I'm just a musical prostitute, my dear! -Freddie Mercury

Até há um mês, andei numa roda viva viciada em hip-hop actual e rap duro dos anos 80/90. Sim, oiço disso e Tchaikovsky. Tudo o que me soa a alma é antidepressivo, extasy ou tequila.

Volto ao Rock e ao Grunge sempre. Se querem dar-lhe géneros… A meu ver, é música. Música é música. O que não é música não é discutido!

Este meu ecletismo musical devo-o ao meu Pai, mas ele não precisa saber.

Hoje completam-se 27 anos sem Freddie Mercury.

Durante uns anos não dei o braço a torcer aos gostos do meu pai: ouvia todas as bandas do gosto dele em segredo, excepto Queen. Se tiverem necessidade de perguntar «porquê?», é por não saberem ouvir Queen. Queen ouve-se em volume máximo, canta-se na esperança (inútil) que a voz não saia desengonçada e vive-se o momento qual Freddie em plena performance. Seja onde for, porque sim!

Aliás, uma das coisas que o Freddie me ensinou foi: who cares?! I know I don’t! As long as it makes me happy, I don’t!

Freddie Mercury era/é uma voz única e insubstituível. Não tirando o mérito ao Brian, ao Roger ou ao John, o Freddie era os Queen. Para além da voz, as escolhas que fez resultaram não só no ser inimitável, como no exemplo para os que se sentiam e sentem à margem, por opções de género ou por doenças de resultado irreversível. Se hoje falamos sobre SIDA e homossexualidade tão abertamente, estou em crer que muito se deve a Freddie Mercury. Impulsionou as questões das pessoas e a luta que se vive há anos para a doença que, tão injustamente, era vista como a doença dos homossexuais. No séc. XXI sabemos que a SIDA não escolhe ninguém, nem género, nem cor, nem credo e o Freddie foi o exemplo que SIDA também não escolhe carteira ou coração. O filme relata uma vida extravagante, com excessos e «desvios» que levam à doença. Mas não será isso subestimar a pessoa e a doença em si? A pergunta fica aqui no ar…

O que o filme nos mostra é muito o que as lyrics nos mostraram estes anos todos. Só houve gente mais distraída e menos consciente. (nota: são a única banda no mundo que todos os membros escreveram pelo menos uma música que foi single).

Escreve-se e fala-se muito sobre Queen nos últimos tempos. E bem! No meu caso, fui ver o filme com 3 gerações diferentes da minha, sendo que uma tem 11 anos e no fim saiu com um sorriso de orelha a orelha e a dizer que adorou! Mais não seja, serve para que os millenials saibam quem são os Queen e estranhem as imitações fatela (Jessie J. na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos 2012 em Londres. Foi tudo o que Freddie nunca quis que fosse: boring e doloroso de ouvir) ou evitem a excessiva utilização das músicas em anúncios comerciais de operadoras de comunicação. (NOS? Não estamos juntos!)

O filme serviu para gente como eu, que cresceu também a ouvir outras bandas como os Green Day, se sinta ainda mais perto das bandas por trás das bandas, das mães e dos pais dos acordes que reconheceremos a vida toda e que resultarão sempre (espero) em momentos assim:

*Bohemian Rhapsody, a música, durante a espera pelo concerto dos Green Day no Hyde Park em 2017.

Vivemos a euforia dos fãs a sério, com artigos e vídeos e memes sobre a quantidade de erros do filme. É um filme, não é um documentário. Além de todos os erros e falhas que encontrei, considerando-me uma fã moderada e que sofrerá sempre do desgosto de nunca os ter visto ao vivo (com Freddie), no fim do filme a minha vontade foi levantar-me e bater palmas! Foi uma tarefa muito difícil ver os últimos 10 minutos sentada! Aliás, cantei durante o filme. Eu e o resto da plateia!

Como vivemos na era da busca pelo amor próprio, no cuidar, tratar e lutar por nós, o filme está hoje em mil blogs, artigos de jornal, feeds inteiros, podcasts sobre as lições de vida que o filme biográfico nos passa. «O que o Freddie nos ensinou» ou o filme?

A meu ver o Rami Malek foi extraordinário, no ponto, maravilhoso. Tivesse ele os olhos profundamente negros do Freddie e seria perfeito. Perfeito apenas na parte artística, na parte do ‘publicamente’. 35 anos a absorver as melodias e as letras (algumas com sentido e outras nem tanto) e 27 anos de documentários sobre os Queen e sobre o Freddie dão-me legitimidade para dizer que o homem era de festanças, mas muito tímido e recatado na vida pessoal. Tinha um sentido de humor feroz. Brian May disse numa entrevista «a very kind friend, but a very shy man as well». E, bem, é o senhor das estrelas que o diz!

O que também se esqueceram de mencionar e enaltecer é o lado macho man que ele encarnava. Era capaz de conquistar homens e mulheres fosse qual fosse o papel que assumisse. Tocam ao de leve nessa capacidade dele, demasiado leve.

O que sempre me fascinou na personagem é a voz e o performer! No homem é o respeito e o amor que tinha pelo que fazia. Em 91, já tremendamente doente, vai com os Queen receber um prémio da MTV. Quem falou foi o Brian, mas ele fez questão de aparecer e parecer ‘bem', para dar uma imagem à letra premiada:

Show must go on! Inside my heart is breaking, my make-up may be flaking, but my smile still stays on!

Na relação de Amor incondicional de parte a parte com Mary Austin, a mesma que Malek repete vezes sem fim ser «a única pessoa no mundo que sabe onde estão as cinzas do Farrokh Bulsara», para além da amizade e respeito e entrega de ambos, há um ambiente de família, amor, imensidão que ninguém com coração menos gigante conseguirá alcançar! Mas isto sei por documentários e entrevistas. Bohemian Rhapsody é um filme e não um documentário!

Este Mundo já viu centenas de pessoas que foram/são claramente forças da Natureza, mas esta força da Natureza é o que sempre quis ser: uma lenda, capaz de, quase 30 anos depois da morte, mover multidões e, estou em crer, dar a nomeação para o Oscar a um rapazito que até ontem era o geek da série Mr. Robot.

Fica a nota que, apesar de tudo, Bohemian Rhapsody é tudo menos boring!

Freddie, uma vénia nestes 27 anos pela grandeza! E outra pelo legado musical e pessoal e pelos sorrisos!

M.

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