2 passos para gerar a maior transformação cultural possível
Em um post “Pergunte-me o que quiser” no LinkedIn a Natália Braga me fez a seguinte pergunta:
Se você só pudesse dar dois passos para gerar a maior transformação cultural possível — para auto gestão e descentralização- em um ambiente altamente hierarquizado e tradicional, quais seriam esses dois que vc escolheria sabendo que não entregaria uma transformação profunda, mas sementes plantadas?
Obrigado pela pergunta Natalia. :)
Tomei a liberdade de publicar aqui já que o post e comentário estão públicos no LinkedIn, e considerei útil para expandir a discussão.
Minha resposta no LinkedIn
uau, difícil pensar em X passos para “transformação cultural possível”.
para iniciar, vou falar o que penso sobre esses conceitos.
transformação para mim está mais para algo contínuo, resultado de interações das partes de um sistema complexo, e e efeito composto ao longo do tempo.
e a cultura seria um padrão de suposições e narrativas compartilhadas pelo grupo e ensinadas às novas participantes como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação aos estímulos.
dado isso, sobre a pergunta:
- eu tentaria conhecer mais do contexto específico para saber quais seriam bons experimentos e artefatos para favorecer as primeiras percepções práticas com relação à autogestão.
- de forma geral, eu não apostaria em 2 passos, caso seja algo pontual e não tenha uma continuidade de prática por pessoas da própria organização.
- e pensando em 2 passos, antes eu tentaria saber se o que vai ser feito — e autogestão — é desejável pelas pessoas do grupo, de forma voluntária, por convite, e não de forma imposta. caso contrário, eu não apostaria.
eu vou dar duas respostas. uma de 2 ferramentas. e outra de 2 ações.
2 ferramentas que poderiam favorecer autogestão
- mapeamento de contornos (com responsabilidades e recursos de controle exclusivo, atribuindo as pessoas neles), incluindo guardiãs.
- alteração de artefatos organizacionais com decisão integrativa (consentimento), incluindo alteração dos próprios contornos. chamo de contornos o que está descrito na tecnologia social Contornos, e se assemelha ao que é chamado tanto de Papéis ou Círculos em sociocracia, O2 ou holacracia.
2 ações
- convidar todas pessoas interessadas em saber sobre autogestão, os benefícios, os desafios, além de experimentar práticas. (tentar impôr a quem não deseja costuma trazer força contrária). oferecer treinamento e oficinas práticas de padrões e artefatos que favorecem autogestão.
- rodar esses padrões e artefatos com ciclos de feedback, discussão, e adaptação dos mesmos. utilizaria contornos — para mapear responsabilidades e recursos de controle exclusivo — e a própria decisão integrativa para adaptação.
Atualização — 4/agosto/2022
O papo teve continuidade no Linkedin e resolvi atualizar aqui para explorar melhor até mesmo minha resposta acima.
A Natália disse:
Cali super obrigada pela resposta tão imersiva. Ressoa algo como: compartilhamos, com quem se sente chamado, os pilares dessa cultura e mostramos formas de fazer. Feito isso, o sistema irá se auto regular a partir dessa nova janela que se abre e novos caminhos poderão ser percorridos por aqueles que sentirão que faz sentido essa forma de viver/trabalhar.
Minha resposta
“foi um prazer :) muito obrigado por compartilhar como ressoa por aí.
vou comentar em três etapas rs.
(1/3)
- “compartilhamos, com quem se sente chamado, os pilares dessa cultura e mostramos formas de fazer”
não sei tb se me expressei tão bem.
e, confesso, que minha resposta está aberta a contrapontos, que eu mesmo já tenho em mente.
sobre o seu ponto acima, caso eu tenha entendido, eu diria que não sei, ou não acredito muito, que compartilhar e mostrar formas de fazer já seja suficiente para ações potencializadoras de mudanças continuadas. por isso questiono palestras e treinamentos pontuais quando utilizados com essa crença/intenção. acredito que eles tenham sim o potencial de fagulhas para inspiração e discussões.
até um pouco por isso comentei sobre “eu não apostaria em 2 passos, caso seja algo pontual e não tenha uma continuidade de prática por pessoas da própria organização “ e tb quando comento de “rodar esses padrões com ciclos de feedback”.
(2/3)
- “Feito isso, o sistema irá se auto regular a partir dessa nova janela que se abre e novos caminhos poderão ser percorridos por aqueles que sentirão que faz sentido essa forma de viver/trabalhar.”
fico em dúvida sobre o que interpretar aqui sobre auto-regulação quando também levado em conta o que você comentou sobre “transformação cultural possível — para auto gestão e descentralização”.
acredito que continuamente tratando as questões que surgem através dos estímulos que as pessoas percebem, expressando, discutindo e adaptando os artefatos organizacionais, utilizando-se de artefatos que apoiem isso, exemplo (mas não limitado a isso e nem afirmando que seja suficiente em determinado contexto): mapeamento de contornos, descentralizando responsabilidades e autoridade, e sabendo quando usar uma decisão integrativa para alterar artefatos, facilita essa inclinação continuada, à descentralização e adaptação dos artefatos para essa intenção e contexto.
um outro ponto: acredito que fazendo experimentos com dores já atuais das pessoas sobre centralização de poder ou ambibuidade das coisas, no contexto delas e na necessidade delas de aliviar essas dores, já podem ser úteis e convidativo por já desejarem mudança.
às vezes não é preciso falar a palavra “autogestão”. aliás, pode até trazer atrito inicialmente, dependendo do público.
muito obrigado pela discussão. foi bom pra eu explorar em como estruturar, descobrir limitações ou ambiguidade em minha resposta e perceber onde eu poderia ter articulado melhor. :)”